Sim, pescamos.
Bem sei que a maior parte das pessoas faz de tudo para encontrar águas limpas.
E com razão, pois aí as vantagens de quem pesca um peixe que caça à vista são enormes. Os melhores resultados de spinning são feitos com águas limpas.
Mas também já vimos aqui que nem sempre temos essas condições e isso significa que temos de nos resignar ao desconforto de pescar na…”lama”. Há mesmo pessoas que não têm outras condições e por isso mesmo nem acham estranho que a pesca tenha de ser feita dessa maneira.
Mesmo quando a água não parece boa, nós temos efectivas possibilidades de pescar. Temos é de modificar a nossa abordagem ao peixe.
Os pescadores que vão aos robalos do Tejo não sonham sequer com águas limpidas, estão conformados com aquilo que têm. Digamos que eles pescam em locais de águas tapadas, aquelas que dentro de um balde não permitem ver o fundo deste.
Mas pescam! Os robalos não desaparecem pelo facto de a água não estar clara.
Alguns desses pescadores vão pescar quando acontecem chuvadas, exactamente porque sabem que a entrada de aluvião significa para o robalo uma possibilidade acrescida de haver comida disponível. Os riachos enchem de água doce e correm para o rio transportando pequenos seres vivos que, contra a sua vontade, se deixam arrastar pela força das águas. Os robalos chamam-lhe alimento.
E por isso os pescadores mais experientes vão lançar as suas amostras, precisamente quando os outros não saem de casa por acharem que naqueles dias as águas irão estar ainda mais turvas.
Um exemplo de águas tapadas que nem assim deixam de ser productivas. |
Existem alguns princípios básicos que devemos seguir quando pretendemos obter resultados em condições difíceis.
Não parece razoável pensar que os robalos terão a mesma disponibilidade de movimentos que revelam quando em águas limpas, pelo que questões como a visibilidade da amostra, a velocidade de recuperação, e o seu efeito mecânico na água possam ser iguais. Bem sei que há pessoas que só pescam com um modelo de amostra mas aí, …temos pena, não vão mesmo conseguir fazer muito com ela.
As percentagens de capturas sobem à medida que temos mais visibilidade, sim, é um facto.
Geralmente temos mais sucesso em águas bem oxigenadas, com espuma, mas azuis. Isso encontra-se sobretudo em pesqueiros mais fundos, virados a norte, mais expostos à força do vento e das correntes. Águas mais protegidas têm tendência a manter uma menor clareza óptica, por força da acumulação de sedimentos suspensos. A presença destas partículas sólidas em suspensão, e tanto pior quanto maior a sua concentração, irá sempre prejudicar a nossa pesca.
Mas não a impede.
Que tipo de parâmetros podem pois levar a uma água turva?
Nos meses estivais, a proliferação de zoo e fitoplâncton cresce exponencialmente, por força do aumento de temperatura das águas.
Os movimentos das marés empurram e concentram em determinadas zonas este “caldo verde”. Já sabemos que águas paradas favorecem a sua permanência.
Os ventos são grandes responsáveis pelo direcionamento destas águas verdes, rumo a alguns pontos precisos da nossa costa.
Também em algumas zonas teremos uma maior concentração de escoamentos urbanos, vulgo “poluição”. As zonas próximas de saídas dos rios também são por norma mais expostas a águas turvas por força do transporte de aluvião, sedimentos rochosos e lamas. Também teremos a considerar o efeito das tempestades, o aumento da força das ondas e tudo aquilo que elas provocam em termos de instabilidade sobre os fundos. Aquilo que vocês chamam de “levantar o poalho” e que poderíamos classificar como “ressuspensão de inertes”.
Haverá outras razões para a existência de águas turvas, mas para efeitos de análise das suas consequências para a pesca à linha, isto basta-nos.
Nem sempre as condições de mar são estas, pelo que temos de nos adaptar. E os peixes também. |
As consequências directas do aumento da turbidêz das águas são um abaixamento da capacidade visual dos predadores, e a óbvia diminuição da distância de reactividade a uma amostra.
A sua eficácia enquanto predador reduz porquanto a sua capacidade de se alimentar utilizando uma caça à vista é afectada.
Isso obriga o robalo a uma mudança imediata na sua estratégia alimentar.
A primeira consequência que decorre do aparecimento de águas turvas é que o robalo passa a ser menos selectivo na escolha das suas presas.
Se para estas o aumento da suspensão até pode ser vantajoso, por camuflar as suas deslocações, por tornar menos visíveis os camarões, os caranguejos, etc, já para o robalo isso quer dizer que o recurso ao seu armamento bélico passa pela utilização das suas linhas laterais, esse sexto sentido que tão útil é em condições de invisibilidade. A táctica já não é perseguir pequenos peixes, muito reactivos e por isso com movimentos bruscos e imprevisíveis, com altas probabilidades de fuga, mas sim procurar outro tipo de organismos que tenham movimentos lentos, previsíveis, e consequentemente baixa probabilidade de fuga.
Isto levanta uma questão muito interessante que a meu ver é esta: ao ficarem privados de conseguir capturar os alevins de outras espécies, e ao terem de passar a aceitar comer seres mais diversificados e lentos, o robalo entra num campo em que parte das suas aptidões de predador passam a inúteis, e por isso mesmo se vê confrontado com uma maior concorrência de outros predadores.
Para comer minhocas, camarões, caranguejos e outros crustáceos, ele passa a ter de competir com os sargos, as douradas, os bodiões, etc, etc. Ao tornar-se menos selectivo, por força da menor visibilidade das águas, o robalo entra num campo minado, em que as suas grandes e indiscutíveis capacidades de predador são menos efectivas, diria menos …exclusivas.
Peixes que normalmente vivem em zonas de águas turvas sofrem imenso com eventuais modificações no nível de visibilidade das águas. Dou-vos o exemplo das tainhas, um peixe adaptado a ambientes urbanos, difíceis, que se alimentam de detritos e que podemos ver alegres e felizes a comer à saída de esgotos, em águas completamente tapadas, barrentas ou completamente conspurcadas por densas descargas de productos orgânicos.
Esse não é o ambiente que mais favorece a alimentação dos robalos, que têm “cilindrada” para muito mais.
Um segundo aspecto que me ocorre referir é a questão da menor presença de oxigénio no meio líquido.
As partículas suspensas absorvem o calor da luz solar, tornando as águas turvas mais quentes e, portanto, reduzindo a concentração de oxigênio na água. Faz sentido?
Aquecer uma grande quantidade de água implica forças poderosas, uma grande quantidade de energia aplicada. Mas a persistência do sol faz isso e muito mais.
O problema é que à medida que a água aquece, a taxa de oxigénio baixa e a capacidade que o peixe tem de metabolizar o seu alimento também diminui.
De que forma isso nos afecta a nós pescadores? É simples: se baixa o metabolismo do peixe, a consequência directa é que ele não será capaz de digerir os alimentos tão depressa, e por isso irão comer menos. Se comem menos, nós pescadores, que vivemos da sua disponibilidade para se alimentarem…
Ao procurarem alimento menos vezes, isso quer dizer que teremos menos oportunidades de conseguir uma ataque às nossas amostras.
A menor taxa de oxigénio na água afecta, sobretudo as águas marinhas rasas, a disponibilidade do peixe para se alimentar em momentos de menor quantidade de água no pesqueiro, leia-se na maré baixa.
Se tendencialmente o peixe tem uma clara preferência por procurar comida nas últimas três horas da maré cheia, então com condições de mar menos favoráveis, nomeadamente águas quentes e de baixo teor de oxigénio, aquilo que podemos verificar é que a tendência é para que os peixes se alimentem sobretudo nos períodos do dia em que existe mais altura de água e por isso mais fria. Durante o verão, por força das altas temperaturas que se verificam, e porque as águas estão muito mais turvas, acontece muito que os principiais períodos de alimentação (e consequentemente de capturas de robalos à linha) aconteçam durante a noite.
Creio já vos ter referido aqui no blog o quanto a temperatura da água afecta a alimentação dos peixes. De qualquer forma prometo que voltarei ao assunto porquanto ele me parece interessante para que entendam o quanto esse factor afecta as pescarias que podem ou não fazer em determinadas alturas do ano.
Vou continuar com este tema no próximo número, ainda há muito a dizer sobre ele.
Vítor Ganchinho
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