APETITE EM EXCESSO - CAP II

Mar chão, zero brisa, águas paradas.
Por vezes, as condições de mar estão particularmente adversas para quem pretende fazer uns peixes.
No meu caso pessoal, encaro os dias de mar muito parado como dias de sofrimento.
Pior se estamos a meio do dia, fora das horas certas de maré, ou seja, com uma vazante já iniciada, lenta, e muito pouco pronunciada resultado de luas muito pequenas, ou seja, com muito baixo coeficiente de maré.
São aqueles dias em que parece não haver nada a fazer a não ser esperar por um milagre.
Se a um dia de mar liso, óleo, juntarmos uma arribada massiva de caranguejo pilado no pesqueiro, podemos ter pela frente um entediante e pachorrento dia de pesca.
Mas atenção! Mesmo nesses dias, podemos conseguir peixe!
O caso que vos trago hoje é resultado de um desses dias. Venham comigo ver como um robalo pode “armazenar” pilado até não caber mais e ainda assim lançar-se sobre um artificial.

O ponto de partida é este robalo, com cerca de 2 kgs, nada de extraordinário para a espécie.

Se é verdade que a maior parte do peixe de fundo assume o mar parado como uma oportunidade para descansar e pouco mais, alguns predadores mais polivalentes tentam aproveitar a situação para “encher a dispensa”, leia-se comer até não caber mais. É o caso dos robalos, que são de tal forma flexíveis que os podemos encontrar do mar mais revolto e batido, no meio da ressaca da onda, na espuma, até lagoas, estuários de rios e até estreitos riachos de águas paradas. E um predador que se dá bem em todos estes diferentes habitats é um peixe de hábitos muito elásticos. Haver ou não corrente é um detalhe, e se a prefere, também trabalha bem sem ela.
O caso que vos trago foi passado numa zona apinhada de caranguejo pilado, Polybius henslowii. A coluna de água estava toda ela forrada deste crustáceo e as perspectivas de conseguir algum peixe de qualidade diminuíam à medida que eu descobria mais e mais manchas dele. Da superfície até ao fundo, a água estava repleta de pontos castanhos.
A situação não prometia, mas nestas alturas ainda há algo a fazer: montei uma cana com um vinil e resolvi bater o fundo em forma de pente, a subir e deixar cair o artificial.
Ao fim de alguns minutos, um robalo, razoavelmente bom para trazer para casa, mordeu com força suficiente para cravar o anzol na goela. Os robalos atacam as suas presas utilizando os argumentos que têm: uma boca escancarada enorme e uma forte capacidade de sucção. Os seus dentes não são mais que uma lixa que mal retém os peixes, logo é bom que exista algo mais. E o anzol ficou cravado numa zona onde seria impossível vir a soltar-se, a não ser rompendo a linha. Os fluorocarbonos Varivas resolvem estes casos e o peixe entrou na rede.

Para quem está habituado a pescá-los, não é preciso dizer que este estômago está... dilatado por algo.

Em casa, e porque não prescindo de ser sempre eu a limpar o peixe, reparei que a barriga estava inchada e dura.
Ao primeiro golpe saiu de lá um estômago que exigia um …digestivo”. Estava esticado ao limite da sua elasticidade.
Aberto à faca deixou ver alguns caranguejos pilados, o que não me espantou, tal a quantidade que eu tinha visto na água. Mas não contava que o peixe tivesse um apetite tão desmesurado: contei nove caranguejos de enfiada.

Aspecto de um estômago de robalo …bem preenchido.

Este tipo de crustáceo, sendo pelágico, depende em grande medida da força das correntes para se deslocar. Embora tenham de série duas patas achatadas que lhe servem de barbatanas, de propulsor, isso só por si não seria suficiente para os levar a cumprir as distâncias que podem fazer num só dia.
Quando os caranguejos ficam estacionados numa zona por falta de corrente, e os dias de mar parado são isso mesmo, dão tempo a que os robalos os cacem inapelavelmente.
O que pode dar diferentes estados de decomposição das suas brandas carapaças.
Neste caso, a arribada teria acontecido há pouco tempo pois os caranguejos estavam ainda em relativamente bom estado de apresentação.
Vejam-nos abaixo.

Nove caranguejos, “entubados” num estômago que aparentemente tem mais olhos que barriga.

Pareceu-me estranho que o peixe, depois de se banquetear com tudo isto, ainda tivesse fome para se lançar ao meu vinil.
Na circunstância um peixinho Fish Arrow cor azul, de 4” de comprimento, modelo com que tenho feito algumas dezenas de robalos este ano.
Por mim o robalo já deveria estar a “arrotar” de comida mas nestas coisas de apetite venha o primeiro dizer que não cabe mais nada.
E, já depois de ter lançado ao lixo os nove caranguejos que podem ver na foto acima, voltei para acabar o trabalho. E qual não foi o meu espanto quando, de dentro da goela, saltaram mais dois caranguejos! Eram afinal onze os bichos engolidos, e não nove. Se a isso juntarmos mais o vinil, imaginem a carga de comida que este robalo macho foi capaz de “enfardar” num espaço de tempo curto.


O que nos traz a uma outra questão: a de conseguirmos entender que os ciclos alimentares são tão extremados que conduzem a momentos de euforia alimentar, de autêntico frenesim, em que o robalo se alimenta o mais que pode, mas que a seguir têm a outra face da moeda, a abstinência total. Podem passar dias sem comer e é fácil adivinhar o porquê. 
É também fácil entender que um peixe aproveite sempre a oportunidade que tem à sua frente para armazenar alimento, porque ele não sabe quando e onde voltará a ter uma maré tão favorável.
Pode acontecer uma repentina deslocação massiva de caranguejo, por força de uma mudança dos ventos e correntes, e ele ficará sem nada à mão.
Pode até acontecer que tenha de virar a sua atenção para um tipo de presa completamente diferente, a exigir qualquer outra das suas imensas habilidades de caçador.
Devemos no entanto entender que quando eles estão de tal forma cheios que já não cabe literalmente mais nada, então há um momento para parar, para encostar a um recanto de pedra e esperar. Isso é algo que nos irrita profundamente porque nós enquanto pescadores dependemos em absoluto da sua boa vontade. 
Mas se eles estão cheios, demasiado cheios para não sobrar um milímetro que seja, não há muito a fazer. Nessa fase, podemos lançar-lhe para cima com tudo e mais um par de botas e ele não irá mexer um músculo que seja para nos dar uma alegria.

Por sorte, para mim este robalo ainda tinha um “espacinho” livre na boca para o meu vinil...


Vítor Ganchinho


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4 Comentários

  1. é verdade, tenho capturado bons robalos, em locais inesperados, só porque mantive a esperança.

    mas neste fim de semana, trabalhamos só para a manutenção fisica ... e que esforço.
    "peixe vido, homem morto" é um dito entre os pescadores e é bem verdade. Quando não há capturas, todo o esforço custa o dobro, regressamos derrotados, parecemos uns velhos e situação terminal. E neste fim de semana, achava eu, que iriamos tirar a barriga de misérias. Tudo mentira.

    O q

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  2. O que acho que aconteceu? talvez os pilados sejam mais saborosos na Figueira (como é todo o peixe) e os robalos não tocaram nas amostras. Há dias dos pescadores e outros do peixe 8outro dito) esse foi do peixe XD.

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    Respostas
    1. Se fosse demasiado fácil ninguém pescava....era monótono.
      O desafio e a incerteza estão inerentes à função.


      Abraço
      Vitor

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  3. Esse também é o meu lema XD
    abraço, paulo

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