SATOH, O GÉNIO DO SLOW JIGGING

Como diz o grande Miguel Araújo: "Sofia diz que o mar é mais azul do que aquilo que se vê da janela".
Por vezes faz-nos bem sairmos do nosso pequeno mundo, abrirmos as asas e voarmos para onde nos podem ensinar mais que aquilo que sabemos. Ver outras coisas, outras cores.
Num dos últimos números do blog falei-vos do meu encontro com Satoh, o inventor do slow-jigging, do jantar que fiz com ele, e onde surgiu o convite para visitar a sua casa daí a dois dias.

Salivei ao pensar o que seria poder “trabalhar” um dia inteiro com ele, no seu atelier.
Receber o convite a ir ao seu espaço privado, ser recebido por si e sua mulher, Shoko Satoh de seu nome, era uma honra tremenda.
Senti que ganhei essa possibilidade na noite anterior, ao ter colocado questões difíceis, ao desafiar a sua imensa sabedoria, durante o jantar.
O mestre sentiu-se estimulado a dar mais de si, quis saber se o aluno tinha mais potencial a explorar. E eu tinha, e tenho, uma vontade insaciável, desmesurada, de aprender mais.
Aos 61 anos de idade, a minha sede de conhecimento mantém-se. Um dia irei passar aquilo que sei sob a forma de um livro.
Sei que ainda não estou pronto, ainda falta algo mais para que possa fazer sair esse livro de pesca.
Quando sair não será algo vulgar, algo que se lê e deita fora, garanto-vos. Será um resumo de quase sessenta anos de pesca intensiva, dedicada e que contará com algumas das pérolas que consegui recolher por esse mar fora.
Como esta sequência de informação que irei apresentar-vos aqui ao blog nos próximos números.

Este simpático japonês, com as suas ideias inovadoras, …mudou o mundo da pesca.

No dia seguinte, por razões profissionais, mestre Satoh sensei (sensei quer dizer senhor…um termo que deve constar cada vez que se pronuncia o nome próprio de alguém, um sinal de respeito), estaria na Feira de Osaka, a promover a marca Evergreen, a marca que lhe paga o salário e explora a sua imagem.
Trata-se da maior feira de pesca do Japão, o que quer dizer a maior feira do mundo. Milhares de pessoas acorrem ao certame na esperança de poderem ver com os seus olhos o mestre.
Algumas estarão perto dele, e as mais bafejadas pela sorte terão até a possibilidade de falar com ele. Senti-me um privilegiado quando ele me chamou a mim e ao Carlos para nos sentarmos a seu lado.
A aula ia começar.
Com a segurança de quem domina o tema na perfeição, pediu ao seu assistente que lhe trouxesse algumas canas e carretos.
A dada altura passou-me para as mãos um deles.
Sugeriu-me que rodasse a manivela de alguns Shimano Ocea. Para mim estavam bons, eu pescaria sem rebuço com eles.
Pediu-me para tentar perceber se haveria algumas “falhas”, alguns momentos menos bons ao avançar a manivela. No fundo estava a pedir-me que tentasse “sentir” o carreto e eu dei-lhe a minha opinião: sim, efectivamente havia um pequeno lapso de tempo em que a evolução da manivela não era completamente uniforme.
Não deixa de ser ingrato, um europeu, no Japão, a procurar defeitos em productos japoneses que são por si ímpares em qualidade.
Para colocarmos defeitos aos melhores carretos do mundo, quer os Shimano quer os Daiwa, devemos estar muito seguros daquilo que fazemos. Até porque é tentar encontrar um grão de areia a mais numa praia.
Não me senti confortável a enumerá-los. Respondi-lhe que para mim não havia qualquer problema em pescar com aquela máquina. E ele sorriu…

Aqui a “centralizar” o carreto Ocea, da Shimano.

Os seus dedos ágeis pegaram numa chave de fendas e começaram a apertar um a um os parafusos do carreto.
Girava a manivela, apertava, voltava a girar de novo, e apertava. A cada aperto pedia-me para tentar sentir com as pontas dos dedos se notava a vibração na linha tensa que beliscava com as unhas.
E eu comecei a entender o alcance daquilo que queria que eu sentisse. O carreto melhorava a olhos vistos. Mais apertos e mais evolução. Por fim, os seus olhos brilharam ao sentir que eu tinha entendido o seu propósito.
O carreto estava completamente diferente!! Muito mais fluido, mais leve, mais uniforme. Estava, agora sim, pronto para pescar.
Explico-vos o conceito: mestre Satoh sensei pesca slow-jigging a peixes difíceis. A sensibilidade necessária para poder ferrar esses peixes é tremenda. Toda a sua técnica de pesca se baseia em conseguir “escutar” aquilo que se passa do outro lado da linha, o mais pequeno toque no jig. Um carreto afinado, (e sobretudo afinado por ele, por Norihiro Satoh), é fundamental.
Confidenciou-me que a própria Shimano não tem explicação para aquilo que ele faz. Os engenheiros da marca, as dezenas de engenheiros da marca, não encontram explicação técnica para a diferença que faz um carreto afinado por Satoh sensei. Chamam-lhe “centralizar” o carreto, e não conseguem avançar mais. Admitem a diferença mas não conseguem explicar a sua razão.
A seguir, a prova de fogo: mestre Satoh sensei desapertou as fixações de um dos inúmeros carretos que estavam dentro de uma caixa e pediu-me para ser eu próprio a “centralizar” a máquina. E eu notei evolução.
E mais uma vez o círculo se fechou, o mestre deixou ver o que estava por baixo do pano.
Senti-me feliz pela prova de confiança. Dezenas de pessoas estavam a assistir e faziam um esforço para conseguir acompanhar aquilo que viam fazer diante dos seus olhos.
E a seguir, o meu grande amigo Carlos Campos fez o mesmo. Ambos reconhecemos que o carreto era “outro” depois daquela afinação.

Em meia dúzia de minutos, o carreto ficou outro. A Shimano não tem explicação técnica para este caso.

E eu continuei a cumprir um sonho, o de poder trocar ideias com o maior vulto do slow jigging mundial.
Como diz Miguel Araújo: "…lá vai Sofia atrás do mundo"...
Vou voltar no próximo número com mais …pesca.


Vítor Ganchinho


😀 A sua opinião conta! Clique abaixo se gostou (ou não) deste artigo e deixe o seu comentário.

5 Comentários

  1. Muito bom.
    Venha o próximo sff :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Na próxima terça-feira vamos ter mais.

      No fim desta sequência sobre o Japão vão ter uma revelação muito curiosa,....
      E vão gostar!

      Abraço
      Vitor

      Eliminar
  2. Parabéns pela descrição. É motivo de muito orgulho ser prendado por esse jig único, feito também por alguém que é unico. A quantidade de informação que recebeu desses contactos são anos de experiência que ganhou. Muito obrigado pela partilha.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Luis Borges, vai ver que no fim desta sequência de artigos vai valer a pena o tempo de leitura.
      E eu vou poder mostrar como ele faz uma série de coisas, porque vim documentado com filmes e fotos, para além de eu próprio ter executado de acordo com as directrizes dele.

      Há detalhes que são deliciosos, penso que será num dos próximos dois artigos que vou ensinar como ele afia os anzóis, com...papel.


      Grande abraço
      Vitor

      Eliminar
  3. Mais uma vez, obrigado pela partilha.

    ResponderEliminar
Artigo Anterior Próximo Artigo

PUB

PUB

نموذج الاتصال