SENTIDOS DOS PEIXES - O OLFACTO - PARTE I

Para algumas pessoas mais distraídas, águas paradas e limpas, azuis, sem ondas, são sempre prenúncio de muita pesca.
Chamam-lhe…..”bom tempo” e tenho a certeza de que não será difícil encontrar quem jure a pés juntos que só nessas condições será possível pescar bem.
Mas de facto não é assim…trata-se de um engano.
Na verdade quase nunca é assim e se existem excepções, que as há, elas apontam apenas para outras técnicas, como o spinning ou o jigging, a predadores que caçam sobretudo à vista.
O pescador que pesca vertical, em modalidade fundeada, e faz uso de iscos orgânicos, pode pescar num “caldo verde” e pesca bem, dispensando em absoluto o factor “boa visibilidade”.
Tenho para mim que, para quem faz o dito “pica-pica” vertical, limpidez a mais será sempre prejudicial.
E mar parado não ajuda, bem pelo contrário!

Não estamos nem perto de saber tudo sobre estes incríveis seres, e…ainda bem.

Afirmo isto atendendo a que o peixe tem muito mais tempo para perceber as montagens, as quais são, se quiserem concordar, tudo menos discretas.
Sim, são muitos os “penduricalhos” que as pessoas colocam numa baixada, e quase todos com um aspecto muito pouco natural: desde logo a chumbada, as linhas grossas, (sobredimensionadas para a realidade dos peixes que saem), os famosos e brilhantes destorcedores dourados, e as missangazinhas coloridas, mais os “cross-beads” bonitos e as pérolas de travamento antes dos nós, que ninguém sabe para que servem mas que invariavelmente o zeloso pescador não resiste a juntar ao conjunto, para “enfeitar”…
Haja fome e tudo isso se torna quase “invisível”, mas mesmo o mais crente dos peixes não pode deixar de reparar nas bizarrias daquela árvore de Natal que alguém lançou para o fundo.
O principal está lá, a isca, e isso já é um argumento de valor, capaz de convencer grande parte dos peixes. Mas não todos.
Aqueles que já passaram muitas vezes por aqueles carnavais, os mais velhos e por isso maiores e mais pesados, também mais sábios, resistem à tentação de morder e passam ao lado. No mar não falta alimento...
É bem mais fácil enganá-los em situações limite, no meio de um temporal, de agitação marítima, com correntes, ondas e águas tapadas, ou, numa situação particular que muito nos favorece: a meio de um frenesim alimentar, tão típico dos peixes que evoluem em cardume.
Nestes casos acima referidos o tempo é o factor chave, o peixe não pode esperar muito ou a oportunidade passa-lhe ao lado.
Aí, nos momentos de “rush”, os cardumes ficam muito excitados, super agressivos, e por isso menos cuidadosos.
No fundo, as circunstâncias mudam, o cuidado não pode ser máximo porque ele implica em si o abdicar daquela refeição. Os peixes não podem dedicar tanto tempo a analisar o alimento.
Como dizia a minha falecida avó Maria, embora num contexto diferente: “…netinho, no rebanho, ovelha que berra perde a erva para outra”…
Muitas vezes a diferença entre comer ou não comer é uma mera fracção de segundo.

Num cardume com algumas centenas ou milhares de peixes, não há tempo para ser cuidadoso. Isso perde os besugos….e os outros.

A dada altura, o cardume de peixes está tão excitado que os tempos de reacção de cada peixe perante o alimento reduzem a um breve instante.
Vejam o “alvoroço” dos besugos, mas também de muitas outras espécies, algumas bem fáceis de visualizar, o caso dos carapaus, ou das cavalas, porque acontecem frequentemente à superfície.
Mas há muitas mais, e o caso dos pampos é paradigmático. Também os agulhas, as choupas, as bogas, etc, podem mostrar-nos à vista como isso acontece. 
Devemos estar atentos a detalhes, saber ler o mar, entender as lições que ele nos dá. 
Para que registem, eu já estive presente ao lado de um destes frenesins alimentares mas mais raros de ver, de …robalos. Robalos de 3 a 4 kgs, muitas dezenas deles completamente enlouquecidos, a caçar cavala miúda, de tal forma que a presença do meu barco, com o motor ligado, lhes passou completamente despercebida.
Percebi ataques feitos a menos de dez metros de mim, com muita espuma, muito sangue, muito desespero, muita cavala a tentar salvar-se saltando fora de água o mais alto possível, mas…com os robalos no seu encalço a fazerem o mesmo.
Resulta fascinante poder fazer parte integrante deste drama, sendo que a última coisa a fazer é lançar uma linha com uma amostra.
O momento não é para isso, é para que nos sintamos verdadeiramente privilegiados por termos a oportunidade de estar ali.

Outros parceiros que entram em frenesim muito rapidamente...

Nestes casos, aquilo que motiva o acto não é apenas a fome, é algo mais e que passa pela activação de um instinto predatório nato.
A falta de visibilidade aguça este tipo de competição, porque lhe rouba tempo. Para que um peixe possa suplantar outro que tem os mesmos argumentos de velocidade e capacidade de manobra, ele terá de ser capaz de reagir mais rápido que o parceiro de cardume, sendo o primeiro a tentar. Isso leva a uma sofreguidão irracional, a um apelo máximo à sua reactividade, a todas as suas capacidades físicas.
O tempo de reacção, sendo minimizado a fracções de segundo, leva a que os pruridos de contemplação da isca sejam tão mínimos que acabam por ser a desgraça do exemplar.
Todos vós já tiveram situações em que os peixes mordem no preciso instante em que a isca/ amostra chega à vista do cardume. É aquilo que vocês chamam de “é só lá bater”…. certo?!
O peixe apenas entende a isca/ amostra, e lança-se desesperadamente sobre ela. Falamos de…competição, ou “frenesim alimentar”.
Pois sim, em muitos destes casos, a ausência de visibilidade ajuda e muito a que estes casos aconteçam. Reduz ainda mais o de si curto tempo de reacção e o resultado é aquele que vocês sabem, uma caixa cheia de peixe.
Repito, com águas tapadas, turvas, é mais fácil que aconteça. Mesmo que isso signifique más condições para o peixe detectar a isca com os seus olhos.
Mas se assim é, se os melhores resultados acontecem em situações de visibilidade reduzida, e se os peixes comem ainda melhor, então isso quer dizer que os peixes podem ver em quaisquer condições?
Não, eles não conseguem “ver”, conforme nós assumimos o conceito de ver, ver com os olhos, aquilo que está à sua volta. Dispõem sim de outros mecanismos que os ajudam a entender o que os rodeia. Os sentidos complementam-se e assumem maior ou menor importância consoante as condições de mar ao momento.
É natural que a audição seja mais importante num ambiente sossegado que no meio de uma tempestade. É natural que a visão seja mais utilizada em águas limpas que em momentos de descarga de lamas, e podemos ainda aceitar que a linha lateral possa ser mais útil que os olhos quando o peixe evolui na escuridão absoluta. Mas não se ficam por aqui as armas disponíveis.

Durante a noite, se se mantiver imóvel esta santola será virtualmente invisível, mas a sua deslocação pode ser ouvida. Os pampos têm bons dentes para quebrar a carapaça e …comem-nas.

Uma delas é o olfacto, e sobre ela posso começar por dizer o seguinte: em inúmeras situações em que a visão é absolutamente inútil, quando por impossibilidade física não funciona, o olfacto é algo que ganha importância acrescida.
Os peixes podem utilizar o olfacto para detectar alimento, ou até um potencial predador.
Para um peixe, perder a capacidade de cheirar pode afetar gravemente as suas possibilidades de sobrevivência na natureza.
E é chegados aqui que vos quero apresentar alguém muito especial, uma canadiana de nome Cosima Porteus.
Ela sabe aquilo que nenhum de vocês sabe sobre as limitações fisiológicas dos nossos queridos peixes. Há pessoas que dedicam a sua carreira académica e profissional a estudar os mais intrincados detalhes sobre peixes. E esta senhora faz isso.
O seu interesse vai no sentido de compreender como os peixes sentem, interagem e respondem às condições do seu meio ambiente. Liga as mudanças climáticas e os novos desafios ambientais à fisiologia, comportamento e ecologia do animal e daí resulta muito conhecimento.
Sendo relativamente jovem, Cosima Porteus está a utilizar uma combinação de técnicas, incluindo fisiologia in vivo, imagens celulares, sequenciamento de alto rendimento, imuno-histoquímica e registro nervoso, em combinação com experiências comportamentais de peixes para obter uma melhor compreensão dos mecanismos que permitem que os animais aquáticos respondam ao ambiente que os envolve.
Mostrou-nos recentemente, por exemplo, que o aumento da taxa de dióxido de carbono afecta decisivamente o sistema olfactivo do robalo europeu.
Estas descobertas têm impactos e aplicações de longo alcance, desde a conservação marinha até à pesca comercial e recreativa. Dou-vos esta pista: por razões que se prendem com factores climáticos, os nossos peixes hoje já não são os mesmos de ontem.
Os robalos que podemos pescar hoje não poderão ser, (não são mesmo!), iguais aos robalos que os nossos pais pescavam.
E porquê?! Porque o aumento nas emissões de gases com efeito de estufa, incluindo o dióxido de carbono (CO2), veio mudar para pior as suas capacidades físicas.
A quantidade de CO2 na atmosfera aumentou nos últimos 100 anos e prevê-se que continuará a aumentar no futuro. Os oceanos absorvem cerca de um quarto do CO2 total libertado na atmosfera e isto, consequentemente, leva à acidificação dos oceanos.
As águas são hoje mais ácidas. Além disso, a temperatura da superfície do mar também está a aumentar como consequência das conhecidas alterações climáticas.
Vamos ver as consequências disto no próximo número do blog.


Vítor Ganchinho


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