A SALINIDADE E O POSICIONAMENTO DO ROBALO NOS ESTUÁRIOS CAP II

O troço intermédio de estuário que temos estado a analisar, aquela “terra de ninguém” situada entre o mar aberto e o interior do rio, de águas mistas, tem por definição pouca profundidade.
Se a questão “baixa profundidade” pode, pela maior facilidade que os pescadores profissionais têm de cercar a zona com redes, atentar contra a necessária segurança do robalo, devemos no entanto atender a um outro detalhe não menos perigoso: em zonas limite, e falamos de baixios, o défice de oxigenação do meio líquido pode conduzir os peixes a problemas de respiração. E porque é que isso acontece?
Por razões que se prendem com a baixa profundidade, a água aquece muito. Esses locais atingem facilmente temperaturas demasiado elevadas, na ordem dos 35ºC.

Estas águas, em períodos de estio e sob um sol escaldante, aquecem demasiado e estão por isso sujeitas a um estado de evaporação contínuo, permanente.
E porque é água pura aquilo que evapora, e não o seu conteúdo em sal, isso aumenta a concentração de sais da água onde evolui o nosso robalo. É esse o princípio de funcionamento das salinas, certo?
Se o peixe está num esteiro demasiado baixo, ou numa lagoa interior sazonal, então estará francamente mais exposto a problemas de excesso de salinidade. Poderia um robalo sobreviver numa salina…pura? Em princípio não.
Isso coloca aos nossos robalos questões que se prendem com a sua capacidade física de suportar baixos índices de oxigénio.
Nestas condições, em termos fisiológicos as possibilidades de sobrevivência são remotas, a densidade de sal diluído é excessiva, e pior que tudo, a falta de oxigénio mata. Há que respirar, esse é um factor não negociável.
É sobretudo no Verão que esta questão se coloca com mais premência e vocês podem deduzir o porquê. Está tudo contra o nosso peixe: excessiva exposição a redes, água demasiado quente e oxigénio insuficiente que lhe permita respirar.
Sobram como espaços de segurança os troços de rio com mais profundidade, mais acessíveis às marés redentoras, ao seu cíclico aporte de oxigénio.
Em Setúbal, é fácil encontrar junto ao Hospital do Outão uma zona funda onde as nossas sondas marcam 43 metros. Essa é a entrada de peixe dentro do estuário. Também por aí entram milhões de litros de água salgada a cada maré, de resto com uma tremenda violência. As correntes formadas chegam a criar remoinhos potencialmente perigosos para as embarcações mais pequenas.

Há momentos do ano em que apenas conseguimos toques de robalos pela manhã bem cedo, ou ao final da tarde, ao crepúsculo. As águas muito expostas aos raios solares, logo mais quentes, e por isso muito menos oxigenadas, não ajudam à sobrevivência dos peixes e eles defendem-se, afundando e permanecendo inactivos.

Já aqui falámos também na questão da habituação do organismo do peixe a diferentes graus de salinidade. Relembro que a água salgada fica sempre num nível abaixo da água doce não diluída.
É notória a tendência para que os robalos se situem num plano mais acima ou mais abaixo da linha de superfície, conforme a sua presença no estuário seja mais ou menos recente. Ou seja, dando preferência à água à qual estão mais habituados. Dados de telemetria, de seguimento por via electrónica, indicam que os robalos mais adaptados ao elemento fluvial têm menos problemas em caçar mais acima que outros recém chegados.
Estes, preferem nitidamente a densidade de água a que estavam habituados, quando ainda em mar aberto.
Marcar robalos com tag`s permite acompanhar a sua evolução no interior do rio, e não deixa de ser assombroso aquilo que fazem.
O processo de habituação fisiológica é gradual, não imediato. Depende de inúmeros factores e alguns deles são-nos no mínimo estranhos. Um deles é a “guerra” entre as duas águas.
Em marés vivas, com entradas de mar muito fortes, a pressão da água salgada pode sobrepor-se à pressão constante, regular, da água doce que escoa do rio para o mar.
Entendam este processo como algo dinâmico, que muda a cada instante, pois também a cada momento teremos condições diferentes de tempos de maré, e consequentemente de valores nesta relação de forças entre a água que quer sair e a água que quer entrar.
Quem sabe disto a sério são os nossos robalos, que adoptam um posicionamento na coluna de água em função das suas conveniências. Isso dá-nos peixes que se posicionam a diferentes níveis, e leva-nos a pensar que podemos estar a pescar uma camada, mas não duas. Por isso mesmo pode acontecer estarmos a lançar uma amostra de superfície, um popper ou um passeante, quando os robalos afinal estão um pouco mais abaixo….
A zona boa para pescarmos com mais possibilidades de sucesso garantido é a faixa central de águas mistas, a fronteira para além da qual as espécies de peixes forragem de mar não passam.
Os cardumes de cavalas, sardinhas e carapaus juvenis têm um ponto limite que não ultrapassam, uma fronteira que esbarra no início de prevalência de água doce, e esse ponto, com variações de localização impostas pelo efeito das marés, é, em princípio, o local onde a concentração de robalos é superior.

Dentro do rio Sado joga-se um jogo de vida e morte, e os robalos saem normalmente a ganhar.

Temos a considerar um outro factor: a salinidade relativa dependerá em última instância do momento da maré, (como já vos disse aqui no blog, a velocidade de entrada de água não é uniforme ao longo das seis horas de enchente…), a qual é lenta no início, aumenta de velocidade entre a segunda e quinta horas e diminui a seguir na última hora de maré, a preia mar.
E para além disto, as marés também não são todas iguais. Utilizando termos dos nossos marinheiros mais antigos, há as “águas mortas” e as “águas vivas”, ou seja, marés com menor ou maior coeficiente, com mais ou menos amplitude de movimentação entre o topo máximo de entrada e o nível mínimo, depois da saída de águas. No estado inferior, é de admitir que a prevalência de salinidade seja menor, já que a água doce, dominante, tem força para empurrar a água salgada.
O processo inverte-se na enchente, com o mar a ganhar terreno, impondo a sua vontade de entrar.

Águas em mar aberto, mesmo sem ondulação formada, têm sempre taxas de oxigénio mais que suficientes para o bem estar dos seres vivos.

Este incrível peixe obriga-nos a ir aos limites. Pescamo-lo estoicamente quando o tempo está frio, com chuva e vento, quando as nossas mãos gelam.
Mas pescamo-lo também quando o calor nos aconselharia ficar à sombra. Vamos por ele de dia, mas também de noite. Sabemos que um dia sairá o “grande” e isso justifica tudo.
O nosso entusiasmo natural pela pesca, um desassossego incontrolável que não sabemos parar, levanta-nos da cama bem cedo, empurra-nos pelas costas na direcção do mar, para tentar de novo.
Este peixe não pára de nos surpreender e nós nunca deixaremos de tentar o “maior de todos”.
Um dia, alguém que porventura não o esperava, pescou o maior robalo do planeta. Um lançamento, minutos de sofrimento, um peixe. Recorde do mundo. 
Quem será a próxima pessoa a ir além do limite hoje conhecido?


Vítor Ganchinho


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