É verdade que eu podia escrever tudo aquilo que leram anteriormente num só artigo, condensando, reduzindo, omitindo informação.
Parece-me bem mais razoável dividir por troços, segmentar, até porque isso me possibilita esmiuçar um pouco mais alguns detalhes.
Por isso vamos já com quatro partes neste tema, e nada garante que fiquemos por aqui. Mas adiante.
Vamos continuar a ler informação sobre os nossos queridos peixes, das suas aventuras e desventuras, porque a sua vida efectivamente dá um livro.
Ok, uma coleção de milhares de livros...
Os peixes são dotados de um excelente olfacto e isso é mais um adicional, um plus, na procura de alimento.
Quando a capacidade de detecção é muito exacta, qualquer ínfimo aminoácido libertado pela presa é referenciado. Eles fazem isso porque estão muito bem equipados de série.
As fossas nasais são revestidas com dobras de pele, ajustadas de forma a proporcionar uma maior área de superfície de contacto com os cheiros. Podem assim transmitir mais e melhor informação aos órgãos do paladar e do olfato.
Os nossos peixes detectam odores que nós humanos nunca seríamos capazes de entender.
Podemos usar isso a nosso favor!
Quando pescamos em águas menos limpas, dar ao peixe uma referência olfactiva pode ajudar.
Imaginem que estão a pescar com um vinil e um cabeçote de chumbo leve. Estão a fazer pesca ligeira, a lançar para longe e a fazê-lo rocegar o fundo.
Com água turva, é conveniente abrandar a recuperação, para dar mais tempo ao predador para detectar a amostra, e se ele estiver nas imediações, irá encontrá-la.
Mas podemos fazer mais, podemos ajudar a que a encontrem.
Imaginem que guardam alguns dos vossos vinis numa caixa estanque onde introduzem ração para alimentação de peixe, durante meses.
Sim, esse granulado escuro, de cheiro ultra intenso, o qual serve para alimentar robalos e douradas nas piscifactorias. Há empresas a produzir isso no nosso país e não vos é difícil encontrar os vendedores.
Já entenderam. Esse alimento não é mais que um mix de fontes de proteína, possivelmente sardinha, cavala, carapau, em suma peixes baratos e que entram na composição da maior parte dos granulados para aquaculturas.
Para além da proteína e gordura de que são feitos, também são ricos em aminoácidos, o que os torna bastante sedutores para os nossos peixes.
O vinil irá guardar em si o cheiro desse composto, e irá libertá-lo aos poucos. Os peixes são capazes de o detectar a longas distâncias e vai daí...
Podemos guardar alguns vinis dentro de uma pequena caixa estanque e deixá-los a... marinar. |
Como vimos anteriormente noutros capítulos desta série, é verdade que por força das alterações climáticas, a acidez dos nossos mares está a aumentar.
Isso reduz drasticamente a capacidade de cheirar do robalo, mostra um estudo recente, tornando muito mais difícil farejar tanto a comida como eventualmente o perigo se surgir por perto um predador.
O nosso robalo europeu (Dicentrarchus labrax) já perdeu parte do seu olfato porque está hoje exposto a níveis muito mais elevados de CO2.
Níveis crescentes de dióxido de carbono levam a oceanos mais ácidos – o CO2 extra dissolvido na água cria ácido carbónico.
Para a elaboração deste trabalho, socorri-me de alguns estudos de uma equipe liderada por Cosima Porteus, uma simpática e bonita canadiana, pós-graduada da Universidade de Exeter, no Reino Unido.
Diz ela: “Sou fisiologista de peixes e estou interessada em saber como os peixes sentem, interagem e respondem ao seu ambiente, ligando as mudanças ou desafios ambientais à fisiologia, comportamento e ecologia de todo o animal.
O meu trabalho inicial centrou-se nos efeitos do baixo nível de oxigénio (hipoxia) nas respostas cardiorrespiratórias dos peixes e nos seus efeitos no desenvolvimento. Isso despertou em mim o interesse no controle neural da respiração dos peixes.
O meu doutoramento concentrou-se no papel dos quimioreceptores de oxigênio na resposta à hipoxia em peixes que respiram água e ar. Durante o meu trabalho de pós-doutoramento tenho estudado os efeitos das alterações climáticas na fisiologia dos peixes, particularmente os efeitos da acidificação dos oceanos no olfato e na detecção de som (envolve uma estreita colaboração com o Dr. Steve Simpson, um especialista nos efeitos do ruído antropogénico nos peixes).
No meu trabalho actual descobri um novo mecanismo fisiológico de como a acidificação dos oceanos afeta o comportamento dos peixes”.
As nossas amostras apelam a muitos sentidos que conhecemos, ou julgamos conhecer, e a outros que só agora estamos a conseguir desvendar. |
Devemos dar valor a quem o tem.
Bem sei que vivemos num país onde dizer mal é sempre mais fácil que emitir uma posição de admiração e respeito por quem sabe mais que nós.
Sinto que relativamente a esta senhora estamos a dever-lhe algo pelo seu esforço de pesquisa, por ter dedicado muitos anos da sua vida a tentar saber mais sobre os incríveis seres que nós pescamos à linha.
Ela estudou o comportamento do nosso robalo europeu (Dicentrarchus labrax) em águas com duas vezes e meia o nível atual de CO2 – o nível que os especialistas preveem para o final deste século.
Rastreou também as respostas nervosas dos peixes. Embora se preveja que o aumento do CO2 diminua o pH do oceano em apenas 0,3 a 0,4 unidades de pH, os efeitos são claros: na água mais ácida, o robalo teve que estar 42% mais próximo de um objeto com cheiro intenso para o detectar.
Isso quer dizer que podemos esperar ter cada vez mais dificuldades para conseguir obter bons resultados de pesca. A seguir, e porque tudo o que movimenta dinheiro faz evoluir as técnicas e os materiais, a industria irá responder fornecendo equipamentos que possam obviar a essa crescente limitação. As amostras e os jigs com cheiros estão a chegar.
Irão juntar-se aos vinis porque esses de há muito são fabricados com odores de aminoácidos atrativos.
Preparem-se, o futuro vem aí!
Vítor Ganchinho
😀 A sua opinião conta! Clique abaixo se gostou (ou não) deste artigo e deixe o seu comentário.