Hoje o Peixe Pelo Beicinho faz 4 anos de existência.
São já mais de 1000 as publicações sobre este inesgotável tema, a pesca… Para agradecer a sua fidelidade enquanto leitor(a) assíduo(a), queremos presenteá-lo(a) com um artigo muito especial, sobre alguém também muito especial. Esperamos que goste.
Para quem faz pesca com iscos orgânicos, admito que este nome não diga nada. Não pesca chocos, não pesca ao fundo com lingueirão, logo por que razão haveria de ser conhecido?!
Já quanto a pessoas que utilizam artificiais, e sobretudo quem pratica jigging será difícil que nunca tenham ouvido falar nesta pessoa.
No entanto, para quem faz slow-jigging, pode até acontecer que 100 em 100 tenham mesmo lido e observado vídeos do criador desta variante de pesca jigging.
E quem é Norihiro Satoh sensei ? Quem é o pai do slow-jigging?
O blog peixepelobeicinho foi ter com ele ao Japão e tratou de obter respostas. Porque uma individualidade desta envergadura não fica a conhecer-se em minutos, vamos hoje iniciar um ciclo de artigos dedicados a quem pode neste momento ser o mais conhecido pescador de artificiais do mundo.
Meus amigos, o senhor Satoh, ou sensei Satoh, ao vivo, na primeira pessoa.
Norihro Satoh sensei, e a sua amável esposa, a simpática Shoko Satoh, a jantar com duas das pessoas que fazem este blog. |
Começou a pescar aos 3 anos, e fez jigging pela primeira vez com 18. Foi com o pai, pela sua mão, que começou esta estranha e maravilhosa aventura da pesca.
A técnica em si, enquanto forma de conseguir alimento já existia há muito. Jigging no Japão faz-se há muito mais de 200 anos.
Começou por ser apenas uma prática exclusiva para profissionais, feita para conseguir peixe fresco para venda. Em bom rigor já se fazia nos tempos dos samurais, mas aí ainda não existia a pesca de lazer, para divertimento, isso só chega muito mais tarde.
O senhor Norihiro Satoh pegou nesse estilo de pesca e depressa percebeu que não tinha os equipamentos necessários. A sua inteligência natural e sagacidade fizeram o resto: depois de muitos falhanços e desilusões, entendeu que lhe faltava algo mais. Porque vive num país de fabricantes de acessórios de pesca, teve a oportunidade de os desafiar a produzir o que queria.
A cana de carbono com 35% de fibra de vidro e 65% de carbono foi pois a sua primeira criação.
Trata-se de alguém que sempre evitou seguir aquilo em que as pessoas acreditavam cegamente. Nunca fez a pesca que era “suposto” ser feita, nem utilizou os equipamentos que via à venda, porque sempre sentiu dentro dele que aquilo não lhe chegava. Queria mais.
Ao duvidar de tudo, abriu novos horizontes para si e para todos os outros. Assim os pescadores portugueses fossem capazes de acreditar que há mais mundo nas nossas águas, mais formas de pescar que o velho e estafado “pica-pica” e a pesca ao choco.
No caso deste japonês, aquilo que fez foi desenvolver algo simples e aparentemente evidente, o slow-jigging, mas que, como todas as grandes invenções deste mundo, só o foi depois dele o mostrar.
Leu o mar, entendeu-o, e percebeu que a resposta não estava naquilo que já sabia fazer, nos equipamentos que tinha, mas sim no mar e nas reacções dos peixes.
Daí, partiu para a invenção de canas, carretos, linhas, jigs, e hoje tem o circulo quase fechado, com inúmeros acessórios extremamente úteis.
Como ele me disse: “o teu equipamento de pesca define-te enquanto pescador. Mostra-me o teu material de pesca e eu digo-te o tipo de peixe que pescas”.
Horas de conversa boa, que soube a pouco.
A sua esposa confessou não ser ela, mas sim Satoh sensei quem cozinha lá em casa.
Contou-me de como faz o seu Ikejime a bordo, como prepara o peixe e o deixa ganhar um paladar umami, durante 7 dias no frigorífico. Cortado em finas fatias, deixa-o repousar entre folhas de papel absorvente, sendo comido como sashimi. Segredos de pescador que tem matéria prima em doses ilimitadas.
Com quase 70 anos de idade, a quantidade de vezes que sai ao mar é agora mais reduzida. Também o trabalho de investigação que faz para as marcas acaba por lhe roubar alguns dias de pesca.
Em boa verdade, ele não quer ter contrato com marca nenhuma, mas confessa que não pode viver sem isso, precisa de comer, e assim sendo, aceitou ser o mentor de algumas que vocês conhecem, como a Evergreen, a Sunline, ou a Pike, por exemplo. Também faz trabalhos para a Shimano.
Diz-me que preferia estar solto, poder decidir por si, não sentir a pressão de quem lhe pede para tomar decisões próprias baseadas em critérios puramente comerciais, leia-se interesses de outros.
Quer continuar a fazer melhoramentos que começaram com os mestres dele, os velhos anciãos que já faziam jigging há um século atrás e está firmemente convicto de que ainda não se assistiu ao ponto final da evolução da sua técnica de criação, o slow-jigging.
A técnica vai evoluir, ele sabe disso e sente que apenas começou o trabalho.
Já o melhorou, já o trouxe até um patamar aceitável, ao longo dos anos já o fez progredir nalguns aspectos, mas ainda não está bem, ele sabe que ainda vai haver rios de alterações.
O futuro sorri a quem faz jigging, pois mestre Satoh continua interessado em empurrar os limites da pesca um pouco mais além que aquilo que conhecemos hoje.
Faz os seus próprios assistes. Isso nada tem de estranho, eu próprio faço os meus assistes, tendo como base ensinamentos transmitidos pelo meu amigo Luís Ramos.
Foi ele quem me ensinou a fazê-los e a ele devo muitas horas de paz de espírito, sossego e prazer, passadas no espaço a que chamo “minha casa da pesca”, em casa. Como pode ser divertido produzir o material com que pescamos!
Faço os meus assistes de forma diferente, com as alterações que entendo serem as mais convenientes para o tipo de pesca que pratico. Ajusto-os aos peixes que tenho.
Reconheço que o Luís é bem mais metódico que eu, ou não fosse um profissional cujo salário depende da qualidade do seu desempenho na pesca. Eu introduzi as nuances que me pareceram bem, no sentido de facilitar a “produção”. Quando pesco com assistes oferecidos pelo Luís, estou a fazê-lo com um produto acabado, perfeito. Quando pesco com os meus, o risco de falha sobe, (estou sempre à espera que algo corra mal embora nunca tenha acontecido), mas assumo isso, esse é o preço a pagar pelo meu amadorismo. Sinto-me verdadeiramente feliz quando consigo um peixe bom com algo produzido por mim, algo que saiu das minhas mãos.
Quando a GO Fishing Portugal importa componentes do Japão, os anzóis para assiste da Vanfook ou Suteki, as linhas PE para assistes, as argolas sólidas, etc, mais não está a fazer que dar a todos a oportunidade de criarem o seu próprio estilo.
Mas o senhor Satoh é diferente de mim e até do Luís Ramos: ele também faz os seus assistes no mar….em ação de pesca! Leva as linhas, os anzóis e produz assistes em segundos, utilizando como ferramenta apenas a amura de madeira do barco. Ou um pequeno acessório que instalou na sua caixa de pesca. É aí que estica as linhas.
Mais ainda: ele faz os assistes em função daquilo que sente que precisa nesse momento! Da coleção de assistes que leva feitos de casa, pode não escolher nenhum e optar por produzir um que lhe pareça mais adequado ao que o peixe está a pedir naquele momento.
Ninguém faz isso em Portugal.
Tem 67 anos de idade e um currículo que fala por si. Ao perguntar-lhe se teria alguma noção da quantidade de vidas que o seu saber e conhecimento técnico sobre pesca já teria mudado em todo o mundo, encolheu os ombros num acto de evidente e excessiva modéstia.
E respondeu-me: “Vitor, os homens que me ensinaram foram muitos. Cada pessoa que me faz uma pergunta e me obriga a pensar “fora da caixa” é um mestre que tenho”.
A Evergreen vai lançar em Maio deste ano uma linha de jigs desenvolvida por mestre Satoh. Nessa altura a GO Fishing terá estes jigs em stock. |
Durante horas os seus dedos inventaram figuras, os meus olhos cresceram de tamanho e aprendi com um verdadeiro mestre os segredos da pesca slow-jigging. Por quem sabe, por quem “inventou “ aquilo que milhares de pessoas estarão a fazer neste preciso momento.
Agradeci da única forma que me ocorreu, colocando perguntas técnicas o mais difíceis possível.
Tentei apertar com ele! O meu cérebro trabalhava a mil, tentando entender as razões dele, as explicações que me eram apresentadas. É muito duro e tremendamente desgastante tentar estar intelectualmente ao mesmo nível de mestre Satoh sensei. Também não deve ser fácil suportar a sede de informação que eu tenho enquanto aluno. E ele aguentou-a e senti-o divertido, confortável.
Estava visivelmente a desfrutar do desafio de responder aos intrincados labirintos técnicos por onde o tentei levar. Vibrava a cada segundo de esforço mental da minha parte. E vi claramente visto um certo brilho nos seus olhos, sentia-se feliz por me ver a crescer em conhecimento. O mestre rejubilava com o aprendiz. E respondia a cada estímulo meu com mais dados, mais sabedoria.
Como uma cebola que larga mais e mais camadas de pele, da sua boca saía uma torrente contínua de informação. A dada altura percebi-o entusiasmado pela luta que eu lhe estava a dar e senti que estávamos a fechar o círculo: o mestre explica até onde o aluno consegue ir, até onde aguenta receber mais saber. Tudo estava perfeito, duas pessoas em perfeita comunhão de espírito, cada uma na sua função, duas almas felizes. Porque cérebros como os de Norihiro Satoh sensei alimentam-se das dúvidas, das questões, dos problemas colocados pelos outros.
Diante de mim tinha um monstro de conhecimentos cujos olhos profundos e sábios me observavam, me mediam, para no fim me julgarem, ou não, merecedor de ainda mais ensinamento.
E o convite para o visitar em sua casa aconteceu.
Para mim, foi o mesmo que receber um convite de Joe Biden para ir ter a casa dele e ficar a saber “um pouco mais” do mundo. Do outro mundo, aquele que nós simples humanos não conhecemos.
A resposta só podia ser sim, e combinámos esse encontro para daí a dois dias.
Vão ver como foi, Satoh sensei na privacidade do atelier de sua casa, …aqui no blog.
Vítor Ganchinho
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Muitos parabéns "Peixe pelo beicinho"
ResponderEliminarObrigado! Os parabéns são para quem os merece e por isso são vossos.
EliminarNão será fácil aguentar quatro anos a ler sobre pesca.
Vamos ter muito mais coisas a dizer, e os próximos números serão um bom exemplo disso.
Para já, o Japão.
E logo a seguir, incríveis pescas feitas em Angola, ao lado do grande Luis Ramos.
Vamos arrasar de assuntos interessantes nos próximos meses!
Obrigado por estarem aí desse lado.
Vitor
OBRIGADO!
ResponderEliminarLuis, eu é que agradeço a vossa paciência, porque sempre são 4 anos a estar desse lado nos bons e maus momentos.
EliminarA seguir ao Japão, vamos ter Angola, onde eu prometo incríveis histórias, passadas com o Luis Ramos.
Abraço!
VItor
Que maravilha! Este blog está num nível inacreditável. Até já se janta com o papa da pesca!
ResponderEliminarOi Pedro! Muito brevemente vamos ter aqui um artigo de LRF que foi feito a pensar no meu amigo.
EliminarMas primeiro o Japão....
Grande abraço
Vitor
Muitos parabéns por todo o trabalho e dedicação
ResponderEliminarOlá Helder !! Eu é que agradeço a vossa paciência.
EliminarEstou muito expectante com aquilo que vocês vão achar dos próximos artigos, quer os dedicados ao Japão, quer de Angola, que vem logo a seguir.
Fazemos isto com tanto gosto que por vezes sentimos alguma decepção por vir alguém não identificado a deitar abaixo.
Mas depois vem um comentário vosso, enrolado num abraço forte, e todos os dias maus passam.
Vai ver que os próximos artigos vão rebentar a escala!
ABraço
Vitor
Parabéns Vitor por todo o seu percurso.
ResponderEliminarEm relação a esta publicação, e em forma de desafio, qual foi a informação mais útil, ou mais interessante, que recebeu do "sensei Satoh", quer partilhar?
Forte abraço
Olá Paulo Fernandes
EliminarNós vamos ter de realizar um workshop em Almada para que eu possa mostrar algumas das coisas que o Satoh me passou.
Provavelmente será feito em menos de um mês, porque a seguir eu passo a ter os turistas para ir "passear" à pesca, e o tempo começa a ser pouco.
Mas se quer um detalhe precioso, aí vai: vou ensinar a afiar anzóis até ao ponto de ficarem autênticas agulhas, utilizando ....um papel.
Abraço
Vitor