SENTIDOS DOS PEIXES - O OLFACTO - PARTE III

Quando saímos a pescar, nem sempre as águas estão limpas, com visibilidade de muitos metros.
Isso é frequente na Madeira, Porto Santo, e nas nossas ilhas dos Açores, onde a limpidez é remarcável, mas diria que na nossa costa continental raramente assim é.
De tal forma a visibilidade é escassa que nos melhores dias não excede a dezena de metros, enquanto que noutras latitudes ela pode mesmo ultrapassar as quatro dezenas.
Por cá, em situações normais, o habitual excesso de sedimentos diluídos no meio líquido impede a luz solar de penetrar em profundidade. Quanto mais fundo pior porque a capacidade de penetração dos raios solares diminui a cada metro, é absorvida, e por isso em baixo pode estar um breu quase absoluto.
Muitas vezes existe colada ao fundo uma absurda concentração de massa vegetal depositada, espessa, que impossibilita mesmo a respiração a seres que dependem do oxigénio captado para sobreviver.
Quando lançamos uma amostra a um peixe e esperamos que ele a veja, muitas vezes não estamos a fazer mais que a pedir um milagre. O fundo do mar pode ser um lugar difícil para se estar. E, mesmo durante o dia, muito… escuro!
Isso dificulta ou pode mesmo obviar a que o sentido da visão possa ser utilizado para além de uma ínfima distância.
Exactamente por isso mesmo, aos peixes nem sempre lhes é possível conseguir discernir aquilo que está à sua frente, e porque disso depende a sua alimentação e em fim de linha a sua própria segurança, eles estão equipados com uma série de outros órgãos de alta sensibilidade e precisão. E utilizam-nos.

À frente do olho e por baixo da “bandolete” dourada podem ver um orifício. É o início do seu canal olfactivo. 

Aquilo que não seria entendível era que os peixes tivessem de esperar a regularização das condições para terem de novo possibilidades de se alimentar.
Porque a duração desses fenómenos não tem um prazo marcado, acontecem quando menos se espera e desaparecem quando as condições o propiciam.
Assim, se por algum motivo a visibilidade das águas altera para níveis insuficientes, por exemplo à conta de uma repentina chuvada, e da natural escorrência de rios ou riachos afluentes, ou por força de uma descarga de barragem, por força de uma enorme tempestade de vento a levantar ondas a muitos metros e partir muitas algas, com a consequente turbidez das águas, ou por uma proliferação anormal de fito ou zooplâncton, (facto que ocorre sobretudo no verão com águas muito quentes), pode acontecer que os peixes realmente sejam forçados a prescindir da sua visão e necessitem de alternativas sensoriais.
É aí que entra a sua hipersensível linha lateral, o seu ouvido e o olfacto, os quais, em situações limite, equilibram qualquer momentânea baixa de acuidade visual.
Através das narinas os peixes conseguem captar as partículas de odor, os cheiros, e fazem-no quer em movimento, quer mesmo quando parados, já que a corrente também lhes traz a si essa informação.
O epitélio olfativo está localizado na frente da cabeça, é uma cavidade nasal visível do exterior e protegida por mucosas. Trata-se de um tecido ultra sensível, carregado de células receptoras em constante contato com o ambiente aquático e que ligam por intermédio de ramificações nervosas ao cérebro do peixe.
Em condições de escassez de luz, ou águas muito tapadas, o olfacto pode ser mesmo ser muito mais importante que a visão.
Nas noites mais escuras, em que a luz da lua não brilha, aqueles que pescam ao fundo com isca sabem que o peixe irá encontrá-la, e seguramente não o fazem à conta dos olhos.

Há locais na costa em que a visão de pouco serve...

As nossas douradas são absolutamente incríveis na sua capacidade de detecção de odores. Mas não estão sós. Testes feitos em salmões, indicam que o seu olfato permite distinguir moléculas odoríferas na concentração de 1ppb, ou seja, 1 molécula num bilião de moléculas. É incrível! Trata-se de distinguir 1 em 1 000 000 000 moléculas. É ser capaz de detectar uma em mil milhões de moléculas!
Para nós resulta estranho que assim seja já que não conseguimos sequer cheirar debaixo de água. Mas eles fazem-no e algumas espécies utilizam até esse factor para passar informação a outros do mesmo cardume, quando em situações de perigo ou possível stress, libertando uma substância chamada ‘schrecksoffen’. Essa composição química serve como alarme aos outros peixes, indicando que existe perigo iminente. Os sargos fazem isso na perfeição, quando, por exemplo, se alimentam sobre os bancos de mexilhão e surge repentinamente um predador.
Para quem mergulha e tenta caçá-los é fácil entender isso, porque ao sermos detectados por um deles, todos mudam de atitude, e, sem nos verem, é como se já tivessem obtido a informação de que estamos ali.
Convém pois pensar no peixe como um ser portador de vários sistemas de apreensão de dados. Não nos é conveniente tentar entendê-los como formas de processamento de informação separadas, independentes, já que a “artilharia” de meios sensoriais é frequentemente utilizada em bloco, de forma conjunta.
A linha lateral é outro dos sistemas e será objecto de análise em separado, noutro artigo. Vejam-na em baixo.

Nesta dourada é perfeitamente visível a linha lateral esquerda, a qual vai da cauda à mancha escura, junto ao opérculo. Reparem no pontilhado escuro que percorre todo o flanco do peixe. É isso. Existe uma imensidão de ramificações nervosas, uma…”cablagem”, que liga todos estes pontos ao sistema nervoso central.

Nunca esqueçam que eles enfrentam dificuldades sucessivas, todos os dias e a todas as horas. A vida nunca lhes é fácil! E se hoje a água se apresenta de uma cor, amanhã muda e aparece com outra. Os ventos e as correntes são os grandes responsáveis por isso.
Para que fique o registo, a cor das águas pode mudar de acordo com o tipo de fenómeno que ocorre, e até a sua localização geográfica.
Assim, temos que o mar de cor acastanhada acontece porque essa cor é comum em áreas próximas à desembocadura de rios, onde há uma grande quantidade de sedimentos de minerais ricos em ferro, os quais dão à água uma cor lamacenta.
Esses sedimentos desprendem-se das rochas quando elas são lavadas pela água e se acumulam nos riachos, indo depois por efeito da gravidade para o mar, conferindo-lhe os vários tons de castanho.
Já o mar de cor verde, aquela cor esverdeada típica das águas quentes, acontece dada a presença de muita matéria orgânica dissolvida ou de fitoplâncton, conjunto de algas microscópicas que vivem dispersas na água e constituem a base da cadeia alimentar marinha.
Esses organismos possuem clorofila, o pigmento responsável pela fotossíntese, que todos sabemos apresentar-se na cor verde.
Já o mar vermelho, é chamado assim porque organismos do plâncton, como algumas cianobactérias, o dinoflagelado Gymnodinium sanguineum e o ciliado Mesodinium rubrum, têm um pigmento chamado ficoeritrina, que em grande densidade podem deixar a água avermelhada.
Também a concentração de posturas de caranguejo pilado, Polybius henslowii, quando em concentrações de milhões de indivíduos, pode, por força da biomassa que flutua em suspensão, originar “marés vermelhas/ laranjas”.
Algumas entradas de algas, sobretudo quando o mar mexe bem e as parte, arrancando-as do fundo, podem também pintar o mar com a sua cor muito característica.

Vejam este filme feito pelo meu colega de pesca Carlos Campos, no Algarve:

Clique na imagem para visualizar e na rodinha das definições para melhorar a qualidade.

Nestas condições acima referidas, quando a concentração de elementos diluídos na água excede em muito o razoável, o sentido da visão deixa de ser um factor preponderante e passa a algo perfeitamente secundário.
Para um predador, alguém que vive de ser eficaz a caçar outros seres que se movem, que procuram escapar-lhe, a questão “falta de visibilidade” é algo que o poderia matar de fome. E no entanto, eles sobrevivem.
A audição, o olfacto e a linha lateral podem colmatar a falta de um sentido que a nós humanos nos parece imprescindível.
Mas atentem nisto: um humano invisual aprende rapidamente a utilizar outras forma de se deslocar, de entender o mundo que o rodeia. A necessidade a isso obriga, e ao peixe, as condições ambientais adversas levam-no a recorrer a outros meios. Nomeadamente ao olfacto.
Peguem num qualquer robalo que venham a pescar e analisem o posicionamento das narinas. Estas, bem visíveis para quem tem o peixe na mão, consistem em um par de pequenas ranhuras, uma de cada lado da cabeça.

Vejam-nas no exemplo abaixo:

Em frente ao olho deste peixe podem ver perfeitamente uma das entradas das suas duas narinas.

Vamos continuar no próximo número a “esgravatar” neste tema.
Até lá.


Vítor Ganchinho


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