CICLOS DE ALIMENTAÇÃO DOS PEIXES: AS SUAS RAZÕES - CAP II

E afinal, o que vem a ser isso dos ciclos de alimentação?!

É assunto de tal forma importante que julgo ser merecedor da máxima atenção por parte de todos aqueles que pescam. Mais que isso, são os ciclos de alimentação aquilo que pode poupar-nos a horas e horas de infrutífera espera, deixando-nos focar a nossa atenção e energia nas horas mais produtivas de pesca.
Há muitas pessoas que saem ao mar sem uma ideia firme sobre as suas possibilidades, sem saber para onde devem ir, que tipo de peixe pescar, e quando terão mais e melhores condições para pescar.
Regem-se por critérios tão vagos quanto “onde há água há peixe”, ou “na pesca é tudo uma questão de sorte”.
Não é assim. O que não falta são locais onde não há um único peixe, e outros que estão apinhados deles. Quanto a sorte, pois sim, são sempre os mesmos que a têm...
Saber relacionar dados, estar atento a detalhes, ter boa memória para fixar quais as condições que resultam em boas pescarias, ajuda muito mais que ter sorte. Saber um pouco sobre os ciclos de alimentação também é importante, pois são eles que nos indicam os tempos de pesca mais produtivos.
Não basta uma tabela de marés, mas ajuda. Com esse pequeno livrinho em mãos, já podemos fazer conjecturas sobre os melhores momentos de pesca ao longo de um dia.
No que a alimentação dos peixes diz respeito, as marés são mesmo um factor muito importante.


Por vezes querer estar no local ao primeiro momento de actividade do peixe significa sair de casa bem cedo.


O grosso da coluna dos peixes come de acordo com eles, os ciclos, ou se quiserem, os tempos mais convenientes de alimentação.
Ponto prévio: o que verdadeiramente conta para quem programa um dia de pesca é o comportamento da globalidade do peixe presente na zona onde estamos, o dito padrão comportamental. Interessa-nos o todo, não apenas uma pequena franja de peixes.
Aquilo que é standard é que os peixes, quer quando isolados, (nomeadamente peixes grandes, velhos, que seguem a sua vida solitária), quer quando em cardume, assumam uma atitude padronizada, comendo de forma sincronizada, de acordo com a altura do dia/ noite que lhes traz mais vantagens.
Isso acontece com todos eles, e por consequência com peixes que até conhecemos muito bem, como os robalos, os safios, as abróteas, peixes essencialmente nocturnos, com actividade diurna mais reduzida, ou com peixes que dependem imenso da altura da maré, as douradas, os sargos, etc, o caso dos peixes que vivem junto à costa. Todos eles têm as suas especificidades, e adaptam-se de acordo com elas. Por exemplo os mariscadores são forçados a esperar pela subida das águas para darem entrada aos bancos de mexilhão, cracas, perceves, etc.
É entendível que assim seja, pois caso tentem fazê-lo a outra hora do dia ou da noite, não terão água e por isso não chegam às rochas onde se fixam os alimentos.
Se estão numa zona muito apoquentada por actividade humana, o ciclo de alimentação mais importante será aquele que corresponde ao momento em que essa actividade é mais reduzida.
Veja-se o caso das nossas praias, que estão apinhadas de gente durante o dia, e em que forçosamente não há peixe a comer por entre tantas pernas, e no entanto quando chega a noite, ao abrigo da escuridão e quando não há por ali ninguém...
Mas também os peixes do largo passam pelo mesmo processo, esperando o momento de maré que mais os favorece, com a corrente a trazer-lhes oportunidades reais de conseguir comida.
Há um momento certo.


O meu colega de pesca, Carlos Campos, com uma saima, Diplodus cervinus.


Então a ser assim, porque conseguimos pescar peixes fora dos ditos ciclos de alimentação?

Se há um padrão, isso quer dizer que a maioria estará a comer quando é pressuposto que o faça.
Ficam de fora apenas os que por qualquer razão tiveram conjunturalmente algum problema, ou estiveram a deslocar-se de local durante esse período.
Exemplo prático: num pesqueiro baixo, com o fundo a 15 metros, um local calmo em que o peixe come normalmente descansado, aparece um barco carregado de caçadores submarinos.
A sua entrada na água cria um incidente de segurança que não se coaduna com aquilo que seria o curso alimentar regular. A segurança primeiro, logo, o peixe não come no momento em que quereria fazê-lo.
Outro exemplo: num pesqueiro fundo, uma traineira chega, marca o peixe na sonda e cerca o local lançando redes. Há pedras e escolhos que impedem a captura total dos peixes. Alguns deles escapam.
Nesse momento, o cardume estará bem mais preocupado em sair rapidamente do local do que cumprir com o previsível ciclo alimentar.
Mas estes são apenas dois singelos exemplos, pouco representativos, os quais não passam de uma pequena fatia daquilo que pode levar o peixe a não se alimentar quando o poderia/ deveria fazer.
Há sempre peixes que pura e simplesmente não encontram alimento quando seria pressuposto, pelo que esses são os que sobram, os que estão em contracorrente em relação ao padrão.




Certamente já ouviram pessoas a queixarem-se da baixa actividade do peixe.
Dizem eles coisas do género: “só começaram a picar mesmo ao fim do dia”… ou isto: “estivemos a olhar uns para os outros a manhã toda, sem ter um toque, e de repente“...
Os ciclos de alimentação são algo que se cumpre diariamente.
Temos dois ciclos de maré a cada dia de 24 horas, o que corresponde grosso modo ao mesmo tempo de duas marés vazas e duas de preia mar. Só não coincide com precisão porque as marés não têm exactamente seis horas cada uma.
Um ciclo de maré cheia e vazia completa-se em doze horas e vinte e seis minutos. E durante este período de tempo, os nossos peixes irão alimentar-se uma vez.
No ciclo seguinte, voltarão a fazê-lo, sendo que haverá um desses ciclos com maior predominância, de acordo com a espécie de peixe em questão. As marés influenciam decisivamente a importância que um e outro ciclo podem ter no dia a dia do peixe pois são elas que determinam a movimentação dos cardumes de comedia, e, tratando de peixes mariscadores, da possibilidade, ou não, de chegada aos locais de alimentação.
As marés são muito importantes! Sem elas, muitas das espécies de seres vivos que conhecemos nem poderiam existir.
E pode acontecer que elas ocorram todos os dias à mesma hora? Não, de todo.
Considerando um determinado ponto, digamos o porto de abrigo de onde saímos habitualmente, cada preia-mar ocorrerá a cada 12 horas e 26 minutos e o tempo decorrido entre a baixa-mar e a preia-mar é de aproximadamente 6 horas e 14 minutos.
Como a rotação da Terra demora 24 horas e 50 minutos e o dia solar médio é de 24 horas, em cada dia as marés ocorrerão cerca de 50 minutos mais tarde.
Devido à rotação da Terra para este, as marés deslocam-se para oeste. Estes são dados físicos que, quer queiramos ou não, têm uma influência directa sobre os seres vivos que aqui estamos a considerar: os peixes.
E também sobre nós, indirectamente.


As estações do ano têm a ver com o grau de afastamento do nosso planeta ao sol.


E porque acontecem as marés?

As marés são o resultado da força de atração de dois elementos bem conhecidos, o sol e a lua. Melhor dizendo, as marés serão o resultado do diferencial ou correlação de forças entre estes dois astros, ocorrendo a movimentação máxima de água quando o sol e a lua se encontram em linha, a puxar para o mesmo lado. As ditas marés vivas.
Quando o sol e a lua se encontram em polos opostos, cada um a puxar para seu lado, as marés são pequenas pois as forças de atracção quase se anulam. O sol é maior e tem mais força, mas a lua, sendo mais pequena, está todavia mais próxima.
Estes valores das forças de atracção variam pois de acordo com a proximidade ao sol, sobre o qual o nosso planeta gira em órbita não circular, o que promove o desenrolar das estações do ano, e também da lua, a qual descreve uma órbita sobre a Terra e está bem mais próxima de nós.
Se a porção de terra firme é fixa, não se move, já as águas dos oceanos sim, essas são movimentadas regularmente por estas gigantescas forças de atracção.
A amplitude de maré obtida é a resultante, a diferença, entre a altura máxima da maré cheia, preia mar, e a altura mínima da maré vazia, a vazante. A amplitude é a medida métrica entre ambas as cotas.
Grosso modo em Portugal temos uma diferença média de cerca de 3 metros, mas há locais onde essa amplitude chega aos …19 metros!!
Mares interiores como o Mediterrâneo têm marés quase nulas, e mares abertos, mais largos, têm marés mais significativas. O Atlântico nem é um mar que seja particularmente largo, está espartilhado entre a Europa e a América, e por isso as marés nem são das mais importantes a nível global.
São elas que determinam os ciclos alimentares dos peixes que nós pescamos. Ou queremos pescar…

No próximo número vamos continuar a explorar este tema, o qual tem ainda muito que se lhe diga...



Vítor Ganchinho



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4 Comentários

  1. Boa tarde Vítor

    Fantástico, entendi melhor as marés e o porquê de avançarem 50 minutos por dia até coincidirem com o periodo de nascer do sol ou de pôr do sol. Que em princípio serão os melhores períodos correto? Coincide as questões de maré com as questões de Luz.

    Abraço
    Toze

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    Respostas
    1. Isso, Tozé! As marés avançam e, grosso modo, se num fim de semana lhe estarão desfavoráveis, porque acontecem num momento em que a si não lhe dão vantagem nenhuma, ( imagine que fica sem água na sua zona de pesca a spinning...), isso quer dizer que na semana seguinte estarão top.
      Penso que haverá mais artigos que abordam este tema e pode lê-los que sempre fica algo.
      O importante é perceber que nós pescadores podemos tirar partido deste tipo de conhecimento para organizar a nossa jornada de pesca, podemos começar por fazer isto e a seguir ir àquilo, e não o inverso.
      Por isso eu levo meia dúzia de conjuntos de canas e carretos quando saio, para poder ir
      "catando" aquilo que é possível neste ou naquele momento. No fundo, rentabilizar cada momento da melhor forma.

      Não adianta lançar a peixes que estão parados, sem actividade. Mas haverá um momento do dia em que eles estarão hiperactivos, e aí sim, vamos a eles.

      Quem pesca com artificiais acaba por saber aplicar este conceito, por "apalpação".
      Há momentos em que de nada vale insistir, e outros em que tudo o que se faz resulta em capturas bonitas.
      A questão é entender o fenómeno, perceber o porquê. E isso leva anos a estudar.
      Foi o que eu fiz.

      Para si é mais fácil, basta-lhe ler e colher de maduro o resultado dos milhares de saídas de pesca que tive de fazer para conseguir chegar lá.

      Mas acredite, ainda tenho e terei no futuro coisas que me passam ao lado, não as entendo.
      Fico é com a pulga atrás da orelha e enquanto não faço as experiencias todas para confirmar se é ou não é, ...não descanso.
      No fundo, vou colocando tijolos na parede, um a um.

      A senhora da bomba da gasolina conhece-me pelo nome....


      Abraço
      Vitor


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  2. Tudo o que o Vítor diz faz sentido e é verdade.

    Nós só temos que agradecer poder colher tanto conhecimento e sabedoria que nos disponibiliza, infelizmente alguns não comentam, nem dizem nada .

    Esses tijolos da parede é o que grande parte de nós faz ou deveria fazer, na nossa profissão ou nos nossos hobbys. Eu na minha profissão tenho evoluído muito e nunca paro, quase todos os dias partilho conhecimentos com os colegas mais novos de forma a evoluirmos todos cada vez mais, quem ganha são as pessoas.

    Para mim conhecimento só faz sentido assim, claro que são realidades completamente diferentes, a Saúde e a Pesca. Mas entendo o Vítor e o Vítor também entende o que quero dizer.

    O tratar pelo nome na bomba de gasolina diz tudo, quer dos gastos quer da relação com o cliente, com a pessoa e não apenas mais um a colocar combustível! É mais importante que o cartão de descontos.

    O mundo necessita de mais pessoas como o Vítor.

    Grande abraço
    Toze

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    Respostas
    1. Acho que vai ficar satisfeito com um conjunto de textos que fiz sobre a pesca ao robalo.

      Trata-se de um peixe emblemático, que me motiva muito e que é de tal forma imprevisível que vale a pena estudá-lo a fundo e escrever sobre ele.


      Tenho a certeza de que vai gostar!


      Não tenho dados sobre a programação de saída dos artigos, ( por vezes escrevo coisas avulso, sem sequência, algo que se passou e merece algum destaque) mas sei que estará para breve.


      Abraço!
      Vitor

      Eliminar
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