DEFENDER O PEIXE DA NOSSA COSTA DOS BARCOS PROFISSIONAIS

Quero começar por fazer um esclarecimento que me parece necessário: a frota pesqueira profissional desempenha um papel fundamental no abastecimento de pescado fresco à população portuguesa. A todos nós.
Também quero dizer que não me movem sentimentos revanchistas de nenhum tipo quanto às pessoas que praticam a pesca profissional, de resto tenho amigos que são pescadores por profissão. E com eles aprendo muito do que é a arte de procurar peixe, de conhecer mar, de aguentar sem um queixume uma vida dura e muito mal remunerada.
Pela voz deles sei daquilo que se sofre para apresentar pão em cima da mesa.
Também vos digo que aquelas pessoas têm família, têm filhos que estudam, têm compromissos com rendas de casa e carros, têm medicamentos para pagar.
E para isso têm de pescar peixes.

Este mar não é das redes, mas também não é das linhas...

Dito isto, parece-me importante referir que há um espaço para a pesca profissional e outro para a pesca lúdica, a nossa pesca à linha.
E é aqui que me parece ser importante trabalhar para evitar crispações, más vontades, e problemas que podem chegar a ser sérios.
Já todos nós tivemos encontros de 3º grau com barcos de pesca que pura e simplesmente não respeitam os direitos dos pescadores de linha.
A mim já me cercaram por completo com uma rede, e eu não tive forma de sair de lá sem ser passar-lhe por cima, com o motor desligado e levantado...
Hoje trago-vos uma ideia que está longe de ser nova, longe de ser milagrosa, mas que poderia ajudar muito a que todos pudessem cohabitar sem as fricções que vão acontecendo todos os dias.
Todos já vimos redes lançadas a duas dezenas de metros da praia ou da rocha. Isso impede o peixe de se alimentar, mas tal facto não demove quem as coloca naquele local.
Há algum tempo foi lançada uma sugestão pelos pescadores lúdicos franceses no sentido de proibir a colocação de redes de emalhar nas primeiras três milhas de costa.
Não preciso de vos dizer que caiu o Carmo e a Trindade por isso, as poderosas organizações profissionais vieram a terreiro bater-se pela sua dama e contestaram toda e qualquer forma de lhes impôr limitações.
Nitidamente queriam continuar a ser livres de lançar redes onde quisessem.


Não obstante, e tendo esta questão chegado aos tribunais, estes viriam a dar razão aos pescadores lúdicos.
A frota profissional explodiu de raiva e contestaram, interpondo recursos sucessivos.
E repetidamente os tribunais confirmaram a aceitação dos argumentos da pesca à linha. Até porque estes não apresentaram uma proibição total e fundamentalista, pelo contrário, seriam permitidas nessas primeiras três milhas artes de pesca não dizimadoras, malhas mais largas, no fundo todas as que poupam peixes juvenis, peixes migratórios e espécies ameaçadas mas incapazes de se desenvolverem e de prosperarem se ameaçadas pelas redes não selectivas.
Nessa faixa seriam também permitidas actividades como a pesca com aparelho de anzol, os covos para cefalópodes, a pesca à linha lúdica e até o mergulho amador.
O objectivo não é proibir a pesca, é restaurar a pesca, dar verdadeiras chances de todos poderem reclamar a sua parte.
Falamos de preservar o mar, de gerir aquilo que ainda existe, de deixar algo às gerações futuras.


A inspiração vem dos Estados Unidos, onde esta política permitiu a recuperação completa de habitats, o desenvolvimento de grandes stocks de peixe, e, por consequência, a colonização de outras profundidades por peixes nascidos e criados nesta estreita faixa costeira.
Não se trata de estabelecer uma reserva ecológica, trata-se de ajudar a natureza a prosperar, a dar um empurrão forte na criação de mais e melhor peixe. E a seguir, esse peixe já adulto sai e vai para onde pode ser capturado pela frota pesqueira profissional.
A proliferação de pescadores de linha permitiu a cobrança de licenças de pesca e esse valor acrescido foi o suficiente para equipar a Polícia Marítima local, dando-lhes meios de fiscalização eficazes.
Todos pescam, há muito peixe, mas evitam-se as mortandades de peixe para venda, a “pesca à linha lúdica” encapotada.
Garantir a existência de peixe disponível é compatível com uma gestão cuidada dos recursos, dizem eles. E provam-no. As multas são draconianas, altíssimas, e vai tudo apreendido: é barco, é material de pesca, é tudo arrestado. E isso é muito “motivador”…de bons princípios. 
Demarcar uma faixa ecológica de três milhas é proteger a pesca sustentável, selectiva, é atribuir importância aos viveiros de peixe (peixe miúdo cria-se na costa, não em alto mar…) e aos corredores migratórios que são essenciais para a evolução das espécies.
Acaba por ser uma relação win-win, positiva para todos os envolvidos no processo. Todos ganham.
É possível conciliar a pesca e a preservação dos habitats marinhos.
Mais peixe disponível para a pesca lúdica, mais peixe para a frota de pequenas embarcações de pesca artesanal, mais peixe adulto para ser pescado pelos profissionais. Quem faz melhor?


A mantermos a gestão zero das nossas espécies, no fundo aquilo que fazemos hoje, um dia vamos querer fazer melhor e já não haverá nada para proteger.
Fica a ideia, e a vontade de debater razões de ambas as partes aqui no blog.



Vítor Ganchinho


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9 Comentários

  1. Obrigado mais uma vez pelos excelentes artigos e partilha de conhecimento. Na minha opinião a tentativa de implementar esta e outras medidas que tiveram sucesso lá fora irão infelizmente cair em saco roto sem antes existirem medidas para sensibilizar e colocar na ordem do dia o tema da sustentabilidade da pesca em Portugal. Temo que só iremos agir quando for tarde de mais e teremos que esperar muitos anos por resultados palpáveis. Com alguma sorte poderão chegar algumas pressões e imposições por parte da União Europeia, que mitiguem alguns danos.

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    1. Rui Alves

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    2. Boa tarde Rui Alves. Obrigado por vir aqui ao blog dar a sua opinião.


      Vamos assistir a uma verdadeira revolução daquilo que diz respeito à captura de alguns tipos de peixes.

      De acordo com a informação de que disponho, vai ser necessário registar as capturas de cada dia num portal do Estado. Ao que parece isso não acontecer com todas as espécies, mas pelo menos o robalo estará incluído.

      Será dada uma password, um código de acesso a uma aplicação, e o pescador terá de registar as capturas do dia, sob pena de, ao ser fiscalizado, poder incorrer numa multa.

      O assunto está lançado para 2026, mas antes disso haverá sessões de esclarecimento.
      A GO Fishing em Almada irá ser palco desse tipo de acções.

      O Estado português, a exemplo daquilo que acontece já na Europa, quer saber daquilo que se captura.


      Vamos ver....



      Abraço!
      Vitor

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  2. Olá! Obrigado por este artigo que toca num tema sensível, e que provavelmente se agravará num futuro próximo.

    Na minha opinião, o problema reside na falta de fiscalização e preocupação em garantir que as pescas profissionais respeitem o ambiente marinho. Com um mar tão vasto, não se justifica permitir que se coloquem redes tão perto da costa, ao ponto de prejudicarem tanto um dia de pesca lúdica como de eliminarem qualquer forma de vida naquela área que é tão importante para as criações. São necessárias mais reservas naturais e um maior controlo e fiscalização. Se tiver de registar as capturas num programa estatal, como o Vítor mencionou no comentário acima, estou disposto a fazê-lo. Contudo, vejo isso como um pequeno paliativo para um problema muito maior. Não creio que haverá meios suficientes para um controlo rigoroso, nem que o pescador lúdico se preocupará com isso. Será que o pescador terá de registar as capturas no programa do Estado antes de chegar a terra ou antes de arrumar o seu material? Parece-me que a fiscalização só poderia ocorrer nessa altura 😅 ou estou a perceber mal? Ou será que isto se aplica apenas às pescas profissionais? Além disso, o que fará o Estado com esta informação? Deixo aqui as minhas dúvidas. :)

    Muito obrigado e continuação de bom trabalho!
    Rodrigo Cruz

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    1. Olá Rodrigo!! Deixe-me dar-lhe mais alguns dados para que possa ter uma ideia da magnitude de tudo aquilo que está a passar-se:

      Na União Europeia há, grosso modo, 25 milhões de pescadores regulares.
      Esta actividade mobiliza 350.000 postos de trabalho directos, e muito mais de forma indirecta. Deve ler-se que conta quem passa as licenças de pesca, quem fiscaliza a pesca, quem faz trabalho ambiental nomeadamente a recolher plásticos na praia, quem vende materiais de pesca, mas também conta que trabalha no hotel onde o pescador fica alojado, quem serve as refeições no restaurante, quem dirige os aviões onde os pescadores voam para o local de pesca, etc, etc.
      A pesca lúdica europeia movimenta mais dinheiro, se somarmos as despesas directas e indirectas, que a pesca profissional. Somos muito mais pessoas que aquilo que parece.
      E somos uma fonte de rendimentos incrível para o Estado. Para qualquer Estado.

      Ajudamos a desenvolver as zonas rurais, vamos pescar para locais inóspitos, não para o centro das cidades.

      Sobre a questão da aplicação, para efectuar o registo de capturas, ela será obrigatória a partir de janeiro de 2026. Muita água irá correr por baixo da ponte até lá chegarmos.

      Mas vai acontecer. E acredito que teremos fiscalização a sério, paga pela UE e pelas licenças de pesca, de forma a que se tenha uma ideia mais concreta sobre os verdadeiros números da pesca lúdica. Que hoje são absolutamente desconhecidos, como deve calcular.


      Vou manter-me atento e vou procurar dar informações se notar que isso pode ter interesse para alguém.
      O blog é um espaço de partilha de informação, de ideias, e por isso mesmo, e por todas as razões do mundo, quero agradecer-lhe o tempo e a amabilidade que teve em comentar aqui este assunto.
      Obrigado!


      Vitor









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  3. Olá Vitor.
    Estou inteiramente de acordo consigo, quando defende a legitimidade da profissão de pescador.
    No entanto, na zona onde pesco, as redes são mesmo muitas e duvido que seja uma prática legal.

    Como posso saber o que é permitido e qual é a melhor forma de ajudar a combater esse flagelo?

    Obrigado, Paulo

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  4. P.S. Recentemente conversei com alguém da autoridade marítima que referiu fazerem alguma fiscalização entre o pessoal da pesca lúdica, e referiu que os maiores atropelos são o limite de peso total e o tamanho. Há quem de dedique à pesca de robalo sem medida para ir vender aos restaurantes. També referiu (com orgulho meu) que nunca tiveram qualquer incidência entre o pessoal dos kayaks.

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    1. A legislação portuguesa existe, ou não fossemos nós um dos países em que se produz mais
      legislação em todo o mundo. A questão é aplicar, ser capaz de aplicar, essa mesma legislação.
      Os americanos resolveram impondo multas draconianas a quem pisar o risco. Vai o equipamento todo, e acresce uma multa que a pessoa nunca mais se esquece na vida.
      E isso não incentiva à prevaricação.....

      Eles têm peixe. Todas as pessoas que pagam uma licença sabem que vão poder pescar peixes.
      A questão é que para haver peixe a gestão desse stock tem de existir e por isso há limitações às capturas de cada dia.
      Nós também as temos, mas quer, como diz, em relação às quantidades e medidas, quer ao respeito por um defeso que deveria existir aquando das fases de reprodução dos peixes, nada é feito.

      Os franceses lançaram a proibição de deitar redes nas primeiras 3 milhas. Se nós fossemos capazes de o fazer, em 3/ 4 anos teríamos a costa cheia de peixe.
      E isso seria positivo para todos, inclusive para os próprios pescadores profissionais.
      Muito mais ainda para o Estado, que conseguiria arrecadar muitos milhões de euros em taxas, impostos e taxinhas, à conta das deslocações, IVAs de combustíveis, restauração, etc, etc.

      Como diria o tio Guterres, ...."é fazer as contas"....



      Abraço
      Vitor

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  5. que os legisladores o ouçam! :)

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