O ROBALO - ESSE ENIGMÁTICO PEIXE...

Poucos peixes como o nosso robalo, Dicentrarchus labrax, conseguem um consenso tão generalizado de aceitação, admiração e respeito.
E ainda menos são aqueles que pertencem a um clube tão restrito quanto o dos peixes que motivam pessoas a dedicar-lhe todo o seu tempo de pesca.
Ao longo de toda a sua zona de distribuição pelo atlântico nordeste, de norte a sul, existe uma infinidade de clubes de pescadores, sendo por estes considerado o peixe desportivo por excelência.
De resto há em cada país europeu milhares de pessoas que não pescam nada mais que robalos. E em Portugal também é assim.
Chega com pompa e circunstância à mesa dos restaurantes mais finos, é tido como um alimento “gourmet”. O Harrods em Londres vende 100 gramas de filetes de robalo de aquacultura por …30 euros...
E se brilha por aí, mesmo sendo de aviário, então também o nosso robalo legítimo, selvagem, a sério, poderá brilhar na mesa de todos nós.
Pescamo-lo à linha com a firme convicção de que na mesa é um peixe de excelência. E eu que já viajei alguma coisa à volta do globo posso garantir que é mesmo um dos melhores peixes do mundo.
Mas não é só pelas suas qualidades gastronómicas que ele vem aqui ao blog hoje, mais uma vez. Nós queremos saber dele muito antes de o termos no prato. Queremos pescá-lo!

Há quem dê tudo para ferrar um peixe destes. Quanto maior a dificuldade maior a recompensa psicológica...

Encontramo-lo nos mais diversos locais, desde praias arenosas a pontas de rocha, de cais de descarga de pescado a estuários, de peões de pedra a bancos de areia, de entradas de riachos de água doce a cabos batidos pelo vento e pelas ondas.
Na verdade estão em todo o lado, sendo que naturalmente haverá mais e maiores em zonas mais remotas, menos pescadas.
Tratando-se uma espécie costeira, não devemos no entanto subestimar as suas capacidades de profundista: pescam-se robalos a 120 metros de fundo, a jigging.
Crescem até rondar os 14 kgs, e, pese embora estas grandes fêmeas estejam invariavelmente ovadas, não têm qualquer tipo de protecção legal, não existe um defeso estabelecido para a espécie. É uma pena que assim seja.
Por estranho que pareça, e sendo uma espécie que passa grande parte do seu tempo debaixo dos nossos pés, bem encostada a terra, não se sabe tudo sobre ela.
Só muito recentemente passámos a conseguir monitorizar as deslocações do robalo através de sistemas de localização GPS, e isso veio dar-nos dados que não tínhamos.
Sabemos hoje muito mais, onde passam o Inverno, onde caçam, onde descansam, onde desovam, etc. Até que ponto isso pode ser positivo para o robalo e para nós pescadores é algo que não me atrevo a confirmar.
Na verdade, quanto mais soubermos sobre ele menos defesas lhe deixamos, e mais fácil se torna conseguir prever os seus dias bons e dias maus.
Olhando ao grau de consciência ambiental do pescador comum, penso até já sabermos…demasiado.

Pesquei este robalo utilizando um cabeçote de chumbo e um vinil da Fish Arrow. O conjunto foi engolido quase por completo, e a explicação é simples: este peixe não morde, aspira.

Em termos de morfologia tratamos de uma espécie que foi desenhada para sobreviver em condições de dificuldade extrema. Podem sentir-se confortáveis em correntes muito fortes, zonas de extrema turbulência, espuma e grande agitação marítima.
Não valorizamos demasiado o risco mas os espinhos das duas barbatanas dorsais não são tão inofensivos quanto isso. Também o recartilhado cortante que cobre parte dos opérculos também pode fazer muito mal a uma mão atrevida, se desprotegida e sem luvas.
O seu corpo fusiforme indica um peixe talhado para avançar rápido, para atacar bruscamente. É um peixe que passa de uma velocidade zero para um pique alto em muito pouco tempo, em décimos de segundo.
A sua poderosa cauda vagamente bifurcada, ligeiramente grande demais para o tamanho do corpo indica precisamente a enorme capacidade de propulsionar água de forma repentina.
Se a isto juntarmos uma boca desmesuradamente grande, então temos a caçar uma perfeita …máquina de guerra.
O robalo não morde as suas presas, aspira-as. E é de tal forma eficaz a fazer isso que as possibilidades de fuga das suas vitimas não são muitas.
Também a posição avançada das suas barbatanas pélvicas indica-nos um peixe capaz de mudar de direcção muito bruscamente, capaz de fazer autênticos ângulos rectos na água.
Para um predador nada como estar “artilhado” com algo que lhe dê uma vantagem técnica sobre as suas presas. No caso vertente, temos pois um peixe ultrarrápido, com uma boca desmesurada, e com apetite insaciável.
Para um robalo, conseguir fazer a captura de um pequeno peixe é um mero exercício de desentorpecimento dos músculos.

Aqui a montagem do vinil. Como podem ver, a cauda não é bifurcada, é sim uma cauda Shad, o que quer dizer duas coisas: ou que eu não teria demasiada corrente no local, ou que o pesqueiro era baixo.

Pescamos com amostras macias em zonas onde não temos demasiado fundo, e nas quais é possível deixar cair um cabeçote de chumbo armado com o seu inevitável anzol.
A forma como os robalos atacam violentamente estas amostras não dá azo a dúvidas: eles estão mesmo convictos de que estarão a morder um peixe vivo!
Porque a aspiração é profunda, o resultado prático é que o predador quase sempre prende o anzol na goela, normalmente em zonas macias, músculos firmes, onde o bico afiado e a barbela penetram com muita facilidade.
A partir desse momento, e salvo qualquer imponderável de rotura de linha, o peixe tem muito poucas hipóteses de escapar.
Mais uma vez chamo a atenção para a necessidade de ajustar o peso do cabeçote ao pesqueiro que temos perante nós. Pode ser necessário aplicar 30 gramas, no caso de um pesqueiro profundo, mas também pode acontecer estarmos a lançar numa folha de água com menos de um metro, e aí, quaisquer 4 gramas chegam e sobram. Diria até que dificilmente se pode pescar bem se estivermos demasiado pesados.
Há um peso óptimo, e para isso devemos estar munidos de diferentes gramagens de cabeçotes.
A escolha do tipo de cauda do vinil é importante. Caudas bifurcadas para zonas com corrente, ou fundas.

Vejam este filme:

Clique na imagem para visualizar e na rodinha das definições para melhorar a qualidade.

No exemplo da foto abaixo, temos o oposto, um outro robalo que pesquei com uma outra versão do mesmo vinil Fish Arrow. Aí, as condições de mar permitiram a utilização de cauda shad, com pala.

As caudas com “pala” posterior servem-nos bem em dias de águas mais verdes, menos limpas, mas mais calmas. Se temos muita corrente ou pescamos um pouco mais fundo, devemos utilizar sempre caudas bifurcadas.

Engole as presas inteiras, sem as mastigar, pelo que é perfeitamente possível conseguirmos perceber no seu estômago a diversidade de seres vivos a que chama alimento.
Esse é um detalhe que não deixo ao cuidado de ninguém, o de arranjar o peixe do jantar. Dessa forma obtenho informações que me serão úteis a seguir, quando for procurar outros robalos. Analisar o conteúdo do seu estômago é algo que não dispenso nunca, para mim funciona como uma autópsia forense. Aquilo que é normal encontrarmos são os inevitáveis caranguejos pilados, inteiros, e quantas vezes acabados de engolir.
Sardinhas, pequenos carapaus, cavalas, biqueirão, galeotas, camarões, cabozes e outros pequenos peixes de fundo, lulas, chocos, e alguns anelídeos, vulgo “minhocas”.
Tudo isto numa amálgama de bichinhos inteiros engolidos recentemente ou semi-digeridos, já com um ou dois dias de ácidos gástricos em cima. Se nos detivermos a analisar e meditarmos um pouco sobre o conteúdo estomacal de um robalo, podemos entender o seu percurso de caça nos últimos dois a três dias.
Se encontramos um casulo, uma cavala, ou ainda um pequeno peixe-agulha, isso quer dizer que o robalo passou por diversos patamares de fundos. Descobriu num extracto inferior o casulo, ou seja, andou a comer pelo fundo, eventualmente passou a outros níveis de água, e surgiram-lhe as cavalas, e se há peixe-agulha miúdo no estômago, então certamente andou também a caçar à superfície. É o estado de decomposição de cada elemento que nos indica o que aconteceu e quando.
E se formos ainda mais atentos e soubermos ligar os períodos de luz, o dia e a noite, com as marés, então podemos ser ainda mais precisos. Com algum rigor, podemos perceber que o peixe andou a supervisionar diferentes capas de água, eventualmente algumas durante a noite e outras já de dia.
É pois perfeitamente possível rastrear o seu percurso, atendendo ao que o seu estômago comporta, e com isso fazer um roteiro e preparar a pesca a outros peixes que andem na zona.
O comportamento dos robalos é muito padronizado e em espaços de tempo curtos, eles são algo... previsíveis.

Neste caso aquilo que o perdeu foi uma imitação de uma pequena sardinha. Não esqueçam que por norma só temos uma oportunidade de cravar um destes peixes, um só ataque,  e por isso o grau de afiamento do anzol deve ser irrepreensível.

Os robalos são muito sensíveis às oscilações de comida disponível, porque têm de o ser. Se não há sardinha, irão procurar cavalas. Se não há galeotas enterradas na areia haverá algum casulo mais descuidado.
E se a água acalma e dá condições para caçar à superfície, minúsculas tainhas e alevins de muitas outras espécies também lhe servem de alimento.
É a disponibilidade de comida que determina o patamar em que evolui, até mais que o estar dentro de parâmetros aceitáveis de segurança e conforto térmico.
É muito natural que estes peixes procurem as termoclinas de águas mais aprazíveis, para que não percam demasiadas energias a aquecer o corpo, mas em alguns países do norte da Europa o robalo pode por vezes suportar temperaturas próximas do zero.
E quanto a segurança, digo-vos que já os vi fazer coisas que atentam bastante contra a sua própria sobrevivência... sobretudo em mar formado.
Na minha opinião nem sequer é a disponibilidade de alimento mais fácil que determina a faixa de água para onde se dirigem. Mais que isso, eles parece terem gostos muito bem definidos, e se houver essa possibilidade não hesitam.
Aparece uma arribada de caranguejo e serve, mas se a seguir entram as lulas, o robalo vai por elas. São loucos por lulas pequenas.
A seguir, quando abrimos o peixe, vamos encontrar uma eventual mistura de presas e por ela passamos a ter uma noção geral do tipo de trajecto que o robalo fez.
Não esqueçam que alguns dos seres terão um tempo de decomposição mais acelerado que outros, pelo que devem relativizar os resultados obtidos.
É quase certo que uma lula estará mais decomposta que um caranguejo, degrada-se mais depressa, pese tenha sido ingerida depois. A carapaça dura do caranguejo protege durante mais tempo o interior do ataque dos sucos gástricos que a fina pele da lula.
Também a altura do ano nos pode ludibriar, pois não será indiferente que o peixe se encontre a fazer a digestão em águas geladas, ou águas quentes.

Pequeno robalo capturado com um vinil em águas relativamente baixas.

Vamos no próximo número falar um pouco da visão do robalo e suas limitações.
Vão ver que há dados interessantes a descobrir.


Vítor Ganchinho


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