INTERACÇÕES COM ORCAS

Julho e Agosto são por excelência meses de férias e, num país atlântico, isso quer dizer sol, mar e …barcos.
Porque há mais embarcações na água é natural que o espaço costeiro esteja mais preenchido, a malha estará mais apertada, logo com mais probabilidades de detecção de tudo aquilo que passa próximo de terra.
É esta multiplicação de olhos, esta vigilância acrescida, aquilo que proporciona um aumento exponencial de observações, e consequentemente de encontros, de contactos directos com grandes cetáceos.
Baleias, orcas, golfinhos, todos eles procuram nas nossas águas alimento que agora existe em abundância. Falo-vos de cardumes de toneladas de cavala, carapau e sardinha. Há comida para todos.
Também os tubarões, e sobretudo aqueles que são mais comuns, a tintureira e o mako, beneficiam desta época de fartura.
Têmo-los bem junto à nossa costa, por vezes muito próximo da linha de terra, em quantidades e tamanhos muito superiores ao que a maior parte das pessoas pensa.
A pescar spinning aos robalos, já os encontrei a não mais de vinte metros da praia, perseguindo tainhas e cavalas. Sobretudo as tintureiras, algumas a sobrepassar os 2,5 mts, são bem mais atrevidas que a mais fértil imaginação dos banhistas possa imaginar...
Porque vivemos de turismo, de praia, não é conveniente aprofundar o tema, até porque nem há casos reportados de qualquer tipo de ataque. Mas que os bichos encostam a terra, disso não tenham dúvidas, eu vejo-os.


As orcas são, desde 2020, um fenómeno que tem vindo a gerar alguma controvérsia e apreensão junto dos amantes da vela nacional, os mais visados pelos “ataques”, mas também dos pescadores de linha em geral, quer dos que saem em embarcações de recreio, quer os utilizadores de kayakes, gente que não vê com bons olhos os encontros imediatos com estes bichos.
Sentimo-nos incomodados quando não somos nós humanos a ditar as regras.
Custa-nos não sermos, por um minuto que seja, a espécie dominante. A nossa primeira reacção, aos olhos deste fenómeno, são de defesa imediata, de “resolução” do assunto, através da força.
Temos capacidade bélica para isso, podemos matar as orcas, mas devemos pensar se é dessa forma que queremos viver: sozinhos num planeta que perde espécies todos os dias, riqueza ecológica delapidada sem hipótese de recuperação.
Sabe-se que são 37 os animais que deambulam pela costa portuguesa, em seis grupos diferentes. Seguem a migração do atum que entra no Mediterrânio pelo Estreito de Gibraltar, para desovar.
A distribuição de pontos de avistamento e contactos/ problemas com orcas mostra exactamente a sua perseguição a estes tunídeos.

Mapas indicativos de encontros ou interacções de orcas em Portugal, e concretamente na zona onde vivo e pesco, Setúbal e Sesimbra.

Por definição, tratamos de animais que vivem a sua vida longe da costa, e poucos serão os contactos que têm com humanos.
Não fazemos parte da sua ementa habitual, não há registo de ataques directos, e por isso as possibilidades de sermos atacados serão remotas.
Ainda assim, na água, sem qualquer tipo de protecção, não tenho dúvidas de que a situação será bem menos agradável para um humano que para as orcas.
Acredita-se que foi um animal juvenil, de nome White Gladis, que se terá magoado numa colisão com um barco quem terá iniciado esta situação de “retaliação”.
Porque se tratam de cetáceos hiper-inteligentes, e que por isso mesmo aprendem novos comportamentos com facilidade, deu-se um processo evolutivo que nos conduziu a este ponto: orcas a seguirem barcos, a provocarem impactos nos mecanismos de condução, sobretudo lemes, e por via disso a provocarem danos.
O seu peso e poder físico faz o resto: orcas conhecidas dos biólogos marinhos – como o Levi, tido como o segundo maior macho da comunidade de orcas ibéricas, e Scarlet, uma “velhaca” que não perde a oportunidade de atazanar a paciência dos desgraçados velejadores que encontra.
Manter a calma pode salvar vidas. Passo-vos as recomendações publicadas por Espanha e Portugal para estes casos, na esperança de que possam ser-vos úteis num caso de avistamento:


Parece-me evidente que não serão ataques formais, agressivos, mas sim curiosidade e interacção exploratória. Pela corpulência, peso, e eventual capacidade destrutiva, fica relativamente claro que não temos em mãos uma situação de confronto directo, de medição de forças. Perderíamos sempre.
Não tenho dúvidas de que um grupo de 4 ou 5 orcas seria capaz de afundar qualquer tipo de barco de recreio, de tamanho médio ou mesmo grande. A questão é que as brincadeiras delas são pesadas, são bichos que podem ter 8 metros e muitas toneladas, logo é ter um elefante numa sala com porcelanas.
Vi-as o mês passado ligeiramente a sul de Sines. Estavam longe, não valia a pena fazer uma foto, e porque havia alguns pargos capatões na zona, acabei por prescindir de ir ter com elas.
Apenas as vi porque me chamaram a atenção ao saltar fora de água. O barulho e o cachão que levantam ouve-se muito longe e vê-se a mais de uma milha...
Também as encontrei este ano a norte do Espichel, e nesse dia com mais pessoas a bordo. Um deles, um jovem, batia nos flutuadores para chamar a sua atenção. Disse-lhe só: “se fosse a ti estava mais sossegado, e deixava-as ir”….
Não as vejo como mais um golfinho, porque embora sejam da mesma familia, esses não me podem virar o barco, por mais que brinquem junto a ele. As orcas podem.
Dos contactos que tive com elas nos últimos anos, e foram alguns, resulta a sensação que há curiosidade mútua, vontade de saber mais, de ver.
Os olhos delas são expressivos, são escuros como os medos que temos naturalmente de tudo aquilo que não podemos dominar. E são natureza, como só a natureza pode ser: impiedosa e fria quando necessário, selvagem e …imprevisível.
Alguém tem dúvidas de que estes animais vivem de matar? Claro que sim!
Isso faz deles assassinos, por perseguirem atuns, ou cardumes de isca? E nós, não matamos os animais de que nos alimentamos? Não estamos lá porque pescamos …peixes?


O primeiro registo de contacto de que tenho memória foi-me contado por um amigo senegalês, de nome Moahamed Fadel Sow, um tremendo caçador submarino que, a cerca de 30 metros de fundo, deitado em “agachon” sobre uma pedra a fazer uma espera aos pargos, sentiu algo estranho no comportamento dos peixes que tinha à sua frente.
Instintivamente rodou a cabeça para ver o que poderia estar por trás de si e de repente deu com uma gigantesca orca parada, a olhar para ele, a dois metros de distância.
Mesmo tratando-se de um proeminente caçador submarino em apneia, dono de uma invulgar capacidade de suster a respiração, adivinho que não lhe tenha sido fácil manter o coração dentro do peito.
De raça negra, contava-me ele: “ Vitor, eu fiquei…branco”!...


Vítor Ganchinho


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4 Comentários

  1. Bom dia Vitor!

    Parabéns pelo conjunto de artigos que escreveu sobre as Orcas, e já agora por todos os outros que estão por aqui publicados e que tenho o prazer de ler.

    https://www.yachtingworld.com/news/boat-skipper-shares-details-of-two-hour-orca-encounter-which-sank-his-yacht-off-spain-152731?fbclid=IwY2xjawEYIjRleHRuA2FlbQIxMQABHTdQPBnIl0tX0vhsmUUzCoagGfquaMDkDR9SIQfPeVTN4Cm1eO_xJex9nA_aem_k4rke4e8doFyyG5Ck-vXHA

    Quando não se seguem as recomendações das autoridades as surpresas podem ocorrer.

    Boas férias se for o caso.

    Pedro Neves
    Porto

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    1. Pedro Neves, boa tarde!


      Este assunto das orcas vai certamente motivar muitas linhas, até porque não me parece que o fenómeno esteja resolvido.
      Vai acontecer algo mais e pode mesmo ser algo de bastante grave.
      Penso que se poderia actuar de forma preventiva, eventualmente marcando os bichos, (por mais que isso choque os mais puritanos), e com isso conseguindo passar informação atempada a todos os que andam no mar.

      A mim confesso que não me incomodam, já encontrei orcas vezes suficientes para poder reagir em conformidade, mas eu tenho mobilidade e, se for o caso, posso sempre afastar-me e deixá-las passar. Mas quem tem um veleiro não pode e isso pode ser dramático.

      Com informação, é possível calcular rotas, atrasar passagens, e até pedir auxilio se for o caso. Mas para isso, a primeira coisa a saber é onde elas estão.

      Temos de saber ver as duas partes, a nossa, que exige a segurança possível de quem vai velejar com a família, com crianças, e a das orcas, que estão no seu espaço natural , e que têm direito a não ser importunadas.
      Tenho informação de pessoas que lhes lançam pó de extintor, gasolina, e até de uma pessoa que diz que lhes manda ...vodka!
      Por amor de Deus....

      Animais daquele porte não são de subestimar, nem de levar na desportiva. Tudo o que elas fazem pode aleijar-nos a sério. O assunto é melindroso o suficiente para merecer um estudo profundo e dessa reflexão certamente irão surgir dados úteis a todos os que frequentam o espaço marítimo.



      Excelentes as imagens que enviou! Obrigado!

      Espero que sejam do agrado de todos os que leem o blog.


      Abraço
      Vitor


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  2. O tema do link que partilhei é o do naufrágio de um veleiro no passado dia 23 Julho em Gibraltar. Este foi provocado por uma interação com um grupo de 5 Orcas. A "matriarca" provocou um rombo no casco ... é o testemunho de 2 horas que devem ter sido muito difíceis.

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    Respostas
    1. Claro que sim.
      Tudo se complica quando as pessoas a bordo têm limitações físicas, sejam crianças ou idosos.
      Eu já tive junto ao meu barco GO Fishing III um grupo precisamente de 4 animais, que filmei, e eventualmente podem ser as mesmas.
      A norte do Espichel encontrei um grupo de 5 orcas que ia largado atrás de qualquer coisa. O trajecto que fizeram, e a velocidade que levavam, era de quem tinha uma missão a cumprir.
      O Canhão de Setúbal ramifica ali e segue para Lisboa. Os atuns passam nos bordos do desfiladeiro e entram à baía para comer cavala. Há sempre ali muitos cardumes de peixinhos desses. Atrás dos atuns chega quem os come, e elas sabem sempre onde eles andam.
      Ou seja, a cavala leva pancada do atum, e o atum leva pancada das orcas. Tudo certo.
      Também pode acontecer que as orcas decidam petiscar cavalas. Não lhes é difícil encontrar muitas porque os cardumes são imensos, de muitas toneladas.

      E elas apertam-nos, fazem bolas, e a seguir comem as centenas de quilos que querem.
      Ver essas coisas é relativamente fácil para quem vai ao mar dia sim dia não....


      Abraço
      Vitor

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