Temos vindo nos últimos meses a trabalhar uma área da vida do robalo que, não sendo de todo desconhecida, é ainda assim menos comum e clara para muitos daqueles que fazem o favor de nos ler.
Os estuários, enquanto pontos nevrálgicos de criação de vida juvenil, são zonas muito procuradas por quem detesta concorrência ao alimento e quer resultados rápidos: o nosso robalo.
Pode alguém não atribuir a um estuário a importância que efectivamente tem, mas acreditem que é ali que se joga a existência, ou não, de abundância de peixe na nossa costa. Devem entendê-los como uma maternidade, um local privilegiado de criação de esperanças.
Os estuários, com as suas marés, as suas nuances de entradas e saídas regulares de águas, a diferença de velocidade de saída que se verifica entre a foz e os recantos mais abrigados do estuário são afinal a chave de termos, ou não, possibilidades de conseguir pescar bons peixes fora do rio.
Tudo começa e acaba ali, naquelas águas rasas. E que tipos de fundos devemos considerar? De que forma influenciam eles os seres que deles vivem?
Excelente foto esta, com um perfil de peixe incrível. |
Os estuários apresentam diferentes tipos de fundos.
Falamos dos cobertos de vaza, de limos, cascalhos grossos, calhau rolado, areia, pequenas pedras ilhadas, pedra dura que atrai quem prefere a segurança de estar próximo de algo mais consistente. Há de tudo.
Alguns serão mais arenosos, logo mais instáveis, móveis e dependentes dos ventos e correntes. Aí, iremos encontrar muitos peixes planos, linguados, galeotas, peixe-aranha, salmonetes, alguns caranguejos, chocos, e sobretudo bivalves. Em suma, seres que trabalham a sua segurança em torno da mobilidade dos areais, enterrando-se se necessário para se esconderem de predadores, zelando pela sua vida mas não deixando de estar próximos de outros seres e substratos que lhes servem de alimento. Comer e não ser comido.
As areias são ecossistemas muito ricos, com muita vida, absolutamente instáveis sim, é verdade, mas seguramente com muito mais a dizer que a simplicidade de nada haver. À primeira vista são desertos, mas só parecem vazios a quem não sabe onde procurar. Os areais escondem uma enorme quantidade de vida, cujas primeiras defesas são precisamente a camuflagem e/ou a possibilidade de se fundirem com os pequenos grãos de areia, enterrando-se.
Muito se passa abaixo da linha de superfície de areia visível.
Mas o nosso robalo não frequenta apenas areais, nem os estuários são apenas areia.
A pedra firme existe nos estuários e exerce sobre o robalo uma atracção irresistível, por ser um chamariz para muitas formas de vida. Estou convicto de que muitos dos meus colegas pescadores apostariam todas as fichas nestes fundos, na existência massiva de peixe nestes locais de rocha dura. Não tem de ser assim.
Há muita vida que se afasta destes locais e vive num outro substrato. Há fundos que não são nem areia nem pedra, estarão pelo meio, nem tão sujeitos a mudanças causadas pelas ondas e vento, instáveis portanto, nem tão estáveis quanto os rochedos firmes. Conhecemo-los por “vaza”, um termo que tem pouco de científico mas que serve na perfeição para o identificar. Aquilo que muita gente também conhece por “lamas”.
São substratos mais densos que areia, e por isso com muito menos predisposição para grandes oscilações da sua superfície, (quase sempre por estarem situados em zonas mais calmas, de menor turbulência e força de corrente) e que, ainda assim, por oferecerem alguma estabilidade, permitem a fixação de outro tipo de organismos que não podem viver na areia.
Fundos lodosos têm uma dureza intermédia, e pedem um tipo diferente de inquilinos.
No meio da lama e das algas, minúsculos seres como os camarões, os caranguejos, diversas espécies de anelídeos, alguns tão conhecidos quanto os casulos, os gansos, a minhoca do lodo, etc, fazem a sua vida e servem de alimento a ilustres visitantes, como o robalo, sobretudo numa fase precoce da sua existência.
Em qualquer um destes fundos o protagonista do artigo de hoje não deixa de se sentir confortável, porque em todos eles consegue encontrar os seres marinhos que fazem parte da sua heterogénea dieta. Quer enquanto pequeno, quer quando já tem um respeitável tamanho, porque os robalões de 7 e 8 kgs também apreciam um peixinho pequeno para “petisco”. Nunca passam fome porque aceitam comer aquilo que o mar lhes dá e porque não falta comida para quem a sabe procurar. E tem tempo para isso.
Por vezes encontram algo perigoso, que deveriam evitar, mas para eles tudo o que mexe é …potencial alimento. Aqui uma amostra Smith de 7 gr com a qual obtenho bons resultados em águas turvas. |
A percepção de perigo que o peixe interioriza advém da memorização de situações negativas, nomeadamente a prisão e consequente picada nas fateixas da nossa amostra para aqueles que conseguem escapar, ou captura de outros congéneres.
Num cardume, quando um peixe morde uma amostra e de seguida é arrastado para um barco, ou para terra, põe de sobreaviso os outros elementos do grupo. Quando isso se repete inúmeras vezes, o robalo “aprende” a não acreditar no engano e defende-se.
Também a diversidade enorme de alimento disponível levanta dificuldades quando se trata de conseguir convencer o robalo a morder na nossa amostra. Desde logo porque estamos a oferecer comida a quem a tem sempre em abundância, um pouco como vender areia num deserto pleno de areia.
Se em mar aberto o peixe tem de procurar, tem de ir atrás, tem de lutar por comida, dentro do rio não é preciso isso, o alimento está sempre à mão, sempre disponível. Ou não houvesse uma lista de “petiscos” tão grande, tão diversificada.
Isso pode limitar as reais necessidades do robalo se lançar sobre um artificial. A meu ver, só poderemos ser efectivamente bem sucedidos e conseguir um ataque se soubermos ir de encontro ao que um robalo admite poder e querer morder…sempre.
Falo-vos de amostras simples, de pequenas dimensões, algo discretas, e trabalhadas tão próximo quanto possível da natação irregular de um pequeno peixe em apuros.
A marca Smith pensou no assunto. Desenvolveu e ensaiou, fez testes de mar, e no fim lançou um conjunto de amostras que são exactamente aquilo que um robalo nunca irá desprezar, mesmo que bem alimentado: os Micro-Surger.
Smith Troutin Surger SH 6cm 6.5g - 10RB |
Referência: 4511474146829 / Marca: Smith / Modelo: Troutin Surger SH
Comprimento: 60mm - Peso: 6.5g
Tratam-se de amostras híbridas com um peso de 6.5 gramas, ideais para situações em que os robalos estão em águas muito baixas, e pouco dispostos a aceitar algo demasiado grande.
Devem equipar-se com uma fateixa de arame fino, leve, não demasiado grande, e apostar na saída de linha fácil, regulando a embraiagem do carreto de acordo com a fragilidade do sistema.
Canas de 2,20 a 2,40 mts, com acções de 1-7gr a 3-12gr, são perfeitas para a função. Não esqueçam que amostras de 6.5 gr não são passíveis de ser lançadas por canas com acções de 15-40 gr, ou algo parecido. Temos mesmo de ter uma cana mais leve e elástica, sob pena de as amostras nos caírem aos pés.
Já aqui vos disse que há inúmeras situações em que mesmo os maiores robalos evitam e/ ou desprezam presas de grandes dimensões. Isso acontece sobretudo em ocasiões em que a água se encontra a temperaturas mais elevadas, por razões fisiológicas que se prendem com o processamento da comida e elevação da carga metabólica.
A pesca com amostras muito pesadas e de grandes dimensões, salvo o período referido e situações de mar muito agitado, leia-se ondulação alta, ressaca na rocha, vagas puxadas a vento, deve ser evitada.
Tirando aquela altura do ano em que a prioridade é armazenar gorduras para prevenir a chegada das águas frias de outono, quase sempre a preferência vai por presas mais ligeiras, mais “inocentes”, logo de maior facilidade de captura.
E já agora, de maior facilidade de digestão.
Se quiserem uma imagem exemplificativa disto que vos transmito é isto: comer um cozido à portuguesa ao sol, com temperatura de 42 ºC...
Dificilmente encontraremos uma situação em que amostras maiores permitem um melhor desempenho, porque uma amostra pesada massacra em demasia o pesqueiro, faz a sua queda com um ruído pouco natural, e acaba por fechar a boca a todos os que se encontram nas imediações.
Os peixes “parvos” já foram todos pescados, sobram os que desconfiam, que são mais cautelosos, e acreditem que eles sabem perfeitamente distinguir entre o ruído de queda de uma amostra grande, que cai como uma pedra, e uma amostra pequena, a qual, pelo seu baixo peso, cai com um “flop”, algo muito próximo do splash provocado por um pequeno peixe que salta fora de água.
Vão para o mar e tentem perceber a diferença.
Quando tudo está mesmo difícil, as micro amostras desempenham um serviço de inestimável valia.
Implicam necessariamente uma cana de lançamento com nervo, mas com uma ponteira algo macia, a ser capaz de catapultar objectos leves a grandes distâncias.
O grande desafio é mesmo esse, conseguir colocar amostras leves longe de nós, e as canas de LRF fazem-no na perfeição por terem sido concebidas para isso. Por vezes não há volta a dar, tem mesmo de ser com equipamentos ligeiros. Essa é a possibilidade de evitarmos “zeros” que não deixam de nos arreliar.
Em águas mais interiores do estuário, a presença de comedia é permanente, mas o seu tamanho nunca é demasiado grande. Os peixes forragem maiores, de maior tamanho e idade, são mais difíceis de capturar que os pequenos alevins.
São cardumes que estão numa fase mais avançada da sua existência, mais próximos de serem capazes de enfrentar os perigos do mar aberto, logo, estarão posicionados no último troço de rio, próximos da saída.
Os peixes mais pequenos, mais jovens logo mais …“inocentes”, mais fáceis de capturar, estão em águas interiores e por isso mesmo o nosso robalo irá procurá-los nos esteiros, em fundos baixos.
Vamos continuar a tratar este tema da pesca ao robalo em estuário no número seguinte.
Vítor Ganchinho
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Infelizmente os nossos estuários têm uma pressão de pesca demasiado alta, onde a profissional provoca mais danos, talvez já fosse tempo de os nossos politicos colocarem um travão nisto.
ResponderEliminarAs corvinas são um bom exemplo disso aqui no Tejo.
Venha lá essa continuação sobre o Robalo.
Abraço
Emanuel Fernandes
Vejo os estuários como locais sagrados, onde ninguém deveria ser autorizado a pescar, sob qualquer pretexto ou técnica de pesca. Não são só as redes, são os pescadores lúdicos que
Eliminarali vão encher baldes de peixes juvenis, sem tamanho legal, sem terem reproduzido, interrompendo um ciclo de vida que deveria ser longo e que afinal é curto. Demasiado curto.
O caso das corvinas é paradigmático: se pescamos os bichos quando estão reunidos para desovar, o que fica?
No momento em que esses peixes deveriam ser protegidos por todos, aquilo que fazemos é dar-lhes caça, lançar-lhes amostras.
Não é nobre pescar um peixe que está fragilizado por ter de alimentar as ovas que estão dentro de si.
Passa-se o mesmo com as douradas de Setúbal. Vai ser até à exaustão dos poucos reprodutores que ainda há.
No fim, não fica nada.
E as pessoas a seguir queixam-se que não há peixe...
Abraço
Vitor