Na verdade, não muito.
Poderão os mais distraídos pensar que robalo é robalo, não interessa a sua proveniência, o seu passado genético, porque no fim é apenas peixe.
Não concordo nem por sombras.
Aquilo que um robalo verdadeiro, lutador, legítimo, nascido e criado no mar, representa para nós que o pescamos à linha nada tem a ver com um insosso e amorfo peixe criado numa qualquer estação de aquacultura. Mais que tudo, porque lhe falta a alma selvagem de um robalo.
Por mais que seja embelezado, por mais que sobre ele incidam as luzes dos projectores das bancas de venda, um peixe criado em cativeiro nunca será igual a um peixe que lutou pela sua vida e continua a fazê-lo com coragem, quando o pescamos.
Nunca será igual. A um ser que nasceu num tanque, com uma infância programada, controlada, alimentado a ração e vacinado contra doenças, faltar-lhe-á sempre… brilho e alma.
As luzes fazem reluzir as escamas, mas quem pesca robalos sabe que estas “lantejoulas” não são verdadeiras. Estes peixes são apenas…um producto. |
A um robalo criado em cativeiro faltará sempre o carácter próprio de um peixe emblemático, arisco, com personalidade própria, e que nos faz levantar da cama bem cedo, muito antes do nascer do dia.
É por um robalo selvagem que aceitamos enfrentar as piores condições, o frio, o vento, a chuva, as mãos geladas.
É ele, o robalo selvagem, o peixe que nos motiva a fazer verdadeiras loucuras na compra dos melhores materiais, das melhores canas, carretos, linhas e amostras.
Se alguém duvidar da importância extrema que a picada de um robalo pode ter na vida de uma pessoa é tentar trocar meia dúzia de palavras com todos aqueles que fazem a chegada da noite numa ponta de rocha, ou o raiar do dia numa praia ...”robaleira”. Não há tempo para falar, não há tempo para conversas, porque para os pescadores que tentam este peixe, todos os seus sentidos estão focados numa possível picada violenta, ao crepúsculo.
E se lhe falamos de robalos de aquacultura, …provavelmente o melhor que podemos obter será um murmúrio vago, um desinteressado encolher de ombros.
Nós sabemos que estes robalos não são…”sérios”. Isto nada tem a ver com pesca. |
Visitei um mercado de peixe em Barcelona.
A dada altura, a pessoa que apregoava os seus robalos como sendo de captura oceânica olhou para mim e a dada altura, na maior das imobilidades, sem dizermos uma única palavra, ambos entendemos que não valia a pena a tentativa de engano.
Não por um dos peixes ter uma pequena placa em plástico cravada a dizer: “esteiros de Lubimar”, mas porque era demasiado evidente que os peixes eram produzidos e não capturados. Quem pesca sabe entender o que é verdadeiro ou falso, da mesma forma que alguém que lapida diamantes o consegue perceber num relance.
O peixeiro, quando percebeu que eu não pretendia comprar os seus peixes, acedeu a confessar o “crime”. Dizia-me ele algo como isto: “vendo peixes há tantos anos que sei reconhecer quando um cliente acredita ou não na veracidade dos meus peixes. Fazes pesca ao robalo?”…
Respondi-lhe que sim, e que estava de passagem apenas para dar uma vista de olhos pelas espécies que estavam disponíveis aos catalães.
Um sorriso cúmplice deixou o assunto resolvido. Um cliente aproximava-se e esse sim, era a pessoa certa a enganar. E comprou.
Robalos e douradas terão sido os pioneiros da aquacultura, mas hoje em dia já se fazem muitas outras espécies. |
Os produtores de peixe apostam em espécies de alta rentabilidade como o pregado, sargo, corvina, linguado, etc. E muitas outras virão, não é impossível reproduzir peixes em cativeiro. Até as sardinhas estão na calha para isso.
Nos últimos dez anos, a aquacultura regista um crescimento exponencial, metade do peixe consumido por humanos já vem desse processo de produção.
Na União Europeia esse valor é mais residual, apenas 20% e concretamente em Portugal, a percentagem de peixe de aquacultura na alimentação da população é de 10%.
A aquacultura é um fim inevitável, dada a escassez de peixe no mar. Seria bom pelo menos que esse peixe fosse produzido em Portugal, nas nossas águas.
Não é. O peixe consumido é importado maioritariamente da Turquia e Grécia, o que não deixa de ser uma lástima, atendendo ao percurso feito e à evidente incapacidade de garantir frescura máxima.
Também é verdade que a produção de peixe necessita de alevins para criação. Em tempos, houve três maternidades nacionais, mas foram todas fechadas.
Os peixes pequenos, entre seis e dez gramas, são importados de Espanha e França. É pena que não consigam subsistir empresas nacionais a fazer a reprodução em tanques.
Existe sim uma empresa que fabrica rações, aproveitando o desperdício das lotas e da indústria conserveira. Pelo menos em termos de alimentação, os nossos peixes de aquacultura comem “restos” portugueses.
É todo um intrincado processo, em que a adição de antibióticos e vacinas não deixa de estar numa zona de penumbra.
Quando falamos de pesca ao robalo, e à dourada já agora, é bom que consigamos separar as águas, porque estamos a relacionar animais diferentes.
Uma coisa será o robalo produzido, o “producto”, e outra bem diferente será o robalo de mar, selvagem, combativo, manhoso, com as suas….”luas”.
O “nosso peixe” não responde a chamamentos de ração, distribuídos por tractores com dispensadores carregados de alimento que podem ser tudo o que o robalo de cultura precisa, mas não lhe fornecem a “garra” que devem ter.
Quando as redes das jaulas de aquacultura rebentam, o resultado é que os robalos fugidos para a natureza não sabem comportar-se, e muitos deles são capturados pelos pescadores em muito pouco tempo. Reagem à apresentação de comida.
Para quem lança linhas aos robalos, é bom saber que ainda temos alguns, e que eles estarão aí outra vez, em força, a partir do mês de Março.
É preparar as canas, lubrificar os carretos, e substituir os triplos das amostras!
Vítor Ganchinho
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