ÁGUAS TURVAS - O QUE É ISSO?

Já vimos aqui nos números anteriores o que significa o conceito de “águas turvas”.
Para quem não leu, aqui fica um resumo simples: a turbidez das águas é a medida do grau de em que a água perde a sua transparência devido à presença de partículas em suspensão.
Isto não é mais que o enunciado teórico de algo que nós que pescamos regularmente tão bem conhecemos, e cujos efeitos sofremos na pele. Pescamos mais se as águas estiverem mais limpas, e bem menos se lançarmos as nossas amostras em águas tapadas. Isto é do domínio comum, a maior parte das pessoas sabe disto mas não pensa muito sobre o assunto. De resto, em muitas áreas da pesca à linha, é usual.
Existem explicações técnicas que sustentam factos que o saber empírico permite conhecer, mesmo que a maior parte das pessoas não se desgaste muito a pensar no assunto.
Voltando ao assunto: em suma, quanto mais sólidos suspensos houver na água, mais turva ela parecerá e maior será a turbidez, ou seja, a sua menor visibilidade.
No fim de tudo, a consequência directa para nós é a de não termos tantos toques de peixes, se os limites mínimos de visibilidade não forem atingidos e sobretudo se, enquanto pescadores, não nos soubermos adaptar em termos técnicos a essas exigências de pesca.

No fim de tudo, falamos sempre de oxigénio, minerais, matéria orgânica, etc. Em suma… vida.

Infelizmente para os nossos peixes, as águas turvas trazem muito mais problemas. Existem consequências directas e indirectas e vamos ver algumas delas hoje aqui no blog.
As partículas em suspensão absorvem o calor da luz solar, fixando-o, tornando as águas turvas mais quentes e reduzindo assim a concentração total de oxigénio na água.
Sabemos que o oxigénio se dissolve melhor em água fria e é por isso que os peixes a procuram no verão, afundando, quando o teor de oxigénio das águas rasas começa a ser insuficiente para eles.
E porquê?! Porque acontece isto?
As partículas suspensas dispersam a luz, diminuindo assim a atividade fotossintética das plantas e algas, o que contribui para diminuir ainda mais a concentração de oxigênio tão necessária aos peixes.
Águas quentes, a partir de um determinado ponto, já não são…”habitáveis”. E obrigam a uma deslocação para outros ambientes.
Nada ajuda os nossos peixes, e por consequência, também a nós, que os queremos pescar. Eles mudam e nós também temos de mudar de métodos.
Na prática, o calor excessivo retira-nos pesca. Esse é um dos motivos pelos qual deixamos de ter toques de peixes durante o dia, e sobretudo com o sol a pino, e passamos a fazer melhores pescarias, por exemplo de robalos, durante a noite.
O verão é o tempo do surfcasting nocturno….

As zonas baixas desempenham um papel muito importante na reprodução dos nossos peixes. Quando o calor é excessivo, perdem-se as posturas.

Paralelamente, alguns microrganismos não conseguem sobreviver em águas mais quentes, sufocam, e enquanto e como podem, deslocam-se para as profundidades.
Isso arrasta atrás de si todos aqueles que deles dependem para a sua alimentação. Mais uma vez o pescador de spinning fica limitado nas suas opções, a quantidade de horas em que tem peixes acessíveis reduz aos momentos em que a inclemência do tempo se faz sentir, ou seja, passa a ter apenas os períodos de temperatura mais amena para lançar, uma ou duas horas ao nascer e pôr do sol.
Mas não se ficam por aí os efeitos nefastos do excesso de calor e da falta de oxigénio. Há anos bons e anos maus de reprodução. Existem inúmeras razões para isso, mas aí vai uma delas: muitas posturas dos nossos peixes são colocadas sobre os fundos, e, quando por efeito de uma calmaria de mar as partículas em suspensão assentam sobre eles, tapam-lhes a luz, bastante necessária para o desenvolvimento dos embriões.
A consequência da sedimentação dessas partículas no fundo é terrível, muitos dos ovos dos peixes ficam cobertos e sufocados, ou, no caso de já terem eclodido, as estruturas branquiais dos minúsculos alevins ficam obstruídas ou danificadas...
Isso pode traduzir-se por um ano mau de criação, com os efeitos de “má pesca” posteriores que nos irão afectar.

Das entradas e saídas de água do mar a cada maré depende a vida de milhões de seres vivos. 

Devemos ser capazes de separar aquilo que são “águas verdes”, carregadas de fitoplâncton, com muitas algas em suspensão, daquilo que são outros tipos de suspensão, nomeadamente de minerais levantados por agitação marítima recente. Ou por poluição.
E como já aqui vimos anteriormente, por obra de mão humana, por exemplo a abertura de barragens, e o consequente despejo em água salgada costeira. A água doce proveniente destas descargas irá afectar a vida dos peixes que nós tentamos pescar.
Está tudo ligado...
Por estranho que vos pareça, existem empresas dedicadas a medir a turbidez da água! Normalmente gente que o faz em água doce, rios, barragens, com fins informativos, tendo como princípio de negócio o facto de terem de fornecer dados a entidades gestoras de abastecimento de águas. A quantidade de suspensão interessa a quem tem de apresentar água potável para beber, por exemplo.

A título de curiosidade, passo-vos um dos acessórios que utilizam para medir a visibilidade da água:


Disco de Secchi, é o nome deste aparelho. É introduzido na água suspenso por uma corda, e é registada a profundidade que o disco atinge antes de se tornar invisível.
Isso fornece uma estimativa do nível de turbidez no lago, a qual é medida em NTU: Unidades Nefelométricas de Turbidez.
O instrumento utilizado para medi-lo é denominado nefelómetro ou turbinímetro, o qual mede a intensidade da luz espalhada a 90 graus quando um feixe de luz passa por uma amostra de água.
A medição da turbidez é usada para fornecer uma estimativa da concentração de SST (Sólidos Suspensos Totais).
No próximo número vamos ver alguns detalhes sobre a forma como isso afecta a agressividade como os peixes mordem as nossas amostras. De uma forma ou de outra, tudo o que fazemos na pesca está dependente das condições de mar. Está tudo ligado. 

Há quem se interesse apenas pela fase final, a de lançar uma amostra e ferrar um peixe. Quando não consegue um único toque, encolhe os ombros e diz que "os peixes hoje não estavam a dar".
Há quem queira saber de que forma o comportamento do peixe está condicionado pelas condições que encontra num dado momento. Procuram entender o fenómeno. 
Normalmente essas pessoas pescam mais porque são capazes de se adaptar às dificuldades do dia. Trabalham no sentido de conseguir o que é possível nas condições que enfrentam. São normalmente copiados pelos outros...



Aproveito para agradecer à alma caridosa que colocou um sinal negativo a vermelho num dos últimos artigos desta série.
É sempre bom saber que alguém não aprecia o que fazemos, certamente por saber fazer muito melhor…
Obrigado pelo incentivo. Seja feliz!...


Vítor Ganchinho


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2 Comentários

  1. Bom artigo! Faz sentido! Esqueca a alma caridosa! Arriscaria a 99% que foi por não saber ou distracão. Ainda há pouco estava a ver o artigo no telemovel, passei o dedo na tela pelo não gosto inadvertidamente e fiquei com a ideia que ficou logo selecionado! Há muita gente que não é versada nestas coisas da internet e nem sequer daria conta. Por outro lado se fosse propositado, 1% de certeza que é por mau instinto ou ainda no mesmo sentido por entender que tanto conhecimento dado de forma altruista lhe faz sombra pois pode permitir que alguem apanhe um ou outro peixe que de outra forma lhe cairia na rede/linha! Desse tipo de pessoas nunca terá uma consideração util ou produtiva. De qq modo mesmo na eventualidade remota de ser este caso... é também o caso perfeito para ignorar! Dizia aos meus pequenos que o nosso maior dever na vida é fazer algo pela humanidade, pelos outros! E para isso é preciso preseverança, saber, vontade e capacidade! Por outro lado há pessoas que nao têm, nao querem ter e nunca terão essa vontade, capacidade e preseverança!...

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    1. Bom dia Ribeiro. Sabe que a única compensação de quem gasta horas e horas a escrever, é ter a certeza de que aquilo que está a fazer tem alguma utilidade.

      Eu escrevo para o jornal Noticias do Mar vai para 35 anos, e tenho informações da parte do director, o Antero dos santos, de que os comentários são positivos.
      E por isso continuo a escrever para ele.

      Aqui no blog procuro encontrar temas que não são correntes, que fogem à foto do famigerado balde de peixe miúdo, com uma frase seca.
      Normalmente quem faz isso é quem precisa de protagonismo, quem quer evidenciar uma pesca qualquer que para ele fará sentido.
      Não é decididamente o meu caso, que não preciso mesmo nada de protagonismo, e muito menos ligado a estas coisas da pesca. Para mim, pescar é algo muito sério, e faço-o com uma motivação que vai muito para lá do trazer peixe para casa. De resto, não chegará a 1% das capturas o peixe que entra em minha casa. Ofereço tudo.
      O que no mínimo quer dizer que tenho outras motivações. Uma delas é manter activo o blog, com assuntos que me pareçam interessantes e que decorram da minha prática de pesca continuada. Por vezes vou pescar 5 dias por semana....

      Estou agora a preparar uma série de artigos sobre a questão da memória e comportamento dos peixes que já foram pescados, ou que estiveram ao lado de peixes que foram pescados. Para isso, li quilómetros de documentação, procurei o contacto com gente que estuda este fenómeno há dezenas de anos. No fim irá sair o sumo de todo esse tempo de investigação, e espero que as pessoas gostem.
      Não o podem demonstrar de outra forma que não seja colocar um "like" a verde.
      Se no fim de dezenas de horas de trabalho, se após eu falar com gente que estuda estas questões há anos, o resultado é haver gente que critica de forma seca, sem o justificar, então não vale a pena tanto trabalho.
      Vamos ver.


      Um grande abraço!

      Vitor

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