Quando queremos muito uma coisa, quando a desejamos com todas as nossas forças, procuramos saber tudo aquilo que nos possa conduzir a ela.
Nestas coisas de pesca, ter informação é vital e pode fazer a diferença entre o sim ou não. E se o tema é um peixe ambicionado por todos, o robalo, estar um passo à frente é fundamental.
Por vezes basta-nos conseguir entender o porquê de algumas das suas reacções para termos na mão alguma vantagem. Entender as suas limitações mas conhecer também os seus pontos fortes ajuda-nos a perceber quando vale a pena, ou não, perante determinadas condições de mar, insistir na sua captura.
Nesta série de três artigos, vamos estudar detalhes que nos irão ajudar a compreender um pouco melhor este incrível peixe.
Um factor que me merece uma particular atenção é o olho do robalo.
Aquele globo redondo e escuro tem para mim algo estranho, enigmático.
Encerra em si detalhes que são verdadeiros quebra-cabeças pois quanto mais sei sobre ele mais dúvidas se levantam.
O facto de ser razoavelmente grande indica que o seu proprietário tem, ou pode ter, se quiser, hábitos nocturnos. Porque nos encontramos no verão e porque as águas estão a uma temperatura amena, diria que os seus hábitos serão até essencialmente nocturnos.
Nesta altura do ano, os robalos comem mais à noite que durante o dia.
Todos nós sabemos das pescarias de arromba feitas nas noites de luas mais pequenas. Pesqueiros baixos, com cascalho, areão grosso, ou baías com remansos de água onde existam estacionados cardumes de peixe miúdo, são pontos quentes onde os robalos entram a meio da noite, a coberto do escuro.
Podemos tê-los em pesqueiros com menos de meio metro de água, e quanto mais escura a noite mais probabilidades de termos os grandes, os peso-pesados, a deambular por essas zonas. O escuro ajuda-os, dá-lhes confiança.
Tanto quanto sei, o seu sistema ocular é altamente eficiente nestas condições de reduzida luminosidade. Ver bem é sempre essencial e mais ainda para um peixe que pretende caçar à noite. E tudo melhora se o seu sistema lhe permitir ver …a cores.
Poder identificar presas híper camufladas, ser capaz de as separar, de as destacar, do meio envolvente, a cores, é de facto uma vantagem. Mas podem os robalos ver a cores?
Vamos ver sucintamente algo sobre a constituição do olho do nosso robalo.
A esta hora, com a água assim calma, a queda de uma amostra muito ligeira, sem pala, é uma perdição para um robalo. |
Até às três semanas de idade, as larvas do robalo possuem no seu olho apenas cones únicos. Isso limita estritamente o peixe a visão diurna e torna impossível a sua alimentação noturna. Não conseguem ver.
A retina do robalo adulto tem já características diferentes, ela contém abundantes bastonetes e cones de grande dimensão, bem como uma membrana lipídica chamada de tapetum lucidum.
Esta membrana na parte posterior do olho reflete a luz de volta para a retina, permitindo ver à noite.
É também ela que faz com que a pupila brilhe no escuro, como fazem os olhos dos nossos cães e gatos. Certamente já repararam que à noite, ao apontarmos uma lanterna aos olhos dos nossos animais de estimação, eles brilham. Os olhos dos robalos também.
Inúmeros animais que fazem a sua vida à noite adoptam este tipo de estratégia evolutiva, porque resulta bem. As raposas também o fazem, e por isso os faróis dos nossos carros fazem com que os seus olhos brilhem.
Podemos ir mais longe e tentar perceber de que forma um peixe pode ver em situações tão contrastantes quanto a noite e o dia. Já pensaram bem o quanto é diferente a quantidade de luz que temos à noite e a meio do dia? E no entanto, há animais/peixes que são capazes de ver em ambas as situações. Como fazem?!
A adaptação a diferentes brilhos, ou seja, à luz diurna forte e à escassez de luz nocturna, é feita modificando os ritmos da melatonina no plasma, (a melatonina plasmática aumenta à noite e a melatonina ocular aumenta durante o dia).
Não devemos todavia ser tão radicais ou taxativos que não possamos admitir que há noites de luar muito claras, ou dias de céu carregado cor chumbo, em que os níveis de luz não são pretos ou brancos. São intermédios…
Sim, durante o dia também é possível que as condições de visibilidade sejam muito baixas, basta que as águas estejam barrentas, com lama, carregadas de sedimentos, ou que a quantidade de zoo e fitoplâncton seja excessiva.
Pese embora eu tenha tirado esta foto perto das duas da tarde, as condições de visibilidade eram baixas. E muito mais baixas no fundo… |
Há algo que não sabemos, pese os estudos feitos: a sensibilidade dos fotorreceptores a diferentes comprimentos de onda é desconhecida.
Há no entanto uma crença generalizada de que o robalo tem grandes probabilidades de ter visão a cores, mesmo à noite.
A anatomia do olho e as respostas comportamentais (preferências de cores) apontam para a sua capacidade de discriminar diferenças de cores.
Isso é essencial para detectar presas. A maioria dos peixes predadores faz isso vendo o contraste da comedia, peixes miúdos, lulas, com vários fundos coloridos, areia, rocha, algas, etc.
A retina, uma camada de tecido extremamente fino e delicado que reveste o interior do globo ocular, é composta por neurónios.
Entre as múltiplas camadas de neurónios que formam esta dita retina, as células fotorreceptoras, diretamente sensíveis à luz, são fundamentais e podemos considerar existirem dois grandes tipos: bastonetes e cones.
Os bastonetes funcionam predominantemente com muito pouca luz e proporcionam visão a preto e branco. São eles, os bastonetes, quem auxilia o peixe a ter visão quando as condições de luz que lhe chega são ínfimas.
Já os cones auxiliam na visão diurna e na percepção das cores.
O processo é bem conhecido e não difere muito do sistema de visão humano. No fundo, os neurónios convertem a luz que é captada em sinais elétricos. Estes, por sua vez, são depois enviados ao cérebro através do nervo ótico para formar aí as imagens visuais.
Isto nada tem de novo, nós fazemos isso milhões de vezes todos os dias. Mas os robalos também.
Resumindo, o peixe reage a estímulos visuais interpretando no seu cérebro os sinais de luz que recebe através da retina. Posso dizer-vos que a retina do robalo contém um composto químico chamado rodopsina, responsável por converter a luz nos impulsos elétricos que o cérebro interpreta como visão.
É um processo algo complexo, que motivaria muitas páginas, e que por isso sai fora do âmbito deste trabalho, mas tudo isto é muito conhecido, o robalo é um dos peixes mais estudados em todo o mundo.
Mas será apenas a visão o único ou o mais determinante factor físico responsável pela sua eficácia enquanto predador? Não me parece.
Diria que o armamento do robalo funciona como um todo, sendo a sua boa visão um argumento mais a juntar a um vasto conjunto de remarcáveis capacidades físicas.
Em acção de caça, não consigo ter certezas quanto à preponderância da visão sobre outros sentidos por uma razão simples: como poderemos isolar a visão dos seus restantes meios de detecção de presas?
Que grau percentual de prevalência pode ser atribuído ao factor visão?
Sendo os seus olhos permanentemente banhados pelo meio líquido em que vive, obviamente não necessita ter glândulas lacrimais ou pálpebras. Ou até por graça e absurdo …pestanas!
Na proximidade das grandes cidades, os níveis de luz nunca baixam a níveis que impeçam um robalo de caçar... à vista. |
Que quota-parte decorre do efeito de detecção de vibrações feito pela sua sensível linha lateral? E que dizer da qualidade do seu ouvido interno?
Quando os vemos em acção predatória, nervosos, excitados, a disparar diretos a uma presa, aquilo que está à frente dos nossos olhos é mais que um caçador que detectou com os olhos a sua vitima, é um peixe decidido, focado, e ultra equipado de diversos acessórios de combate.
Há muita informação a ser processada ao mesmo tempo e não necessariamente apenas uma imagem visual.
Se reagem bem a amostras lançadas na noite mais escura, isso poderia querer dizer que sim, têm uma boa visão. Mas será só isso? Só assim?
Numa análise rápida, porventura algo precipitada, é verdade que sim, poderíamos atribuir uma nota bem positiva às capacidades visuais deste peixe.
Mas o robalo tem algumas limitações técnicas ao nível da visão. Aqueles olhos redondos e escuros podem girar nas órbitas dando ao robalo a possibilidade de conseguir discernir objectos, sim, mas com muitas limitações. O ângulo de observação frontal é reduzido.
Pensem no seguinte: cada um dos seus olhos está simetricamente situado num dos lados da cabeça. Logo, cada olho vê uma imagem diferente. Aquilo que surge do lado esquerdo do peixe é detectado pelo olho esquerdo e no caso inverso, à direita, pelo olho direito.
O olho esquerdo do robalo não lhe serve para ver o que se passa à sua direita, e o inverso.
Custa-nos a imaginar como isto é possível, como funciona, porque nós humanos temos os dois olhos alinhados num mesmo plano, e ao mesmo nível, horizontais, o que quer dizer que cada um dos nossos olhos tem uma percepção imediata e similar de um objecto à nossa frente, ao mesmo tempo.
Mas no caso de olhos colocados em lados opostos, não é assim. A visão passa a ser monocular, e por isso sem perspectiva.
O pouco que os olhos do peixe conseguem girar nas órbitas dar-lhe-á uma visão de âmbito binocular, mas ainda assaz limitativa. Não há ângulo suficiente para os olhos rodarem para a frente e captarem na perfeição o ponto onde se encontra a presa que pretendem caçar.
Exactamente à frente da cabeça, o robalo vê mal.
Este peixe não vê bem algo que esteja mesmo em frente e precisamente a meio da sua cabeça. Mas ainda assim caça e é eficaz. Logo, não são só os olhos... |
Vamos continuar a trabalhar este tema no próximo número do blog.
Até lá!
Vitor Ganchinho
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