ENCONTRAR COMIDA EM ÁGUAS TURVAS

Confesso que quando saio ao mar com amigos, uma das coisas que me preocupa é a questão da visibilidade das águas.
Na verdade quando analiso as possibilidades de fazer uma saída só tenho mesmo duas grandes preocupações: o vento, e concretamente a sua intensidade, qual o quadrante, se sopra de oeste, de norte, o normal, de leste, ou seja de terra, ou de sul. E a visibilidade da água.
Sabemos que vento sul traz céu nublado e humidade, eventualmente chuva, aumenta a temperatura da água e do ar. 
Os peixes adoram estas condições, sobem à costa, chegam-se aos baixios e alimentam-se do muito que existe disponível. Grande parte do alimento que existe no mar está nos primeiros metros junto à costa e por isso não admira que, desde que existam condições, tenhamos aí uma grande concentração de peixe.
Tempo bom para quem pesca de kayak, ou mesmo de terra e menos bom para quem sai de barco.
O vento norte, normalmente frio, dissipa as nuvens, traz-nos dias soalheiros, mas arrefece muito a água e isso empurra o peixe para baixo. As nortadas, sendo comuns no nosso país, têm ainda a desvantagem de impulsionar a água que sai à foz dos nossos rios para sul, carregando grandes zonas de pesca de água doce e sedimentos. A visibilidade diminui.
Já os ventos de leste, vindos de Espanha, são quase sempre frios, e francamente não gosto deles para pescar. Mas reconheço que têm a particularidade de acalmar a ondulação, de baixar a linha de superfície da água junto à costa, precisamente por serem contrários ao movimento natural das ondas.
Penso que já terão reparado que a ondulação dominante em Portugal nos chega de Oeste/ Noroeste e assim sendo, nada como um vento persistente de leste para a amainar, para deixar a água lisa e lusa.
O efeito mecânico de uma lestada faz-se também sentir ao nível da visibilidade porque este vento empurra a camada superior de água para o largo, água tapada, e faz chegar à superfície água vinda dos grandes fundos, bastante limpa.
Pescador que é pescador adapta-se a qualquer cenário, e sabe trabalhar cada uma destas variantes, mas não é, porque nunca o poderia ser, igual, indiferente, termos este ou aquele vento.

Fiz esta foto numa viagem recente à Irlanda. Trata-se de embarcação MT a sair para a pesca numa pequena vila piscatória, em Howth. Lá como cá, o modelo de pesca mais tradicional é feito com isca orgânica, ao fundo. Mas eles raramente têm visibilidade para fazer mais, é sempre este "caldo verde", e por isso estão muito limitados.

Porque turvam as águas?

A termos uma definição de “águas turvas” ela seria algo como isto: o grau de turbidez é a medida progressiva do número de partículas em suspensão presentes numa determinada porção de água salgada. Por partículas entenda-se tudo aquilo que pode interferir na visibilidade 100%, quer sejam de ordem mineral, ou de outra ordem, o caso do fitoplâncton e zooplâncton.
A claridade das águas é sempre determinada pela quantidade de sedimentos que existem em suspensão.

Aquilo que nos separa de um dia de mar limpo, transparente, é quase sempre tão só a agitação marítima.
Os peixes estão lá, a água limpa está lá, mas subitamente há um factor extra que também está presente: uma enorme quantidade de matéria orgânica e inorgânica que passa a estar a flutuar, agitada por condições de mar mais agrestes.
Não convém esquecer que temos a rara felicidade de poder contar com muitos rios ao longo de toda a costa, e isso, se turva as águas, também é um factor decisivo na criação de condições para a existência de peixes e vida.
O aluvião trazido pelas chuvas, enormes quantidades de matéria orgânica morta ou inerte, algas, plantas, tudo se deposita no fundo do mar. Quando acontece um factor desestabilizador, esta massa inerte levanta-se e mistura-se na coluna de água.
Quase sempre tratamos apenas de factores naturais, a chuva, o vento, a corrente, as ondas, as vagas, por vezes tudo junto.
Mas podem acontecer alterações na qualidade da água provocadas por nós humanos: a abertura e descarga de uma barragem, o lançamento de resíduos urbanos através de colectores de esgoto, etc, etc.
Também teríamos a considerar questões aparentemente menos importantes como a altura do ano, mas de facto isso pode também contar para esta equação, pois o calor promove a criação de fitoplâncton, e as águas tornam-se inevitavelmente verdes. As águas frias são quase sempre muito limpas, os sedimentos assentam. 
E neste caso é a temperatura o factor decisivo.


Dependendo dos ventos, assim temos maiores ou menores concentrações de partículas em suspensão nos nossos locais de pesca.
E é isso, mais que a ondulação, mais que a temperatura ambiente, se há nuvens ou não, se vai ou não vai chover, o que me preocupa.
É a visibilidade que me faz pensar.
Porque é precisamente esse o factor que irá ser decisivo quanto à técnica de pesca que irei propor a quem sai comigo.
A visibilidade da água pode condicionar um dia de pesca e ser motivo para que, em condições normais, eu decida ir fazer jigging, ou spinning, ou que, antes pelo contrário, prefira antes proporcionar a essas pessoas um dia de pesca comum, com iscos orgânicos.
Confesso a minha relutância quanto a esta última opção, mas se pescar jigging em condições normais já implica da minha parte algumas indicações a quem tem menos experiência, quando as águas estão tapadas o assunto é mais complicado e requer muito mais trabalho. Há que mudar tudo, o jig, o ritmo de recuperação, a forma como apresentamos a amostra, a forma como a deixamos cair, etc, etc.
O jigging, e concretamente o light jigging ou o micro jigging que eu tanto gosto e pratico, ganha muito com o factor visibilidade.
Se não há visibilidade, não deixamos de poder pescar, claro que sim, claro que é possível conseguir peixes, mas não é igual. Os resultados demonstram que não é igual.
E porquê? Porque temos nós de mudar de método quando as águas estão turvas?


Em zonas de águas turvas, a prioridade sensorial dos peixes aponta para que procurem alimento através do seu sentido do olfacto, e através da linha lateral. Devem entender que os sentidos dos peixes não funcionam de forma isolada, antes são activados de forma global, com uma única finalidade: permitir o encontro de alimento.
Se não o podem fazer à vista, fazem-no de forma mais lenta, …como que...”apalpando”. 

Para quem pesca com artificiais, o meu caso, não são boas notícias. Mas não devemos desesperar porque há sempre forma de chegar aos peixes.
É sempre uma questão de forma, de método, de técnica. E de hora do dia.
Mesmo zonas de baixa actividade durante o dia, com sol directo, podem revelar-se interessantes quando as pescamos pela manhã bem cedo, ou quando a visibilidade é reduzida, eventualmente por haver ondulação e suspensão na coluna de água.
Agitação marítima significa presas descobertas, sem camuflagem, pequenos seres forçados a sair dos seus abrigos, e tudo isso são oportunidades a não desperdiçar. Os predadores sabem-no, e tornam-se mais activos.
Não pesquem em águas tapadas da mesma forma que o fariam em águas transparentes!! Se a visibilidade reduz, a velocidade de recuperação da amostra tem de diminuir, certo?!
Quando nós conduzimos em zonas de nevoeiro não reduzimos a velocidade?....
O motivo é o mesmo, não conseguimos ver. E por isso necessitamos mais tempo para poder reagir. O mesmo se passa com os nossos peixes, eles necessitam de mais tempo para conseguirem interceptar a amostra.
Podem aumentar o diâmetro da linha, quer do multifilamento quer do fluorocarbono, pois esse será um factor menos importante em águas turvas.
Se a tendência será a de reduzirmos diâmetros à medida que a água fica mais limpa, no sentido de evitarmos desconfianças que impeçam peixes em ”modo de caça” de se lançarem sobre as amostras, com águas tapadas não necessitamos de tanto cuidado.
Sobretudo para quem pesca de terra em zonas baixas com muita pedra e encalhes, este é um factor importante. As amostra são caras...

Uma linha de água. Fiz esta foto em Benguela, a pescar jigging com o Luis Ramos, e é um bom exemplo daquilo que os ventos e correntes podem fazer quanto à visibilidade do meio líquido.

Águas mistas, claras e sujas, podem coexistir em determinados momentos.
São muitas vezes o resultado de dois corpos de água que se encontram, com diferentes salinidades, de diferentes temperaturas, e certamente de diferentes graus de turbidez.
Os robalos adoram este tipo de habitat! Tiram partido dele, escondendo-se nas águas escuras e saindo daí para as zonas claras de rompante, à passagem de pequenos peixes.
Também zonas cobertas de algas arrancadas das rochas pelas tempestades ficam à deriva e criam barreiras à passagem de peixe miúdo.
Repito, tudo o que lhes posa dar vantagens é por eles explorado até ao limite.
As zonas de águas tapadas funcionam como uma parede, algo que limita a actividade do peixe miúdo, que vê nessas águas um perigo iminente. Sabem que é daí que pode chegar algo de ruim, e por isso não avançam, concentram-se todos no limite da água limpa.
Os robalos sabem disso.
Gostaria que vocês entendessem estes fenómenos como algo que pode dar vantagem a quem os sabe explorar. Neste caso de águas com diferentes cores, aquilo que o predador vê é a possibilidade de se dissimular, e espera que essa vantagem lhe dê de comer, e aquilo que a presa vê é que a entrada naquela água suja pode significar entrar numa zona sem visibilidade, perigosa, e onde a sua vida pode efectivamente estar em risco. Cria-se um impasse e raramente quem ganha é o mais pequeno...

Se me perguntarem se não existem mais factores que determinem a falta de visibilidade subaquática, sim, há inúmeros.
Vamos continuar no próximo número a ver mais detalhes.


Vítor Ganchinho


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