O peixe, qualquer que seja a espécie considerada, não come ininterruptamente, 24 sobre 24 horas.
Há ciclos de alimentação e eles estão bem vincados, sabemos quando acontecem.
Eu falo nisto há tantos anos que o estranho é que este tema seja ainda novidade para muitos daqueles que fazem o favor de me ler.
Mas se alguém sugere que não é assim, pois bem, há que voltar ao tema e esgrimir os meus argumentos. E fico à espera da contestação... por escrito.
Quem passa muitas horas a pescar no mesmo local, (e dou como exemplo os pescadores que se dedicam à pesca vertical fundeada, o dito “pica-pica”), entende facilmente que há uma altura do dia em que tudo parece mudar.
Passa-se de uma actividade residual para um progressivo aumento de contactos, há um clímax, (uma altura em que o peixe morde a isca assim que chega ao fundo), e passado algum tempo, tudo acalma, tudo retorna ao seu ritmo normal, com picadas mais espaçadas, mais irregulares, menos decididas. O ciclo alimentar corresponde a este período de maior actividade e nas nossas águas não costuma exceder as três horas de duração.
Quem está mais atento ao fenómeno sabe que não acontece sempre à mesma hora e não dura sempre o mesmo tempo, (é bem mais curto no inverno, com águas frias). Mas também sabe que embora mais ou menos espaçado no tempo, ainda assim existe todos os dias.
É de resto algo cuja ocorrência podemos prever, pois está balizado por critérios que estão ligados ao fotoperíodo e aos tempos das marés.
Aquilo que vamos fazer hoje é espiolhar bem o que são estas duas condicionantes, para que não fiquem dúvidas sobre as razões que me levam a afirmar, e com muita segurança, que existem de facto ciclos de alimentação.
Quando chega o momento de comer, peixe grande ataca peixe pequeno….mesmo quando a ambição desmedida é óbvia. |
Fotoperíodo, o que é?
Não podemos defini-lo apenas em duas palavras, mas podemos trabalhar no sentido de o tornar conhecido em alguns parágrafos.
O fotoperíodo não é mais que um conjunto de efeitos e adaptações dos peixes a um determinado ritmo de vida, condicionado pela presença de luz.
Falamos de periodização de actividades. Podíamos aplicar estes princípios a nós, humanos, ou a plantas, por exemplo, mas aqui, concretamente, tratamos de peixes.
Manifesta-se de forma clara no número de horas de repouso e ciclo de alimentação do peixe, mas também na indução a um período anual específico de reprodução.
É muito conveniente que os peixes de uma determinada espécie reproduzam todos ao mesmo tempo, aproveitando ciclos de maior ausência de predadores, de temperaturas favoráveis à eclosão dos óvulos, etc.
Esta conjugação de “vontades de reproduzir” é consequência de uma alteração no número de horas de luz, ou se quiserem, por uma alteração da proporção entre o número de horas de luz diurna e número de horas de escuridão absoluta.
Porque o assunto é interessante, vamos ver isto mais em detalhe.
Um dos meus jigs preferidos para pescar de Inverno, um Little Jack de 40 gr. Este tem os caninos de um pargo marcados... |
Todos os dias, e considerando as 24 horas de um dia de calendário, temos algumas horas de claridade, e algumas horas de breu nocturno. Não é algo fixo, e no espaço de um mês, podemos chegar a ter uma variação de cerca de 30 minutos.
Porque há uma evolução sucessiva dos horários de luz, nenhum dia é exactamente igual ao anterior. Isso decorre do movimento de translação da Terra, a qual, ao girar em torno do sol, origina as estações do ano.
Como bem sabemos, porque mesmo gradual o sentimos todos os dias, para um mesmo local há uma evolução gradativa do número de horas de luz. Para menos, no Inverno, ou para mais, na Primavera.
Todos nós já ouvimos dizer “os dias já estão maiores”….ou o inverso, se considerarmos o período do ano que agora atravessamos.
Esta sequência de luz e escuro é também, dependendo do ponto do globo em que nos encontramos, modificada de forma natural, pois a diferentes latitudes e longitudes correspondem diferentes momentos de início do dia e da noite.
Quando consideramos apenas o nosso local de pesca habitual, aquele onde pescamos com regularidade, sabemos que a dada altura às 6h da manhã já é dia claro e passados alguns meses às 7 horas da manhã ainda será noite. Algo mudou.
Tentamos de forma artificial compensar estas alterações, modificando a hora de relógio, atrasando ou adiantando uma hora, tentando dessa forma estar mais próximos de uma uniformidade que na natureza não existe.
Na verdade, os nossos peixes não querem saber dos nossos esforços, e regulam-se sempre de acordo com o fotoperíodo natural. Que é progressivo, e determinado pelas estações do ano.
Isso modifica de forma inevitável o momento em que alguns peixes essencialmente diurnos começam a sua tarefa diária de se alimentarem. Neste caso, serão os estímulos ambientais, de quantidade de luz, a determinarem os ritmos biológicos dos nossos peixes.
Para aqueles que acharem isto estranho, nada como ter um aquário em casa. Aí, numa sala isolada do exterior, é possível modificar de forma artificial estes fotoperíodos, e no fim vamos verificar que os peixes de actividade diurna acabam sempre por seguir os tempos de luz que lhes propomos. Podemos mesmo interferir com a sua reprodução, o tempo de alimentação, etc. De forma controlada, é-nos possível decidir através da manipulação da duração do dia e noite, ou seja, períodos de luz artificial longos a fazer de dias longos, e consequentemente noites mais curtas, a forma como irão cumprir as suas tarefas diárias.
Quem sabe disto a sério são os criadores de peixes, as empresas de aquacultura. Eles sabem bem como acelerar a reprodução ou o aumento do período alimentar, pois para estas unidades, o crescimento rápido dos peixes é a forma, a única forma, de os preparar mais depressa para a venda.
O processo alimentar não escolhe peixes costeiros, bentónicos ou pelágicos. Passa por todos, todos têm fome. |
A quantidade de luz disponível ao longo do dia promove outros ajustamentos no ritmo biológico dos nossos peixes, e, por exemplo, para algumas espécies, retarda ou acelera a sua reprodução, o seu crescimento mais ou menos rápido, etc.
É precisamente a exposição a um diferente fotoperíodo o click que as leva a desencadear um processo de secreção hormonal na corrente sanguínea, o qual induz os órgãos reprodutivos, as gónadas, a actuarem nesse momento.
Isso afecta a nossa pesca, pois altera a sua predisposição para atacar os nossos iscos ou amostras. Crescimento pressupõe alimentação reforçada.
Isso implica um prolongamento do ciclo de alimentação.
Também a reprodução é um ciclo muito exigente do ponto de vista fisiológico e por isso mesmo os peixes, quando entram nesse processo aumentam exponencialmente a sua actividade alimentar. Comem mais e por mais tempo.
Tal facto leva-os a migrar para locais onde essa disponibilidade de alimento existe. Entendam este processo desta forma: locais onde aparentemente não seria possível capturar peixes como as douradas, porque elas nunca estão lá, passam a estar repletos delas!
Podemos sentir isso quando de repente, do nada, as douradas aparecem nas pedras e dão sinal de vida. Não estão a fazer nada mais que a povoar pedras que estiveram a criar esse tipo de alimento durante meses.
Esses microrganismos estiveram em paz, em sossego, durante muito tempo. E aqui podemos achar estranho que outros peixes não tivessem aproveitado a dádiva de haver alimento disponível.
Pois bem, os dentes das douradas são eficazes onde muitos outros o não são… esmagar conchas ou caranguejos não é algo acessível a uma faneca...
Vamos continuar a investigar alguns dados relativos a este assunto no próximo número.
Vítor Ganchinho
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Olá Vítor
ResponderEliminarApenas uma questão por curiosidade, não é que eu pesque fundo, aliás pesco pouco e atualmente não pesco nada.
O Fotoperíodo também se aplica aos peixes de fundo, 80 metros por exemplo, influencia o ciclo de alimentação? Ou por não haver praticamente luz os ciclos são diferentes e só são influenciados pelas marés.
Sabendo que não há peixes obsesos ou com disturbios alimentares que estão sempre a comer como algumas pessoas :) :)
Abraço
Toze