Fui pescar a Angola com o Luís Ramos.
Não me perguntem porquê, mas isto soa-me um pouco como ”fui à escola do prof. Luís”. E pela segunda vez já que o ano passado tinha ficado “acordado” que eu voltaria, desta vez melhor equipado para aquilo que sabia ir encontrar: monstros.
Sim, eu queria aprender a puxar à superfície peixes do meu tamanho. Sim, eu queria medir forças com quem é mais forte que eu. Quando o nosso oponente nos bate facilmente em força bruta, o que podemos fazer é aplicar técnica, e para isso há que olhar para o Luís e ver como ele faz.
Quando aprecio a sua técnica individual de pesca e comparo com a minha, aquilo que sinto é que ainda tenho uma … ligeira margem de aperfeiçoamento.
Ele olha para mim um pouco como os pais que compram aos filhos de 12 anos sapatos para …15 anos. Dois números acima, com muita folga para crescer, um dedo entre o pé e o calcanhar, se é que me entendem.
Ao lado dele, persegue-nos uma angustiante sensação de “quase lá…mas ainda não…”.
É difícil explicar. É um pouco como pescar ao lado de alguém e sentir que essa pessoa nos está a colocar rodinhas de lado na nossa bicicleta, percebem?
Nós que somos pais zelosos, aplicamos umas preventivas braçadeiras insufláveis nos braços dos nossos miúdos e deixamo-los ir chapinhar para a piscina das crianças, com água pelos tornozelos. É isso que ele faz comigo. E, de resto, com todos os que pescam com ele.
Por mais que se lute, por melhor que seja o nosso desempenho, ele estará sempre e inevitavelmente um grau acima de todos nós.
Mas eu vou acreditar até ao fim que o posso bater, que posso ter um dia de sorte extrema e fazer melhor que ele. Desculpem eu ser tão competitivo. E parvo.
Magnífica garoupa de 41 kgs pescada por ele alguns dias após eu ter saído. |
Quando queremos aprender algo, devemos fazê-lo com quem é efectivamente bom a desempenhar essa tarefa. O princípio base é esse. Fiz isto toda a minha vida, sempre procurei perceber como fazem os melhores, e na pesca não poderia ser diferente.
Se queremos realmente saber mais, de pouco adianta olhar para aqueles que estão num patamar muito inferior ao nosso, porque com esses apenas podemos aprender a como…não fazer. São os bons que nos podem tornar melhores, se soubermos aprender com eles.
Ter a humildade de perguntar, saber ouvir, entender o que nos explicam e questionar os porquês é uma forma rápida de obter conhecimento.
A partir daí, podemos até criar variantes da técnica aprendida, dar-lhe um cunho pessoal, “ajeitar” o processo à realidade que vivemos, mas quanto a isso ninguém, nem mesmo a pessoa que ensina, irá levar a mal. Porque não?!
Trocarmos ideias e darmos a nossa opinião faz parte do processo e é altamente motivador para quem ensina. No fundo, ao colocarmos questões estamos a desafiar a pessoa para que conteste e explique as suas razões para concordar ou discordar.
Acontece-me isso quando visito o Luís Ramos.
Ele, na sua qualidade de um dos maiores especialistas mundiais em pesca grossa a jigging, com muitos anos de prática diária, intensiva, profissional, nunca me negou uma explicação.
Eu, especializado em pesca ligeira, LRF e Light Jigging, a vertente oposta do jigging, assumo a minha menor preparação quanto ao tipo de pesca profunda e pesada que ele faz. Não sei fazer o que ele sabe fazer bem. E quero saber mais e mais porque de pesca eu quero saber …tudo.
Jig da marca Deep Liner, em 220gr. Dias depois de eu partir, ele fez com ele a garoupa que podem ver na foto acima. |
Cabe-nos ser humildes, agradecer a quem se disponibiliza para nos mostrar o que sabe, e dar tudo para aprender. Estar muito atentos. Só assim poderemos justificar o tempo e o empenho das pessoas que nos querem ensinar.
Olhos bem abertos aos pormenores, mente aberta a novas sugestões de pesca, e um sentido e sincero “obrigado Luís”!
Mas algo que nos sai do fundo do coração. No fim, agradecermos tanto conhecimento, tanta sabedoria, é tudo aquilo que podemos e devemos fazer. E à pessoa que nos ensina, isso basta.
Fui passar uma semana com ele, porque quis saber mais sobre a sua actividade, a forma como faz, e as suas razões de fazer. Quando ele fala e nos transmite a sua experiência, está na verdade a prestar um serviço público a todos os que pescam. O que nos diz, a sua mensagem, deve ser algo que não deve ficar restrito a uma só pessoa, mas sim partilhado por todos aqueles que se interessam verdadeiramente pela pesca, por técnicas de pesca, por equipamentos e por peixes.
Porque falamos de alguém que, quanto mais não seja por razões profissionais, tem um capital de conhecimento muito acima do pescador comum. Nós podemos não pescar, mas ele não pode. Nós podemos não saber, mas ele não pode deixar de saber.
Quando ele diz que há um diferencial de poder e força evidente entre as garoupas de 30/ 35 e as de 40 kgs, é melhor acreditar que sim. Para ele esta faixa é a fronteira entre o “sim, …possível” e o “apenas possível para alguns”…
E 5 kgs de diferença não parecem ser muito.
O mesmo jig, desta vez a servir para uma corvina, modesta sim, mas que me deu uma boa luta. |
Não preciso de vos dizer que foi uma semana fantástica, mesmo que o tempo nem sempre tenha ajudado.
Nos dias anteriores uma tempestade fez-se sentir, e no próprio dia da nossa partida de Lisboa para Angola o Luís abortou a sua saída matinal de pesca no Lobito por estar a chover torrencialmente e haver trovoadas sobre o mar.
Uma trovoada em Angola é coisa séria, não convém ignorar. De repente tudo fica negro, os raios caem violentamente onde calha e sem aviso. E passa em minutos.
No fim fica apenas um cheiro intenso a enxofre no ar…
Para quem pesca com canas de carbono sólido, autênticos para-raios, nem chega a ser um ambiente de pesca duvidoso. Não convém que tenham dúvidas.
Para esta expedição de pesca optei por um conjunto de canas Daiwa de última geração, a Saltiga AGS 55-B2 TG e a versão acima, a B3, TG de corpo sólido, com ações de 120-200 e 150-260 gr respectivamente, cobrindo assim a gama de jigs que iria utilizar.
São canas muito elásticas, seguras, absolutamente inquebráveis, pese os seus leves 100 gramas de peso. Esse é um factor a ter em conta quando estamos num local em que é impossível recuperar de uma quebra. E em que os peixes são de grande tamanho e combatividade, logo propensos a estragar material.
A princípio tratei a cana de pesca com cuidado, com tempo, sem forçar, tentando sentir os seus pontos fortes e eventuais fragilidades. Como trata um médico que faz uma mamografia geral a uma paciente, à procura de alguns caroços.
Mas depressa percebi que não valia a pena, podia “apertar” com ela a sério porque os seus limites estavam muito para lá do mal que eu e os peixes lhe poderíamos fazer.
Não se vai para um destino exótico com material ligeiro e frágil. Ao menor descuido, estamos “agarrados”, e sem possibilidade de continuar a pescar.
Disponho de outras canas que poderiam ser boas opções, por exemplo uma Deep Liner Premium, ultra ligeira e nervosa, mas a qual seria incapaz de levar para Angola, dada sua fragilidade.
São canas para utilizar em ambientes controlados. Canas vibrantes, com alma, absolutamente espectaculares para pescar os nossos peixes europeus mas não podem passar daí. Boas para peixes de tamanhos reduzidos, nunca muito superiores a 4 ou 5 quilos, eventualmente algum na casa dos 20/ 25 kgs, no caso de algum mero mais atrevido. Mas as águas de Angola cobram muito por cada um dos seus peixes recorde, e o risco de quebra por distração existe, mais ainda para uma cana cujo peso não excede os 100 gramas.
Material leve, mas não tão leve no preço, cerca de 800 euros.
Essas canas “finas” e delicadas ficam em casa e saem a terreiro as canas em carbono sólido, não ocas por dentro.
Um dado é garantido e seria bom que todos entendessem isto: as canas apenas servem para trabalhar o jig, não para puxar o peixe até nós. Varas de 90 a 120 gramas de peso não podem levantar peixes de 50 kgs. Partem de imediato.
Não são as canas que levantam o peixe. Isso é feito pelos carretos e respectiva linha.
A cana, após a ferragem, apenas se mantém na vertical, rigorosamente a apontar para baixo, sem participar no esforço. Devemos mantê-la apenas com uma ligeira inclinação, para controle de linha.
Bem sei que isto vos parece estranho… mas estas são as regras do jogo.
Uma das canas Daiwa que levei, neste caso a versão mais leve. |
Quanto a jigs, levei uns quilos valentes de chumbo pintado….
A Deep Liner foi a marca mais utilizada, mas também os Konoha - Second Stage de 160 gramas deram boa conta de si, e pretendo voltar a apostar neles na próxima expedição.
Têm o peso certo, descem bem (e o quanto isso é importante quando queremos colocá-los rapidamente num peixe visível na sonda e que está 140 metros abaixo de nós….), e trabalham de forma espectacular.
Há versões simples, com tons de azul e espelhado, e versões glow, com brilho, para dias escuros. São mortíferos para pargos! A título informativo passo-vos alguns dos modelos utilizados:
Os meus assistes eram diferentes. Primeiro porque foram feitos por mim, e isso já é em si uma garantia de desgraça. Segundo porque as pontas eram de tal forma aguçadas que metiam medo. Para serem ainda mais letais já só mesmo adicionando algo que corresponde a uma antiga técnica dos povos bosquímanos: besuntar as afiadas pontas dos anzóis com veneno curare. Não há peixe que resista a tanta tecnologia.
A minha aposta foi em material da marca Suteki, anzóis e cordas PE, estas de 120 e 150 libras, e pontualmente alguns anzóis e mesmo assistes já feitos, da Van Fook, também eles de qualidade irrepreensível e ultra testados pelo Luís no seu território de pesca. Não tive problemas com anzóis.
Os anzóis Suteki deram boa conta de si, não abriram mesmo quando sujeitos a cargas ultra-pesadas. Cordas curtas, 1 a 2 cm, para zonas de pargos, porque mordem, e cordas longas de 3 a 4 cm para quem tem bocas grandes, as garoupas, que aspiram. |
Vamos nos próximos números ver alguns dos peixes que surgiram nesta digressão.
Preparem-se porque vêm aí….monstros!
Vítor Ganchinho
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