Como podemos saber qual o melhor período do dia para irmos pescar? Há mesmo um pico mais alto, ao longo do dia? E pode ser previsível ou acontece …por acaso?
A resposta não é difícil para quem faz registos de pesca com rigor e assiduidade. Dados como a temperatura da água, a lua, a força do vento, a altura da ondulação, a época do ano, etc, podem dar-nos um padrão.
Ou, para quem não se quer maçar com isso mas tem boa memória e sabe observar a movimentação dos peixes, basta registar aquilo que muitos chamam de …”picos de actividade”.
Na nossa costa, por razões diversas e que inclusive já foram abordadas aqui no blog, os ciclos alimentares ocorrem de forma progressiva, de menos a mais, precisamente no período de maré alta, entre a 3ª, 4ª e 5ª hora de enchente.
Esse é o período em que podemos esperar melhores resultados, e por isso mesmo o período em que devemos garantir que estamos no local, a pescar.
Podemos obviamente fazer peixes noutros momentos do dia, claro que sim, mas é neste que as coisas vão….”aquecer”.
Se escutarem com atenção os comentários de pesca daqueles que saem com mais assiduidade, vão ouvir dizer “ …e de repente os peixes ficaram malucos e desataram a picar”…
Olhando às tabelas de marés, calculando as horas de maior força de corrente, não falha, pois este é o período de pesca por excelência. É a maré, e as suas inevitáveis correntes, mais ou menos fortes consoante as luas, o motor de todo este processo alimentar.
A última hora, a sexta hora de enchente, tem uma força de corrente inferior, (prepara-se a paragem, o estofo de maré), e isso gradualmente desmobiliza o peixe de procurar alimento com a mesma intensidade e sofreguidão.
E esse é o momento em que eles vão de mais a …menos.
É importante dizer que se esta é a regra, em momento algum deixamos de ter peixes interessados nos nossos iscos.
A questão é que as probabilidades descem a pique, porque a quantidade de peixe a comer reduz de forma drástica.
Sabemos que as marés mudam ao longo do mês, pelo que também é natural que os peixes façam uma progressão nos horários em que decidem comer.
Não confundam este ciclo com algo que acontece também diariamente, o aumento de actividade do peixe por chegar o momento crepuscular. São situações diferentes, e que podem levar a efeitos de pesca máximos quando se conjuga a altura certa de maré com o efeito de luz reduzida. Este segundo factor favorece sobretudo predadores que aproveitam a menor luminosidade para assim conseguirem chegar mais próximo das suas presas. Se há vantagens, elas são aproveitadas.
Não esqueçam um detalhe que pode ser importante: a maior parte dos pescadores tende a considerar que em baixo, a 40/ 60 metros de fundo, as condições de luz serão as mesmas que tem à superfície. Não são.
Aquilo que está a ver ao nível do seu barco nada tem a ver com aquilo que se pode ver lá em baixo, no fundo.
Dependendo da limpidez da água, leia-se uma maior ou menor concentração de sedimentos em suspensão, assim temos mais ou menos luz no fundo.
Para além disso, a luz dos raios solares, bem cedo na manhã, incidem de forma oblíqua sobre o plano de água. A sua penetração no meio líquido é prejudicada pela reflexão no espelho da superfície, e mais que isso, aquela que penetra verticalmente é absorvida metro a metro e perde-se progressivamente. O que quer dizer que podemos estar a lançar os nossos iscos ou jigs num espaço com muito baixos índices de luz.
Mas também quer dizer que os nossos predadores estarão activos, a procurar “enganar” as suas presas através de uma aproximação sigilosa.
O nascer do dia e o crepúsculo são momentos privilegiados para pescarmos, independentemente da maré que esteja a ocorrer, porque em si esses períodos do dia já são uma forma de “facilitadores” da actividade predatória.
Em águas muito limpas, mesmo de madrugada os raios solares permitem-nos ver aquilo que em águas carregadas de fitoplâncton nunca poderíamos ver. Aqui fotografei uma jamanta. |
Para quem pesca com jigs, (as ditosas peças metálicas em chumbo pintado que tantos milagres fazem), o meu caso, este período é crítico quanto à escolha certa dos jigs.
Cores flash, brilhantes, são a opção certa, em detrimento de cores mais naturais, mais próximas das presas comuns dos predadores.
Parece um contrassenso, mas não é. De nada adianta lançarmos para o fundo um jig que represente uma perfeita imitação de um peixe forragem, se ele passar despercebido ao predador.
Tudo se joga em fracções de segundo. Para um predador colocado num determinado plano de água, o espaço útil de trabalho cinge-se a uma faixa estreita que eventualmente começa um metro abaixo do plano em que se encontra e a meia dúzia de metros acima, em que mercê de uma rápida perseguição ainda consegue ter contacto visual com a “presa”, leia-se o nosso jig.
Há um padrão de comportamento que a maior parte dos peixes segue, independentemente da sua espécie. Eles aproveitam as benesses da corrente para não terem de procurar comida, esperam sim que a comida chegue até si.
E por isso mesmo, o papel da maré, da movimentação de águas e respectiva corrente provocada por essa deslocação, são tão importantes na definição dos ciclos alimentares.
Observar, ver sem ser visto, é um bom princípio. No caso dos predadores que melhor conhecemos, os robalos, os pargos, eles estarão muito atentos, virados de cabeça à corrente e predispostos a atacar, desde que sintam que têm reais possibilidades de conseguir êxito.
O tempo útil de passagem da amostra que enviamos para o fundo é curto. Se o predador não a conseguir identificar de imediato num ambiente escuro por falta de luz solar e eventualmente carregado de sedimentos, aquilo que se vai passar é…nada.
Não esqueçam que eles não podem perseguir a nossa amostra (a presa deles) indefinidamente, metros e metros acima. A compensação da pressão hiperbárica feita pela bexiga natatória não é feita à mesma velocidade a que nós recolhemos linha com o nosso carreto. Eles têm as suas limitações. Daí a importância de lhes darmos um alvo, um jig brilhante, bem visível, algo a que possam marcar com os olhos, despoletar o ataque e descarregar toda a adrenalina que têm dentro de si.
O difícil mesmo é conseguir esse click, motivar esse sentido predatório, essa de intenção de morder.
A minha filha Mafalda, aqui com 7 anos, a ser capaz de convencer um robalo a morder no vinil. Peixe libertado. |
Não gostaria que pensassem que este princípio se aplica apenas a robalos e pargos. Consoante as latitudes que consideramos, assim o comportamento dos peixes muda.
Chegam mesmo a surpreender-nos com atitudes que julgaríamos impossíveis. Um exemplo disso é o estranho e bizarro ataque das douradas do Delta do Ebro, Mediterrâneo, a amostras de superfície. São difíceis de conseguir com outras técnicas, mas por alguma razão, no momento certo da maré, no ciclo de alimentação certo, aquelas douradas atacam os passeantes de superfície. E teríamos muitos outros casos estranhos, o caso dos nossos peixes aranha, que sobem muitos metros a partir da sua areia de estimação para atacar jigs muitas vezes com o seu tamanho.
Desde que não existam circunstâncias extremas de frio ou calor, os peixes com predominância de actividade diurna, todos eles, são capazes da ataques verdadeiramente explosivos aos nossos artificiais.
Se os queremos ver ultra excitados, é lançar linhas no período certo da maré, leia-se no ciclo de alimentação certo.
Se há uma relação directa entre a hora da maré e o aumento da actividade dos peixes, há também alturas do ano em que essa mesma actividade se multiplica e oferece-nos dias de pesca incríveis.
Aí, entra em linha de conta o factor reprodução, e a maior necessidade de conseguir nutrientes para alimentar as “esperanças”.
Uma pequena dourada, rainha da nossa costa. |
Como é feita a gestão do alimento existente numa pedra?
Não existem semáforos, nem há sinais de trânsito que indiquem que agora come esta espécie e a seguir a outra.
Mas há princípios que são seguidos, e um deles é este: quando os predadores estão activos, as presas estão recatadas, tão escondidas quanto possível. Para quem faz mergulho, isso é algo que se sente, vê-se que há uma ordem natural e é respeitada.
Há um momento certo para que aconteça algo, e isso acontece quando estão reunidas as condições certas para cada uma das espécies.
Também em termos de calendário, de estações do ano, as pedras recebem vagas de ocupantes, a espaços e perfeitamente definidas no tempo. Cada uma das espécies irá aproveitar da pedra aquilo que ela lhe pode dar a si, e que não será coincidente com outros recursos que valem para outros tipos de peixes.
Nós sentimo-lo nas nossas linhas, conseguimos perceber que há alturas em que temos estes e aqueles peixes na pedra, e noutras nem por isso, a espécie saiu e deu lugar a outra.
Por isso temos o “tempo das douradas”, o “tempo das lulas”, o tempo dos sargos, safios e polvos, etc. Esta noção de “tempo de…” tem muito a ver com a possibilidade extra que temos de conseguir, mediante determinadas condições, pescar mais deste ou daquele tipo de peixe.
Estes casos estão quase sempre umbilicalmente ligados a fragilidades decorrentes de períodos de iminente desova.
No caso das douradas, o momento em que estarão mais fragilizadas por esta necessidade imperiosa de “comer mais” é precisamente este, o período de stress reprodutivo, o qual decorre normalmente de Outubro a Janeiro. Meses com pouca luz, com um fotoperíodo mais curto.
Este ano, por força de um prolongado Verão, sem chuvas, o fenómeno atrasou algumas semanas, mas aconteceu, as douradas estão a cumprir o seu ritual reprodutivo do costume. E por isso comem mais e mais descuidadamente que o seu habitual.
Estão a defender a criação de ovas, de produção orgânica de sêmen, e paralelamente a alimentar-se para suportar o rigor das águas frias de Inverno. Têm boas razões para comer mais.
Por isso se pescam de forma demasiado fácil, …estão mais expostas a um ritmo biológico muito mais exigente.
É aqui que entronca a questão dos fotoperíodos, e dos ciclos de alimentação. Quem não os sabe adivinhar, pesca todo o dia. Assume que vai haver um momento em que as douradas vão comer, mas porque não o sabe prever, fica no local todo o dia, ... à espera.
No próximo número vamos falar de algo também muito importante: o ritmo biológico dos peixes. Ter ou não ter …fome.
Vítor Ganchinho
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