ROBALOS - O CHOQUE ENTRE ÁGUA DOCE E ÁGUA SALGADA CAP I

Eles aproximam-se de saídas de água doce, como as mulheres com dinheiro se aproximam das lojas de luxo. Entram decididos e prontos a fazer estragos.

O robalo é um peixe oportunista, e sabe bem que ao adentrar os cursos de água que desaguam no mar, está a deixar para trás grande parte da concorrência que lhe podia retirar oportunidades de alimentação. A maior parte dos peixes de mar não ousa, porque não pode, segui-lo.
Sendo fisiologicamente muito pouco sensível a questões de salinidade, o robalo já tem de série uma tremenda vantagem quando se trata de garantir exclusividade de territórios de caça.
Se seguirem o rasto de um destes peixes, vão verificar que no início é o mar, a água salgada, os lírios, as anchovas, os atuns sarrajões, etc. A dada altura, já dentro do estuário, são os robalos e as savelhas.
A seguir, um pouco mais rio acima, só os robalos. E por fim, em água doce pura, os robalos e os achigãs.
Chegam a cúmulos de estar em riachos com meia dúzia de metros de largura, ou em lagoas interiores com poucos centímetros de altura de água, onde são reis e senhores de tudo o que se passa.
Tendo à sua disposição todo um manancial de presas pouco habituadas a ter de escapar a um predador tão eficaz e mortífero quanto é o Dicentrarchus Labrax, o que o pode impedir de nadar para montante?
Se é verdade que todos os peixes são forçados a lutar pela vida, também é verdade que para alguns, melhor equipados de armamento, a vida é um pouco mais fácil. É o caso.

O robalo, o eterno tema de tertúlias e discussões.

Analisamos hoje a capacidade que o nosso robalo tem de se insinuar em águas cada vez menos salinas, e a tendência que tem para aproveitar as benesses de não ter concorrência.
Sabemos, por ensaios de rastreio feitos por biólogos interessados no assunto, que os robalos podem passar longos períodos dentro dos rios, e subir até zonas de água doce …pura.
Após um curto tempo de adaptação, e que é feito com rápidas incursões a zonas de água mais salobra, com retorno a águas salgadas, eles avançam estuário acima, rio acima, e aí permanecem meses. Falamos de um peixe estranho, um ser que ousa enfrentar condições de mar revolto, batido, um peixe que vai à ressaca da onda, onde muitos outros não conseguem sequer conceber aproximar-se. E de repente, decide-se por incursões em águas calmas, paradas. Nada mais estranho.
Se há uma oposição, por diferentes graus de salinidade e inclusive de densidade líquida, entre o mar e o rio, também há uma zona que podemos chamar de terra de ninguém, aquele meio termo em que não é isto nem aquilo. Nunca esqueçam que as águas doces, sendo menos densas, flutuam sobre as águas salgadas, produzindo habitats mistos que permitem ao robalo escolher entre as duas. Não é raro que permaneçam no fundo, onde encontram as suas águas favoritas, mas ainda assim com acesso directo às benesses que águas doces, mais ligeiras e que por isso se situam num plano acima, podem trazer-lhes.
Há uma linha imaginária que separa ambas, e eles jogam com todos os ases do baralho no sentido de aproveitar ao máximo o potencial desta situação. São os fluxos e refluxos da maré, os responsáveis por lhe entregar o alimento de mão beijada. As marés jogam neste caso um papel muito importante, pois são elas que movimentam as enormes  massas de água.
De um lado a chegada de água doce, vinda das chuvadas, dos afluentes dos rios, do caudal natural do rio, e do outro a maré que força a entrada e impõe a sua presença num habitat que mais que tudo é um tremendo desafio para quem o enfrenta.
O robalo pode fazê-lo.


Há um detalhe que me parece oportuno abordar e que é este: a questão da mistura das águas nos esteiros.
Quando falamos em mistura das águas normalmente pensamos que são os ventos os grandes responsáveis por caldear a água doce sobre a água salgada.
À primeira vista, umas boas rajadas de vento seriam suficientes. Poderíamos pensar que isso bastaria, mas não, pode não chegar.
No caso de haver formação de vagas curtas, que agitem apenas os primeiros centímetros de líquido, isso pode não ser suficiente. Na verdade, são vários os elementos que, conjugados, participam no processo para que essa mistura de águas exista. Entre eles, os ventos, sim, mas sobretudo as marés e muito especialmente aquelas de maior coeficiente, as que obrigam à deslocação de maiores massas de líquido. Vazantes e enchentes muito fortes podem ser decisivas num processo que, de outra forma, pode levar muito tempo.
Tenho um amigo (que gosta de discutir detalhes deste tipo comigo), e que insiste que prioritariamente serão os ventos os responsáveis pelo processo.
Não concordo e explico porquê: no caso de uma porção de água doce significativa, a altura das vagas formadas interiormente dentro do estuário, os ditos "carneirinhos", pode apenas tocar a camada superior destas águas salobras, sem nunca chegar à faixa de água salgada.
Dependerá sempre da violência dos ventos e da quantidade de água doce a considerar. Sabendo que num rio esta é prevalecente, pode acontecer que a água salgada fique bem por baixo, e não chegue nunca a ser tocada pela agitação que acontece acima.
Acontece que a salinidade vai diminuindo à medida que subimos no rio, o que quer dizer que os valores em confronto serão cada vez mais favoráveis à água doce, quanto mais acima forem feitas as medições.
Um bom assunto para reflectir.

No próximo número vamos avançar neste tema, analisando de que forma a marcação de robalos capturados nos pode ajudar a entender o seu comportamento face às águas disponíveis.


Vítor Ganchinho


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