PESCAR COM PASSEANTES

Bem sei que estamos num país de extremos, em que as pessoas que pescam estão muito segmentadas por fileiras, muito compartimentadas num só estilo de pesca.
Aquilo que é normal é que quem pesca vertical ao pica-pica só faça isso. Ou que quem faz spinning apenas se interesse por robalos.
Há os indefectíveis da pesca nocturna e a esses não lhes falem em mais nada que surf-casting. Recentemente surgiu uma outra onda, a dos que só pescam chocos.
Valha-nos Deus, como pode ser: há pessoas que só pescam chocos!
Temos ainda aqueles que só admitem ir ao mar se for para fazer jigging. E não podemos esquecer os que pescam das falésias aos sargos, os que só pescam à chumbadinha, os que não sabem pescar sem uma boia de pião.


Não deixa de ser monocórdico que se saia ao mar para fazer sempre o mesmo tipo de peixe, nos mesmos sítios, a mesma técnica, e isto durante dezenas de anos.
Não deixa de ser monocromático que se pesque apenas a uma só cor. É aceitar ver o mundo a preto e branco quando provavelmente ele será bem mais agradável se visto a cores.
Eu tenho amigos que pescam há 40 anos e nunca pescaram um robalo. Um simples robalo...

Aqui utilizei um jig da marca Galápagos, em 40 gr, uma perfeita imitação de uma pequena boga.

É pena que se pratique apenas uma modalidade porque ter um leque de interesses tão fechado não permite desfrutar da pesca na sua plenitude, não permite aproveitar aquilo que cada estação do ano traz de novo.
E neste momento estamos precisamente a passar por um excelente momento de variar a nossa rotina anual. A primavera traz consigo uma renovada esperança de mais e melhores pescas.
O posicionamento do peixe mudou, para trás ficam os grandes fundos e a procura de alguma clemência das temperaturas de água. À medida que as águas aquecem, os peixes retornam aos seus postos de caça habituais, as zonas de fundos rasos onde se esconde a comedia. O movimento dos predadores é sempre consequência do movimento das presas.
Tenho vindo a reparar na chegada de enormes cardumes de cavala, e necessariamente atrás dela virá tudo aquilo que se alimenta de cavala. Tenho visto de tudo: tintureiras, espadartes, tubarões mako, e provavelmente à data de publicação já por cá estarão os atuns e as inevitáveis orcas que os seguem de perto. Já as vi este ano, em finais de Abril, a sul de Sines. Estão todos pela comedia que chega com as águas mais quentes.
Os carapaus miúdos estão em força nos baixios, a sardinha antecipou em algumas semanas aquilo que é normal acontecer, a chegada à costa. A sua presença faz-se notar nas sondas em locais onde se adivinham as emboscadas dos robalos.
É tempo para spinning, e para isso, a minha sugestão é de que se aproveite bem o tempo calmo para se lançarem….passeantes.
Aqui uma incrível amostra, a APIA ARGO 105 cor #04, algo com que já fiz algumas dezenas de robalos. Também a Shimano tem modelos mais pequenos, muito interessantes para quem pesca ligeiro. À venda na GO Fishing Portugal.

Falo-vos um pouco deste tipo de amostra: trata-se de um “lápis” relativamente ligeiro, pouco peso total e anormalmente balanceado para a cauda.
A amostra pesa mais na zona traseira que à cabeça, e há boas razões para isso. A acção que se pretende é a de um “peixe” que vagueia perdido pela superfície, com o seu sentido de posicionamento alterado, eventualmente um peixe ferido, debilitado, sem forças para voltar ao plano de água a que pertence. Um peixe que se “arrasta” pela superfície deixando atrás de si um sulco de turbulência é um peixe que já não tem capacidade de defesa. E isso, num meio tão implacável quanto o meio marinho, significa estar a desafiar a morte. É isso que se procura reproduzir com o artificial “passeante”, um peixe que perdeu a noção da discrição, do sigilo que todos os peixes saudáveis procuram ter nas suas deslocações. Por isso é tão importante que a amostra levante a cabeça, que faça movimentos zig-zag curtos, para que deixe atrás de si um sulco bem marcado e as correspondentes vibrações que irão excitar os predadores.
Normalmente esse desequilíbrio consegue-se através da introdução de esferas que auxiliam a função de lançar bem longe o artificial, sendo que algumas juntam a isso o efeito “rattling” de que alguns tanto gostam.

O centro de gravidade do passeante, a amarelo, é mais recuado, para a amostra poder “levantar a cabeça”, para que esta saia fora de água e emita vibrações dessa forma.

Vejam acima as esferas na cauda do passeante. Algumas amostras são fabricadas deixando um espaço vazio, dentro do qual as esferas se movimentam, emitindo ruído. Não é o meu estilo, eu sou muito discreto para permitir que uma amostra minha faça isso.
Confesso que sou apologista de deixar o trabalho de denúncia da amostra a um bom trabalho de pulso, feito quando e onde queremos. Chego a furar a amostra e a introduzir cola cianocrilato dentro, para bloquear as esferas...
Mas eu pesco de barco, em águas abertas e limpas. No caso de quem pesca dentro dos rios, o efeito sonoro pode ser útil desde que não seja em excesso.
Reparem no seguinte: não há peixes distraídos, aéreos, pouco interessados com aquilo que se passa à sua volta. Pelo contrário, diria que tudo aquilo que acontece no meio líquido é objecto de análise e eventual reacção.
Nós pescadores de linha vivemos de um facto absolutamente indesmentível: só pescamos os peixes que mordem o anzol. Todos os outros, aqueles que decidem fechar a boca, não entram na nossa caixa.
Ao lançarmos sistematicamente amostras pesadas sobre um mesmo local, estamos a massacrar peixes que já viram e ouviram muito bem aquilo que caiu na água junto a si.
Eles não necessitam de muitas repetições de passagens de amostras, porque à primeira essa passagem já foi identificada pelo sentido da visão, da audição, ou mais completo ainda, da sua linha lateral, que lhe dá tudo o que é necessário saber: volume, tamanho, posicionamento, direcção de deslocamento, velocidade, etc.etc. Porque não temos esse sentido custa-nos a crer que os peixes o tenham, mas de facto é assim. Eles podem até ser meio cegos, podem nem conseguir ver à sua volta quando as águas estão tapadas, mas são muito sensíveis a vibrações e mesmo nada… surdos.
Porque os que são algo “surdos” de ouvidos e linhas laterais já foram todos comidos por outros, a reacção natural de um peixe ao lançamento repetido de uma amostra é previsível: a princípio sente curiosidade, a seguir indiferença, e a seguir…medo.
O peixe que se afasta não tem interesse para o pescador porque esse é um peixe perdido.

Pescas feitas pelo Luís Ramos em Angola, com passeantes. Funcionam bem em todo o lado.

Onde se pesca com passeantes?

O mar revolto não é por definição um bom local para esse tipo de prática. Não digo que não seja possível, porque é, mas sim que os resultados não serão tão animadores quanto o podem ser com outros tipos de amostras mais vocacionadas para esse tipo de trabalho. O passeante pode ser utilizado em zonas baixas com água ainda lusa, antes de turvar por acção do levantamento de sedimentos que ocorre quando se levanta temporal.
Mas não é para esse tipo de mar que ele foi criado. Bem pelo contrário, é o mar calmo e liso o meio em que melhor sobressaem as características mais positivas do passeante.
Experimentem a utilizar em dias de águas calmas, claras, em que o peixe não reage a qualquer outro tipo de amostra passada mais abaixo.
Melhor se utilizado longe da embarcação, ou se tratamos de pesca apeada, longe da posição do pescador. Fazer pouco ruído é primordial pois trata-se de uma pesca fina, sigilosa, sem espaço para quem pesca com “amigos” a deitar pedras à água no mesmo sítio.
Eu pratico pesca com passeantes sobretudo quando estou sozinho, quando posso controlar o local onde a amostra cai e o número de vezes que faço correr os peixes de um determinado sítio. Mesmo que não vejamos aquilo que se está a passar a 40 metros de nós acreditem que a passagem de uma amostra deste tipo não deixa os peixes indiferentes. Eles podem até não morder mas muitos deles irão acorrer ao local do “plop” da queda e uns quantos irão seguir a amostra durante vários metros. Por vezes temos peixes decididos a tentar a sua sorte, outras nem tanto. Mas que não há indiferença isso não há.
Ao fim de algum tempo desinteressam-se e nesse sítio a pesca acabou.

Mar agitado não é mar que convenha a amostras que apostam tudo na sinalização da sua presença através do splash que fazem na água. São bem melhores em águas calmas, mas de todo não é impossível obter resultados no meio da espuma. A questão é que é apenas mais espuma no meio da espuma...

Entendam os passeantes como amostras que vasculham a existência de peixe muito rapidamente porque a acção que promovem é muito apelativa para o predador.
Despoletar o ataque de um robalo é muito fácil quando se apela a todos os seus mais profundos instintos de caça: uma presa com o tamanho certo, desprotegida, a indicar enorme fragilidade.
São sem dúvida mais eficazes que amostras convencionais de pala, desde que a água esteja relativamente limpa à superfície.
Para aqueles que pescam nos estuários, tamanhos na ordem dos 7 a 10 cm de comprimento estão bem. Para quem pesca em águas abertas, medidas até aos 12 cm podem atrair sobre si os ataques de peixes de maior envergadura.
Convém não esquecer que se trata de uma amostra de superfície e por definição… leve. O seu lançamento não deve ser tentado por quem possui apenas uma cana pesada, e muito menos por todos aqueles que têm “medo” de pescar fino.

Para isso, uma boa cana de lançamento e uma linha de diâmetro não demasiado ambicioso são requisitos indispensáveis. Por outras palavras, uma cana leve, reactiva, com acção de ponta e 2,80 a 2.90 metros, uma linha PE1, um chicote 0.26 a 0.28mm, são equipamentos que resultam bem.

Os passeantes também são conhecidos pela designação do movimento “walk the dog”, passear o cão, que lhes é característico. 

Não esqueçam isto: qualquer técnica de pesca à superfície assenta na indispensável base de confiança que o peixe tem de sentir de que não irá acontecer-lhe nada de ruim. Em caso de dúvida eles irão abster-se de caçar e isso significa não morder a amostra.
Daí que seja tão importante lançar longe, onde o peixe não se sente incomodado com a presença do barco, ou de sentir os nossos passos na praia.
Para os mais distraídos, o ruído que nós fazemos com os pés ao caminhar na areia é multiplicado dentro do meio líquido e muito facilmente perceptível pelos peixes. Já aqui no blog a questão dos sons foi abordada, e quem quiser pode voltar a ler.
Deixo apenas um registo do seguinte: o som ambiente é uma variação de pressão no ar, ou na água, e é facilmente detectado pelos sensores nervosos dos peixes. Salvo excessos, gritos bem altos, o peixe nem quer saber daquilo que conversamos. Mas se fazemos algo que se propague na água, os sentidos dos nossos queridos peixes entram em acção e eles fazem o que podem e devem fazer: desconfiam...
Ao deixarmos cair um objecto, arrastar uma geleira, ou ao batermos com uma cana numa superfície sólida quando estamos no barco, (ou mesmo o simples caminhar na margem), irá provocar variações de pressão no ar / água que se sobrepõem à pressão natural e se propagam a grandes distâncias, por ondas sonoras. Para os que gostam de números, aí vai: O som propaga-se no ar, a altitude zero, ao nível do mar, a 331 metros por segundo. Dentro de água, esse mesmo nível de som propaga-se a 1.435 metros por segundo.
Eles ouvem tudo o que fazemos... porque o som, (ou melhor dizendo o ruído que produzimos), é multiplicado por cinco.

O formato característico de um passeante. A parte que irá assentar na água é do ponto onde irá ser armado com um triplo na “barriga” até à cauda. O resto fica fora de água e vai fazer zig-zags consecutivos, dando a ideia de uma presa desorientada.

E que diferença fazem os passeantes de outras amostras de superfície?

Podemos utilizar stickbaits com movimentações junto à linha de superfície, podemos utilizar poppers, e não estamos a fazer o mesmo tipo de trabalho.

O popper faz saltar água à sua frente, a frente côncava oferece resistência à água e faz com que o avanço se faça …à força, largando espuma. É algo muito produtivo para espécies de peixes que caçam bem à superfície e tem o seu momento ideal, as suas condições certas.
O stickbait, uma amostra muito leve, mal penetra a primeira capa de água. Trabalha em poucos centímetros, faz alguns movimentos erráticos definidos pelos tirões que imprimimos com a cana. Vive muito de arritmias, de paragens e arranques bruscos.
Para zonas muito massacradas por pescadores é altamente eficaz, bem mais que os poppers. Quer um quer outro tipo de amostra são ambos movimentos bastante estimulantes, mas não são iguais ao passeante.
Repito: todos eles são bastante eficazes, e podem dar-nos peixes em situações diferentes, mas este artigo versa os passeantes e é por eles que continuamos.
O movimento do passeante é ritmado, e corresponde a um trabalho de pulso cadenciado, através de movimentos curtos verticais. É executado com a mão direita (para destros) deixando à mão esquerda a função de rodar a manivela e recuperar linha.
Aprende-se a fazer num instante, não pressupõe mais que uma recuperação linear, mas é possível fazer algumas paragens, desde que curtas.
Ter em atenção que aquilo que se pretende fazer é levantar os robalos, ou os lírios, ou as anchovas, do seu estado de alerta, a meia água.
É mantê-los em movimento, não temos de lhes dar demasiado tempo para que percebam o engano.

Como mordem os peixes?

Um outro detalhe que me ocorre referir é a questão do posicionamento das fateixas. Reparem que no caso do passeante a zona protegida pelos anzóis é precisamente a zona posterior. O ataque é feito à parte que está submersa, a traseira da amostra.
Enquanto que no popper toda a amostra está em linha com a superfície da água, no caso do passeante aquilo que está disponível ao predador é apenas a metade posterior.
Isso coloca uma questão técnica interessante: aquilo que é normal é que predadores com bocas muito grandes, o caso do robalo ou do lírio, e que não dispõem de dentes afiados e proeminentes, tenham sempre a tendência de atacar a nossa amostra pela cabeça.
A técnica de caça padrão implica pois uma sucção total da vítima. No caso de pequenas presas, isso resolve, é o suficiente para acabar com quaisquer dúvidas: o pequeno peixinho é engolido vivo e o assunto morre ali.
Mas neste caso, parte da amostra está fora da linha de água, o que obriga a trabalhos dobrados. O robalo pode morder lateralmente o passeante, (posiciona-se ao lado da presa e morde no sentido contrário ao deslocamento desta), e fica preso por uma das fateixas, ou ocasionalmente opta por um ataque fulminante, em que aspira de trás para a frente, não sendo raro que salte fora de água já com a amostra dentro da goela. E espetado em múltiplos ganchos das fateixas.
Daí que os anzóis dos passeantes sejam colocados na zona posterior, onde podem ser mordidos, e não mais próximos da cabeça, onde não fariam sentido. Entendam que uns míseros 10 mm de distância fazem uma enorme diferença em termos de efectividade de capturas.
Em outros tipos de amostras a colocação das fateixas é diferente porque também diferente é o seu posicionamento da linha de água.

Aqui, a fateixa ventral é aplicada um pouco mais à frente

Tenho alguns amigos que fazem pesca por puro prazer. O peixe conseguido tem muito pouca importância, de tal forma que podem restituí-lo à água, ou se o trazem para terra será oferecido na primeira oportunidade. Procuram o lance, mais que a caixa cheia.
Pescar com passeantes é garantia de bons lances, porque o peixe ataca à superfície e dá um baque no coração cada vez que eles saltam fora de água já presos no anzol.
Muita espuma, adrenalina a top, muita agitação, e saída de linha garantida quando são peixes grandes. É isso pescar com passeantes.
Nesta altura do ano sei que pousam as suas canas de jigging, pegam nas canas de spinning e vão divertir-se a valer com a entrada dos robalos nos baixios.
O tempo está para isso.


Vítor Ganchinho


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