ROBALOS - SENHORES DE UM MUNDO SÓ SEU

O robalo e sempre o robalo.
Esse incrível peixe que nos obriga a cada instante a ser melhores, a saber mais e mais sobre a sua fisiologia, hábitos de vida e estratégias de caça. Saber mais é …pescar mais.
Visitámos nos últimos artigos aspectos relacionados com a questão da mistura de águas nos estuários, e a forma como a sua salinidade afecta o seu comportamento.
Com algum detalhe, foram abordados aspectos que se prendem com o posicionamento vertical dos robalos na coluna de água, a localização num sector preciso do rio, e as razões que os obrigam a fazer assim.
Hoje, parece-me oportuna uma aproximação a um tema que pode ter ficado menos claro nos trabalhos anteriores: falta-nos saber a razão pela qual os robalos não entram decididos rio acima, e se tornam no peixe de água doce que, em termos fisiológicos, poderiam perfeitamente ser.
Sabemos que se trata de um bem sucedido peixe de mar, de águas bem salgadas, sabemos que pode entrar nos estuários, e até sabemos que pontualmente são encontrados robalos de bom porte a mais de 50 km da foz dos rios.
Eles podem estar em todo o lado, se assim o desejarem. Mas podem eles assumir uma permanência firme e decidida em água doce? E se podem, porque não o fazem?

Um robalo de 8,8 kgs, capturado por Alain Bodart ao spinning, com a medida total de 89 cm. Um colosso!

Pois sim, estamos na presença de um peixe oportunista, que vive entre dois mundos, concretamente a água salgada marinha e a água doce pura. No intervalo compreendido entre estas duas realidades distintas, há todo um espaço que comporta uma infinidade de questões cuja resposta não pode ser tão extremada quanto um Não ou um Sim.
Se os robalos conseguem entrar rio acima, terão eles alimento suficiente à disposição? Têm os rios peixe miúdo, lagostins, rãs, e outros que bastem a quem tem um apetite incontrolável?
Terão saudades das suas sardinhas, cavalas e carapaus …”jaquinzinhos?”…
Na verdade, assim que adentra o estuário, o robalo entra num mundo de mistura de águas que desencoraja de segui-lo muitos dos potenciais concorrentes por alimentos. E isso é uma tremenda vantagem.
Peixes predadores mas não eurialinos, ou seja, sem capacidade de tolerância a diferenças de salinidade, ficam para trás. Se podem fazer concorrência ao robalo em mar aberto, os pargos, os atuns sarrajões, as sardas, os lírios, os meros, os atuns, etc, todos esses ficam para trás. Todos são incapazes de fazer aquilo que para o robalo é um “passeio de rio”.


Se há rios com fortes possibilidades de fornecer alimento em abundância, nomeadamente com bastantes locais de procriação de alevins, outros serão menos produtivos, e isso deixa alguma apreensão a quem pode competir por alimento mesmo que em zonas de ressaca de ondas, de mar formado, sem qualquer dificuldade. Cá fora, o robalo não se sente diminuído por ser quem é.
Podem ver um robalo a caçar em vagas altas, na espuma, na rebentação da onda, mas dificilmente poderão assistir a isso no caso de se tratar de um pargo. Mas o desgaste energético de caçar na ressaca da onda não é comparável ao comodismo de abrir a boca e ter peixe dentro, algo que fazem facilmente no estuário.
Assim, o conjunto de razões que levam os robalos a entrar na foz de um rio não poderão nunca estar demasiado longe desta ideia simples: entram porque aí encontram menos concorrência e ao mesmo tempo uma enorme concentração de peixe miúdo, de caranguejos, de camarões, até de pequenas enguias e ….safios minúsculos, com meia dúzia de centímetros, os quais adoram.
É uma mera questão de conveniência. Os estuários sim, porque são mais proveitosos. Os estuários sim porque permitem obtenção de alimento fácil.
Concretamente falamos de um espaço muito preciso onde os robalos encontram um acumulado de vantagens máximas. Não é fora, porque dividem alimento com muitos, não é demasiado dentro, porque perdem o contacto com inúmeras oportunidades de estar no meio dos...”inocentes”. Mais que isso, …com o “frigorifico cheio”, repleto, só por sua conta.
Os “outros”, os que poderiam fazer-lhe frente, ficaram fora e abrem alas para quem pode permanecer num mundo diferente, de muitas oportunidades, com muitas possibilidades de capturas fáceis, pouco trabalhosas.
Também para nós pescadores o facto de haver muita comida “à descrição” pode ser um inconveniente pois isso quer dizer que não teremos muito tempo para o pescar, ou pelo menos teremos muito menos que em águas abertas, em mar. A razão?
É simples: porque os robalos podem conseguir alimento quando querem, os seus ciclos alimentares são curtos, …demasiado curtos. Podem durar minutos, durante todo um dia. 


Tudo isto se joga entre troços do rio. Temos a zona interior, o rio puro, temos o estuário e a seguir a foz e por fim o mar. Há uma zona intermédia que é a boa. É aí que devemos pescar, porque é aí que quase tudo se passa. 
E aí, estamos no limiar das possibilidades e conveniências de muitos tipos de peixes, e das suas presas: sabemos que fora do estuário todos batem nos peixes pequenos. Todos sem excepção os perseguem e matam sem restrições. Já dentro do rio há a considerar o factor salinidade,  limitante para aqueles que não estão adaptados a esse tipo de habitat. Esse factor não deixa entrar demasiado o peixe miúdo de mar, não lhes permite fugir de vez do martírio que é ser perseguido a cada instante. E esse é o dilema da comedia, do peixe forragem. 
Por mais que queiram, não podem entrar mais dentro do rio, mas permanecer fora, em mar aberto, acarreta riscos enormes. Por isso mesmo, os cardumes de alevins procuram a sua segurança em águas intermédias, e preferencialmente mais superficiais, mais longe dos fundos onde todos podem chegar-lhes. Não será fácil viver ali. 
De uma ou outra forma, os peixes juvenis são “empurrados” para dentro por todos aqueles que os esperam lá fora, em mar aberto, de dentes afiados e goelas abertas. E dentro, os robalos esperam-nos. 
É neste meio termo, nesta zona de indefinição que se joga diariamente o estranho jogo da vida e da morte, que se entra e sai de zona em função da entrada e saída da água das marés, da presença ou não de um nível certo de salinidade.
Todos querem entrar para comer ou escapar de ser comidos, mas no fundo, todos necessitam de garantir haver ou não condições ambientais para ali estarem. Todos? Todos não, o robalo pode reclamar para si um estatuto especial, de peixe que pode decidir se entra ou sai do estuário.
Ali, ele escolhe o que pôr na mesa para a refeição.



Penso ser de toda a conveniência encarar a presença de vida marinha num estuário, e concretamente de peixes predadores como o robalo, como algo que é absolutamente inevitável.
Há robalos no rio durante todo o ano, e em algumas alturas do ano, essa carga aumenta exponencialmente.
É deste jogo de entrada e saída de águas da maré, da saída regular de águas fluviais, ocasionalmente vindas da queda de chuva e da escorrência de riachos e ribeiros para o rio, que os nossos robalos vivem.
Eles estarão preferencialmente nas zonas limite de influência das marés, pois é aí que se concentram todos aqueles que vivem neste incrível habitat que é cada um dos estuários do nosso país. A mistura de águas, com os seus diferentes níveis de posicionamento, motiva a presença de todos os que tiram partido de grande quantidade de partículas em suspensão, uma quantidade enorme de fitoplâncton, e toda a cadeia alimentar que aí começa. Os peixes de pequeno porte alimentam-se aí, e por isso mesmo todos os outros são forçados a segui-los.
Para pescarmos com algum grau de certeza, teremos de saber identificar estas zonas limite, saber entender que a cada momento de maré elas mudam mais para baixo ou mais para cima, consoante a maré esteja a baixar ou a subir.
Se queremos pescar no rio, se queremos estar onde estão os peixes predadores, teremos forçosamente de estar onde se encontra a comida, os minúsculos peixes que fazem pequenos círculos concêntricos à superfície, quando as águas estão calmas.
Em Setúbal, e para aqueles que amam ficar na muralha do Clube Naval à espera dos barcos que chegam do largo, esses peixinhos podem estar debaixo dos seus pés.
Não é raro que entrem mesmo dentro da doca do clube milhares e milhares de juvenis de diversas espécies, com o “tamanho certo”, os 6 a 7 cm de comprimento, em corpos esguios, franzinos, mas decididos a querer crescer, a ser “gente”.
Tão decididos a crescer quanto os seus predadores estão decididos a não os deixar chegar a ser grandes.

Espero que tenham gostado deste trabalho.


Vítor Ganchinho


😀 A sua opinião conta! Clique abaixo se gostou (ou não) deste artigo e deixe o seu comentário.

Artigo Anterior Próximo Artigo

PUB

PUB

نموذج الاتصال