Penso ser também importante deixar umas palavras sobre aquilo que devemos entender como “ritmos biológicos”.
Estes ritmos correspondem a acontecimentos que se repetem de forma regular, no organismo dos nossos peixes. Tal como temos noite e dia, também ter fome é algo que é sempre intercalado com um estado de saciedade, de “não ter fome”.
Falamos pois de um ciclo que se repete a espaços, e isto interessa-nos a nós, pescadores de linha, porque dependemos dele para que os peixes assumam o ataque às nossas amostras/ jigs/ iscas.
Sendo algo repetitivo, podemos prevê-lo, e estar no local no momento em que ocorre. Estar a pescar no momento em que o peixe decide comer será bem mais importante que ter ou não ter equipamento de pesca topo de gama.
Em rigor, interessa-nos pescar nos momentos de maior actividade, aquelas três horas de maré a encher em que o peixe procura avidamente comida, e estará por isso mais motivado a morder as nossas iscas/ amostras.
Todos nós queremos chegar nessa altura, na terceira, quarta e quinta horas de enchente, e não quando o peixe já comeu. Interessa-nos o peixe que procura alimento, não aquele que está saciado de comida.
Não procuramos o peixe que nada entre duas águas, absorto, amorfo, sem rumo definido, ou o peixe que se encosta a uma estrutura rochosa e espera que o tempo passe, porque esse para nós, nesse dia, já é um caso perdido.
Procuramos sim aquele que ainda se esconde, que caça emboscado, que procura alimento na corrente, que adopta uma atitude nervosa de predador interessado e por isso mesmo aceita morder o jig, ou isca.
Se pensarmos friamente, os ciclos de alimentação estão perfeitamente balizados, e não passam de momentos do dia em que todos os peixes da mesma espécie estão sincronizados para comer.
Biologicamente, todos eles sentem que o seu ritmo biológico os impele para procurar comida naquele instante. Este processo pode durar mais ou menos tempo, de acordo com as condições naturais de que o peixe dispõe.
Na costa portuguesa, há zonas muito fortes em termos de alimentação disponível, e outras nem por isso, serão até bem fracas. O que implica mais tempo de procura, de trabalho por parte do peixe.
De pouco vale lançarmos amostras a peixes que já estão cheios de comida. Temos sim de chegar antes de eles começarem a comer. |
Sabemos que quando um peixe predador descansa, outros (as suas presas) estarão activos, a comer e a deslocar-se. Os ciclos estarão forçosamente desencontrados, sob pena de não haver possibilidades de os mais fracos sobreviverem à extinção.
O equilíbrio existente permite aos peixes de menor tamanho saber quando podem iniciar a sua actividade em águas abertas. Seguramente aqueles que mergulham regularmente já tiveram oportunidade de constatar que a dado momento não há peixe miúdo à vista, mas daí a horas eles estão em todo o lado, visíveis, e inclusive a passar a pouca distância dos seus predadores. Porque sabem que passou o ciclo alimentar, o predador já comeu.
Podemos com base neste princípio básico, visitar um assunto que ainda não abordámos nesta sequência de artigos: a caracterização dos peixes segundo critérios diurnos, nocturnos e crepusculares.
Devemos no entanto raciocinar em termos de biorritmo, de ciclo alimentar regular, considerando as diversas condicionantes gerais que existem, e que podemos definir como o ciclo diário de luz / escuridão do fotoperíodo em que estamos.
No Verão os peixes comem mais facilmente durante a noite, no Inverno as condições mais agrestes apontam para um ciclo alimentar mais importante durante o dia.
Sabemos que as marés têm um tempo de duração limitado, e que o peixe escolhe para comer a fase que mais o favorece. Isso já nos ajuda a entender quando devemos, ou não, estar no local a lançar a nossa amostra.
Para quem pesca há muitos anos, é mais fácil definir esse tempo.
Os peixes precisam otimizar a captura do alimento, assim como os processos digestivos e metabólicos, para poder concentrar a ingestão de alimento num menor intervalo de tempo, melhorando, portanto, a utilização dos nutrientes.
Comer e descansar é o objectivo. Se comem pouco, a espaços, e durante muitas horas isso significa também muito trabalho de procura. Com os inconvenientes de perdas energéticas que isso acarreta.
É importante estar no local certo no tempo certo. |
Os peixes têm dentro de si um relógio biológico que lhes diz quando devem iniciar a procura de comida. Para quem pesca, entender isso é vital pois nós só os conseguimos capturar se eles decidirem comer.
Mas o que é isso de relógio biológico e de que forma se manifesta?! Haverá certamente muita gente que não faz a menor ideia de como é despoletado este processo e por isso penso que pode ser interessante escrever algumas linhas sobre o tema.
O controle do relógio biológico dos peixes é um fotorreceptor e ao mesmo tempo um sistema multi oscilador.
A existência de um oscilador circadiano (um ciclo de luz que evolui ao longo do dia, menos- mais- menos, ou seja, nascer do sol, sol alto, pôr do sol) funciona através da glândula pineal, a retina e o cérebro. A glândula pineal é uma pequena glândula situada no centro do encéfalo e responde a estes estímulos luminosos.
Não tenho outra forma de o dizer sem ser algo complicada, mas aí vai: esta glândula apresenta dois tipos de células principais, os pinealócitos e os astrócitos, sendo os primeiros os responsáveis pela produção de melatonina.
Como sabem, esta tal de "melatonina" é uma hormona produzida pelo organismo, precisamente na glândula pineal, e que é libertada ao início da noite, quando cai a iluminação natural. Tem um pico maior algumas horas após o anoitecer e ajuda a promover um descanso máximo no individuo. Aquilo que chamamos de " recarregar as baterias".
Todas estas estruturas fisiológicas estão envolvidas na transformação de dados exteriores perceptíveis pelo indivíduo, nomeadamente a quantidade de luz ambiente, e que influenciam o seu comportamento, sobretudo em início de actividade ou em tempo de descanso.
Temos peixes diurnos e peixes nocturnos, precisamente porque têm diferentes ritmos circadianos. O processo inicia-se pois num sistema hormonal que por sua vez controla e regula o ritmo de vida do peixe, induzindo-o a estar activo a uma determinada hora. Nada é por acaso!
Sabemos que de acordo com esta “arrumação” de hábitos assim teremos mais ou menos possibilidades de conseguir esta ou aquela espécie durante o dia ou durante a noite. Há um ritmo biológico que o explica, entendem?
A luz do sol, desde o momento em que este se mostra até que se põe no horizonte, afecta este sistema e indica ao peixe o momento em que ele deve procurar comida.
A dourada é um peixe essencialmente diurno. |
Dentro da mesma espécie, isso tem normalmente uma correspondência geral, ou seja, são todos afectados da mesma forma quanto ao ritmo de vida. A ligação entre essas estruturas biológicas pode variar um pouco em cada indivíduo de acordo com as condições fisiológicas e ambientais, mas não é todavia muito diferente. E isso explica o facto de, quando come um, haver grandes probabilidades de todos estarem a passar o mesmo processo, e estarem também à procura de comida.
Já ouviram dizer “e de repente desataram todos a picar desenfreados”.
É isso, tem a ver com o ciclo circadiano, e a actuação deste sistema descrito acima. Falámos nos números anteriores do blog em fotoperíodo, e como podem constatar, está tudo ligado.
É a quantidade e qualidade da luz aquilo que influencia os momentos de alimentação, conjugados com as condições ambientais naturais, por exemplo as marés. Tudo está ligado a factores tão simples quanto a quantidade de luz e a oscilação do ritmo circadiano. Ou seja, as estações do ano e as suas diversas nuances.
Factores como a ingestão de alimentos, (que tanto nos interessa enquanto pescadores…), o aumento de peso, a eficácia alimentar daquilo que comem, o dispêndio de energia gasta para conseguir alimento, a movimentação física na coluna de água, a distância percorrida, a reprodução, e todos os restantes parâmetros fisiológicos, inclusive o stress provocado pelo contacto com predadores, (quer outros peixes quer o bicho homem...), tudo influencia a predisposição de um peixe, perante a oportunidade, se lançar ou não à nossa isca/ amostra.
No próximo número vamos ver como aproveitar os momentos certos do dia para pescar.
Vítor Ganchinho
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