SENTIDOS DOS ROBALOS - CAP II - A VISÃO, A QUALIDADE DA ÁGUA E A LINHA LATERAL

Temos ainda a considerar que as características do meio líquido irão influenciar de per si a qualidade da visão do nosso robalo.
Quando temos águas super limpas tudo lhes é facilitado, mas nós sabemos que quase nunca é assim. 
No nosso Atlântico querido as águas estão quase sempre tapadas, diria mais para o verde que para o vidro.
Esta suspensão quase permanente é uma mistura de lodos, de zoo e fitoplâncton, de areia, etc. Infelizmente, sobretudo se perto dos rios, uma pequena parte serão também dejectos, descargas industriais ocasionais, em suma, de poluição. Por outras palavras, temos regularmente águas turvas. Esse é o padrão. 
Mais ou menos turvas consoante a localização do nosso spot de pesca em relação ao mar. É comum que os rios e suas saídas estejam muito mais turvas que as zonas de mar aberto à sua frente pois os sedimentos que saem à foz acabam por se diluir na imensidão da água do oceano. 
A partir de um dado momento a água passa a estar limpa, mais perto ou mais longe da costa, consoante tenha existido mais ou menos agitação atmosférica. Chuvas fortes, ventos, descargas de barragens, são factores que influenciam a limpidez das águas, mas a dada altura estamos no azul, na água de mar limpa.
A grande questão é que o robalo não é um peixe do largo. Sai para fora quando as águas arrefecem muito, procura os fundões em Janeiro/ Março, mas essencialmente é um peixe costeiro, depende em absoluto do alimento que encontra junto a terra, não é um viajante do azul.

Raramente as condições de visibilidade são as melhores, como estas.

Se o nosso robalo tem hábitos nocturnos, (de resto é um peixe essencialmente nocturno), é de esperar que ainda esteja activo aos primeiros raios de sol. Reparem nas palavras “ainda activo” em vez de “já activo”...
Logo por azar nosso, nessa altura, ao raiar do dia, a quantidade de luz que chega ao nosso pesqueiro nem é muita. Quando o sol se começa a mostrar no horizonte, os seus raios irão incidir obliquamente sobre o plano horizontal de água. 
Poderia complicar-vos mais a vida afirmando que existe agitação marítima e que por isso mesmo a luz irá perder-se em parte, sofrendo refração de uma onda para outra, mas porque sou vosso amigo, vamos apenas considerar que a água está lisa, um espelho.
Paulatinamente, minuto a minuto, a luz irá penetrar na água profunda mas, porque os raios de sol estão ainda muito baixos e grande parte deles serão reflectidos para a atmosfera, nos primeiros minutos do dia apenas uma ínfima parte irá passar da primeira capa de água. O ângulo de incidência é ainda muito fechado. 
Caso tenhamos um daqueles dias de inverno escuros, nebulados, então vamos ter ainda menos luz e a coisa complica-se para o robalo. Nós humanos podemos abrir ou fechar as pálpebras, e fazemos isso para focar os objectos, para ajustar a abertura da nossa pupila à quantidade de luz existente. Mas já vimos anteriormente que eles não têm pálpebras e consequentemente nem sequer conseguem alterar a abertura do seu olho.
Logo, a sua capacidade de focar um objecto é limitada e isso pode querer dizer uma visão “pitosga”, meio desfocada. A uma distancia significativa, os robalos são completamente míopes, incapazes de ver o que está à frente deles.
Significa isso que não conseguem atacar as nossas amostras? Nem pensar. Fazem-no e com muita precisão!
Como acontece isso, então?

Esta é a hora em que nem é dia nem é noite….e a muitos outros predadores serve na perfeição. Para quem tem bons olhos, o momento é bom para caçar os que não veem tão bem. Fiz esta foto na Ilha da Madeira, quando lá fui pescar alguns dias.

Por vezes as águas apresentam uma densidade de sedimentos que excede em muito aquilo que são os limites visuais do nosso peixe. O normal, quando consideramos estuários, por exemplo, é que eles tenham apenas alguns centímetros de visibilidade horizontal.
Sempre que o sentido da visão não dá garantias de sucesso, entra em acção uma outra capacidade, a extrema sensibilidade da sua linha lateral, o seu apurado ouvido e ainda o seu incrível sentido do olfacto.
Dentro de todos estes argumentos, aquele que mais nos fascina, porque não o temos, é mesmo a linha lateral.
Isso permite-lhe evitar obstáculos subaquáticos, saber onde estão outros peixes, eventualmente presas, ou predadores, e ainda que seja possível a um cardume de peixes poder orientar-se e fazer opções num mundo líquido tridimensional cheio de perigos e contrariedades.
A linha lateral permite a um peixe ter a percepção daquilo que se movimenta à sua volta, de todo o tipo de vibrações emitidas, quer por potenciais presas quer por eventuais predadores.
É muito subtil, muito sensível, pois dá ao peixe a informação instantânea de vários gradientes de pressão na água circundante. Chamemos a isto “habilidade sensorial”, a qual é alcançada através de células epiteliais modificadas, conhecidas como células ciliadas.
Reparem no quanto isto é útil em águas turvas, onde os olhos não podem ver porque a imagem que lhes chega é algo baça, desfocada. Nestas condições, ter um sentido que responda de imediato a algo que se passa junto ao peixe, por exemplo um deslocamento causado pelo movimento de outro peixe, ou qualquer outra coisa, é extremamente útil.
Por absurdo, reparem que aquilo que as nossas sondas fazem, através de um transdutor, não é muito mais que isto: é captar ecos, e traduzir isso para uma imagem num ecrã, mostrar-nos um conjunto de sinais que podemos ver através dos nossos olhos e que entendemos, que sabemos ler.
As linhas laterais desempenham pois um papel decisivo na caça, na fuga, e na orientação de espaço dos nossos peixes. Vejam como é útil ser capaz de interpretar na escuridão um vórtice de água que foi mexida, movimentada nesse mesmo instante por um peixe que está a centímetros, mas que não é visível.
Se um peixe se desloca no meio líquido, num momento está num ponto e a água envolve o seu corpo, e a seguir muda de posição e a água fecha sobre esse espaço não ocupado. Essa ligeira e quase imperceptível deslocação de água pode ser entendida pelo predador….através da linha lateral.
Mostro-vos uma, para que tenham presente aquilo de que falamos:

Reparem na linha escura que sai da mancha preta desta dourada, e que segue em direcção à barbatana caudal. Isso é a linha lateral, e existe em ambos os lados do peixe.


Esta linha é constituída por escamas porosas, (as quais têm ligadas inúmeras ramificações de sensores nervosos que a ligam ao cérebro do peixe), e por isso é tão sensível. Em algumas espécies, os órgãos receptivos da linha lateral foram modificados para funcionar como electro-receptores, órgãos usados para detectar impulsos elétricos e, como tal, esses dois sistemas permanecem intimamente ligados.
Os peixes sentem as ondas de pressão, e reagem a elas. Para nós é estranho porque não possuímos essas capacidades, mas os peixes conseguem nadar sincronizadamente no meio de um cardume de outras centenas ou milhares de indivíduos. Mesmo à noite. Mesmo sem verem nada através dos olhos! 
É isso que explica que não choquem constantemente uns com os outros.
E mais que isso, são capazes de perceber em ambientes sem qualquer visibilidade se existem cardumes de peixes comedia ao seu alcance. Ou até se anda por ali um eventual predador.
Tudo isso à conta da sua linha lateral.
Mas há mais: eles têm uma tal sensibilidade que conseguem entender a sua posição face à corrente de água.
Falo-vos da reotaxia positiva, a tendência do peixe em nadar contra uma corrente ao longo da linha de fluxo mais forte e manter a corrente com pressão igual em cada lado do corpo.
Se eles se movimentam seguindo uma linha directora, isso não é obra do acaso.

Não é pela visão que um peixe se orienta em águas deste tipo. E todavia, conseguem fazê-lo até …de noite.

Imaginem que um peixe nada exactamente no limiar de uma corrente forte. Se isso acontecer durante o período nocturno, sem que possa ver, ou ter acesso a qualquer elemento visual que lhe sirva de ponto de orientação, ele não conseguiria seguir a direito, provavelmente andaria às voltas, aos ziguezagues… por aí.
Para quem não acredita nisto, então façam um teste: fechem os olhos, coloquem uma venda e em plena noite tentem andar 100 metros. O mais natural é que tenham percorrido essa distância a pensar que que estariam a caminhar a direito, mas na prática não fizeram nada disso.
Podem fazer outro teste: saiam com o vosso barco num dia de nevoeiro completamente cerrado, sem utilizar a sonda ou GPS, e tentem fazer uma milha. Vão ver que na melhor das hipóteses estarão bem longe do local onde pensavam estar.
Com sorte não vão esbarrar o barco contra uma parede do cais, ou encalhar num baixio. A partir do momento em que deixam de ter um ponto visível de referência, acabou…vão para onde calhar.
Sabemos que os peixes se deslocam à noite, e eles fazem-no por isto mesmo, têm a possibilidade de nadar em correntes de água sem perder o seu rumo. A linha lateral possibilita-lhes isso.

Os peixes detectam obstáculos detectando as mudanças de pressão na água causadas pelos obstáculos. Isso permite-lhes navegar à noite sem ver.
Por isso podem passar de um habitat profundo para um outro mais superficial, podem aproximar-se da costa à noite em dias de ondulação forte e seguir caminhos entre pedras, podem caçar. Podem até sentir as nossas amostras e lançar-se a elas!
Gostava que percebessem que isto é uma vantagem enorme, em termos de utilização dos sentidos. 
A água que passa pelas pedras, mesmo em ambiente nocturno, deixa pistas, deixa canais que podem ser entendidos por quem sabe ler os pontos de força de uma corrente.
Da mesma forma que um invisual consegue orientar-se numa cidade, por saber ler através da sua bengala, também os peixes podem prescindir da sua visão, se as condições forem de tal forma ruins que a isso obriguem, sem ter de deixar de se alimentar. Basta-lhes saber entender o meio que os envolve e para isso, a linha lateral é para eles a nossa sonda/ GPS.

Reparem nas linhas de força desta água. Não é um plano liso e de sentido único, é sim o resultado de uma escoa que flecte e deflecte água a bater nos obstáculos.

Nunca devemos esquecer que um predador é uma máquina de guerra sempre pronta a avançar para a sua presa. Assim aconteça o “click” certo.
E para isso, eles contam com uma infinidade de armamento de combate, coisas que nós só agora começamos a entender. A questão da linha lateral é de extrema importância para quem quer pescar peixes, nós pescadores, porque em muitas situações é ela que nos explica as reacções do peixe ao que acontece à sua volta.
Vou mais longe: os nossos robalos caçam muito por estimulo de movimento. Quando lançamos uma amostra, estamos a desafiar as suas capacidades físicas.
Da mesma forma que podemos convencer um gato a atacar uma bola de papel atada a um fio, arrastando-a pelo chão, dando-lhe esticões, também podemos convencer um robalo a atacar a nossa amostra, se soubermos trabalhá-la da melhor forma. E isso depende de nós. 
Eu faço cursos de pesca ligeira em que mostro isso mesmo aos meus convidados. 
Há pessoas que não entendem isto. Se nós deixarmos a bola de papel imóvel, amorfa, estática, o nosso gato não tem o menor estimulo para tentar capturá-la. Desinteressa-se.
O mesmo se passa com o robalo. Eles detectam imediatamente uma amostra que cai na água, por mais leve e pequena que seja. A partir daí, cabe-nos a nós ser capazes de o estimular a atacar.
Há quem lance amostras com pala e confie a esse acessório todo o trabalho de excitação. Lançam e enrolam linha. Mas isso é eficaz uma vez, não o é muitas vezes.
É da qualidade da movimentação dada à nossa amostra, do grau de excitação que soubermos imprimir ao nosso artificial, que podemos ter ou não mais resultados na nossa pesca.
Para conseguirmos convencer um robalo a atacar, ou bem estamos no momento em que ele está a caçar para se alimentar, à hora de maré e momento do dia certos, ou para o “levantarmos” da sua letargia vamos penar muito.
Uma amostra lançada para o fundo e que fica por ali, estática, não desperta interesse nenhum num predador, qualquer que ele seja.
Da mesma forma que um peixe forragem pode ficar mais seguro se permanecer estático do que tentar escapar fazendo movimentos erráticos, descoordenados, que de alguma forma sugiram ao predador que está ferido ou diminuído fisicamente.

Até aqui penso que é pacifico concordarmos que o meu raciocínio não pode estar muito errado.
Vamos ver a seguir nos próximos números como este conjunto de conhecimentos influência a nossa pesca.


Vítor Ganchinho


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