PEIXES - A TEMPERATURA DAS ÁGUAS E A TRANSIÇÃO DE ESPÉCIES

Não sei se repararam mas passámos no início de Junho de uma situação de águas mais frias, de 14 a 15ºC à superfície, para um estado geral de águas com temperaturas mais elevadas, na ordem dos 18 a 19ºC.
Não é muito, pensarão os mais distraídos.
Assim fosse. Para aumentar um grau centígrado a temperatura do mar é preciso uma quantidade brutal de energia. E um grau já muda muita coisa, por pouco que vos pareça. 
Não confundir um pontual e efémero grau de temperatura do ar com idêntico valor relativo a uma massa de água de um oceano.
Os peixes são animais de sangue frio, dependem em absoluto do meio que os envolve, a água, e para eles, tudo conta.

Os predadores seguem os cardumes, independentemente de estes se encontrarem por cima de pedra ou areia. É indiferente.

Provavelmente não sabem mas o nosso país dispõe de boias ondógrafo, colocadas em Leixões, Sines e Faro, as quais nos dão informações preciosas para que possamos analisar a evolução daquilo que se passa na nossa costa.
Ficamos assim a saber pelo Instituto Hidrográfico que em 2023 registámos temperaturas mais altas que a média dos últimos 20 anos. E a tendência é de subida.
Os oceanógrafos dizem-nos que estas médias atmosféricas e marítimas podem ser devidas a um aumento generalizado da temperatura do ar, (a isso não será alheio o aquecimento global), e também ao enfraquecimento da nortada de vento.
Também o efeito do “El Niño” conta, também ele se fará sentir uns anos mais que outros. São inúmeras as variantes que devemos considerar, sendo que o efeito em termos de resultado é sempre a entrada ou saída de peixes das nossas zonas de pesca. E isso já nos afecta bastante, porque nos rouba peixe que queremos pescar! Nada é inócuo, nada deixa de ter a sua importância.

Um pargo das Canárias que pesquei por baixo de um cardume de cavala, numa zona de areia.

Sabemos que muitos dos nossos peixes programam as suas posturas em função dos valores de temperatura da água do mar. É para eles algo mais que um indicador fisiológico, há toda uma sequência de acontecimentos que é despoletada a partir da diminuição ou aumento da temperatura da água.
A entrada e saída de peixe na costa está relacionada com a possibilidade de obtenção de alimentação mas também das melhores condições de reprodução.
Tudo está profundamente ligado, tudo o que acontece depende de variantes algo complexas, mas que podemos tentar simplificar para que sejam entendíveis.
Dou-vos um exemplo concreto: sabemos que as cavalas se alimentam sobretudo por filtragem de água. Quando as veem a abrir e a fechar a boca, elas estão a fazer isso, a captar nutrientes em suspensão na água.
Esses nutrientes podem ser as posturas, as ovas, de uma infinidade de espécies de peixes que escolhem o método de difusão da sua prole nas correntes para disseminação da sua descendência.
Nós não as vemos mas elas estão lá, a flutuar, transparentes, a contar as horas para que a eclosão possa acontecer.

Este carreto Daiwa Saltiga tem muitos anos a puxar peixe e está como novo. Compraria mais se ainda se fabricassem…

Se num determinado momento a quantidade de cavala se cifra por muitos milhares de toneladas ao longo da costa, faz sentido que uma espécie pelágica resolva largar a sua postura?
Se as ovas fecundadas ficam a flutuar na coluna de água e à disposição de peixes filtradores, isso não é condenar à morte uma enorme e promissora massa de vida?
É peixe que nem chega a nascer. Se o risco é demasiado alto, se há grandes probabilidades de o resultado de todo um ano de expectativa e esforço se perder, que beneficio pode isso trazer à espécie?
Não esperar pela saída daqueles que podem alimentar-se da postura é perder a eficácia dessa desova anual por uma questão de detalhe.
Há um momento do ano em que as cavalas saem para outras latitudes, abandonam as águas costeiras, por abaixamento da temperatura da primeira capa de água.
E quando esse factor negativo desaparece, ei-las que voltam em força. As desovas de alguns peixes bem conhecidos, os robalos, as douradas, os sargos, são feitas nesta altura, o janeiro/ março, período em que as cavalas estão fora, longe das águas frias. Tudo o que aconteça antes e depois deste período é susceptível de correr …mal.
Todos vocês já viram as arribadas dos cardumes de cavalas a chegar aos pesqueiros e a sua chegada à superfície para se alimentarem, para “aspirarem” as transparentes ovas de peixe.
Se não viram, aqui têm um filme exemplificativo:

Clique na imagem para visualizar e na rodinha das definições para melhorar a qualidade.

Estas coisas das desovas acontecem por ciclos, e desde que todas as condições, ou pelo menos muitas delas, estejam reunidas.
Não preciso de vos dizer que da mesma forma que as cavalas fazem uma chacina de microscópicos peixes, larvas e óvulos, também os peixes adultos, com peso e tamanho, aproveitam a oportunidade de terem as cavalas concentradas nestes trabalhos para lhes dar caça.
Por baixo destes cardumes acontecem perseguições dramáticas, e muito peixe morre. A morte é algo que está umbilicalmente ligado ao fenómeno da criação de vida.
Podemos encontrar robalos, lírios, peixe agulha, mas também tintureiras e espadartes, por exemplo. Se um destes dias repararem bem nestas manchas de peixe, estão sempre a acontecer coisas e algumas delas são bem curiosas. Ver um ataque de um tubarão mako a um destes cardumes, irrompendo à superfície a muitas dezenas de quilómetros/hora de velocidade é algo impressionante.
Bem mais fácil é ver o aproveitamento que os alcatrazes fazem destas concentrações de cavala à superfície, isso é algo que podem ver todos os dias que vão ao mar. Quando fazia cursos de pesca com jigging ligeiro eu mostrava estes detalhes a quem saía comigo. Deixei de fazer por uma razão tão triste quanto óbvia: as pessoas não queriam ver a evolução dos cardumes de isca, as perseguições que os pargos e robalos lhes fazem, as novas técnicas de pesca, a forma como se posiciona o barco para acompanhar estas movimentações. E até a forma de atingir com o nosso jig os pontos onde os predadores se encontram emboscados.
Antes saíam comigo apenas e só para tirarem marcas dos meus pontos de pesca. E parei.

O que se passa afinal por baixo dos cardumes de peixe miúdo?

Por baixo daquilo que se vê, acontece um mundo de coisas, e por isso mesmo é bom que se esteja sempre vigilante quanto à informação que a sonda nos dá.
Para os mais atentos, os acontecimentos são sucessivos, há poucos tempos mortos.
Uma das situações que mais prazer me dá é encontrar uma caça de golfinhos e, depois de os deixar comer, sem pressas, chegar-me ao sítio onde eles estiveram a massacrar os cardumes de cavala, sardinha ou carapau.
Invariavelmente haverá escamas à superfície e restos de peixe a cair para o fundo, e por isso mesmo condições para que existam peixes predadores interessados, ...por baixo.
Basta que estejam atentos ao trabalho dos golfinhos e vão de certeza encontrar peixe que se concentra sob o cenário de guerra que eles deixam de cada vez que fazem subir as bolas de peixe comedia.
A seguir é lançar o jig, e ferrar peixe.


Posso dar-vos um exemplo prático, e uma das minhas saídas em que aproveitei uma destas situações. Na circunstância não tinha demasiada corrente e por isso a minha opção foi por um jig de 40 gr da Seven, curto e ligeiramente largo no centro, achatado. A intenção foi a de deixar cair a peça de chumbo a imitar uma folha seca, tanto quanto nos é possível dentro das limitações de termos de atingir o fundo em tempo útil, antes da embarcação sair da vertical.
A queda de um troço de peixe a cair para o fundo faz “milagres” mesmo em predadores que estão em período de inactividade. Tanto quanto possível, devemos optar por pesos ligeiros, a cair o mais lentamente possível. Não se trata de ser rápido, trata-se de ser eficaz.
Chamem-lhe “slow-jigging” se quiserem, mas nada tem a ver com isso. Eu não faço slow jigging, faço jig casting com um estilo que é meu e que criei a pensar no comportamento dos peixes que tenho nas minhas zonas de pesca. Deixo ao critério de outros o trabalho de catalogar aquilo que faço, a quantidade de enrolamentos de linha por cada movimento, etc, etc.
Bem sei que para os puritanos do slow-jigging é uma heresia não copiar os grandes mestres e os seus enrolamentos cadenciados de manivela, os quartos de volta, as meias voltas, os oitavos de volta….
Pouco me importa a não ser o resultado final e esse eu sei que é positivo.
Aqui têm mais um peixe que não contou os “enroladinhos” que fiz com a manivela, que não cuidou de saber se estava na areia ou na pedra, mas que se lançou com força ao meu jig:

Clique na imagem para visualizar e na rodinha das definições para melhorar a qualidade.

No próximo número do blog vou mostrar-vos um pouco mais daquilo que se pode fazer quando a concentração vai no sentido de procurar o peixe onde ele está e não onde ele devia estar...


Vítor Ganchinho


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10 Comentários

  1. Olá Vitor
    Todos os artigos são top. Adoro quando recebo em email a alertar para um novo artigo.
    Pareço os miúdos, não é arranjar desculpas, mas prefiro ler estes artigos que os artigos para o Doutoramento 😂😂 que nunca mais acaba.
    Grande abraço
    Toze

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    1. Há um tempo para tudo, e acredito que ainda vamos pescar os dois uns peixes bonitos.
      Trate lá do seu doutoramento que eu trato de arranjar os peixes.

      O barco novo está praticamente pronto e vai abrir perspectivas que até aqui não tínhamos.
      Vou fazer umas quantas saídas para me ambientar e ficar a conhecer todo o potencial da nova máquina, e a partir daí estarei pronto para sair. Ontem fiz umas filmagens giras, espero poder colocá-las no blog dentro de uma a duas semanas.

      Força aí desse lado!


      Abraço
      Vitor

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  2. Bom dia Vítor. Ainda ontem tive essa oportunidade que descreveu neste artigo. Em Sesimbra, cardumes de cavalas/carapau a passar por baixo, com golfinhos a caçar mesmo ao nosso lado. É uma experiência incrível. A certa altura de facto lancei um jig lá para baixo mas acabei foi a tirar outra cavala. 😅 Tirei notas para quando voltar a acontecer estar mais bem preparado.

    Um outro acontecimento que achei ainda mais incrível, um atum, junto à costa, que até longe parecia grande, também ele a caçar dando inclusivé um grande salto fora de água. Foi memorável.

    Abraço e continue com estes excelentes artigos.

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    Respostas
    1. Boa tarde Rodrigo Os atuns estão em cima das cavalas e dos carapaus.

      Temos felizmente muita isca na costa e isso atrai os predadores de maior tamanho.
      Também andam aí tintureiras, e por vezes as orcas.

      Tente ver aquilo que acontece nas imediações de uma "caça" de golfinhos. Procure com a sonda por cima, mas também ao lado, nas imediações, sendo que o lado mais provável onde irá encontrar os predadores será a jusante do centro dessa turbulência.
      Os golfinhos sobem os cardumes, ( quantas vezes ajudados pelos próprios atuns) e dão-lhes porrada. Os pargos, atuns sarrajões, bicas, etc, ficam por baixo e aproveitam os restos que caem ao fundo.

      Mande o seu jig aí mesmo, nessa "zona quente".
      Deixe-o trabalhar, não coloque a mão na bobine para fazer com que o jig desça direito. Não se trata de descer rápido, trata-se sim de largar o jig a cair em folha seca, a fazer patamares, a descer lento.

      Força nisso!


      Abraço
      Vitor

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  3. Muito obrigado pela resposta Vítor. Iremos tentar de certeza numa próxima ocasião em que tenhamos a sorte de voltar a presenciar este momento. Foi logo pela manhã eram umas 08h.

    Em relação ás orcas, já ouvi falar disso de facto. É assustador pensar que podem aparecer perto de nós. Confesso algum receio se resolverem "brincar" com o meu pequeno kayak. Se por ventura aparecerem, o seguro será rapidamente aproar a terra, não acha?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Os bichos pesam algumas toneladas, não vale a pena tentar medir forças.
      Eu já as tive a menos de um metro do meu barco, e sei que o tamanho dos animais é enorme.
      Por mim, acho que se tiver um contacto directo, ( eu estive com elas duas vezes este ano perto de Sines, mas elas sobem com facilidade à Ericeira....) na minha opinião deve sair da água. Por razões que se prendem com segurança, pese eu ache não vai ser atacado pessoalmente. Não foi esse o comportamento que vi nelas, nunca me senti inseguro.

      Uma das orcas é juvenil, e foi essa que começou a bater nos patilhões dos veleiros. Se quiser mais informações sobre isso posso dar.

      A partir daí, já há mais de 200 casos de interacção, e nalguns deles os barcos foram ao fundo.

      Saia da água....e conte-nos de viva voz aquilo que aconteceu. Não queremos tentar adivinhar o que aconteceu.


      Abraço
      Vitor

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    2. Os bichos pesam algumas toneladas, não vale a pena tentar medir forças.
      Eu já as tive a menos de um metro do meu barco, e sei que o tamanho dos animais é enorme.
      Por mim, acho que se tiver um contacto directo, ( eu estive com elas duas vezes este ano perto de Sines, mas elas sobem com facilidade à Ericeira....) na minha opinião deve sair da água. Por razões que se prendem com segurança, pese eu ache não vai ser atacado pessoalmente. Não foi esse o comportamento que vi nelas, nunca me senti inseguro.

      Uma das orcas é juvenil, e foi essa que começou a bater nos patilhões dos veleiros. Se quiser mais informações sobre isso posso dar.

      A partir daí, já há mais de 200 casos de interacção, e nalguns deles os barcos foram ao fundo.

      Saia da água....e conte-nos de viva voz aquilo que aconteceu. Não queremos tentar adivinhar o que aconteceu.


      Abraço
      Vitor

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    3. Por mais belas que sejam e mágico que seja o momento, a única coisa a fazer será mesmo regressar a posição segura. Pese embora o meu kayak sendo a pedais, a minha retirada nunca seria muito veloz a ponto de as despistar digamos. 😅

      Se quiser partilhar, tenho a certeza que tanto eu como outros leitores gostariam de ler as algo mais sobre esse caso e o seu comportamento. Terá a ver com a sua "ousadia juvenil" e de brincadeira, ou por considerar como alguma ameaça?

      Muito obrigado!

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  4. Ok, combinado. Vou dar-lhe mais alguns elementos que lhe possam ser úteis.
    Para que cheguem a um número acrescido de colegas de pesca, vamos publicar como artigo, ok?


    Abraço
    Vitor

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  5. Fantástico! Continuarei atento! ;)

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