Ficámos, no número anterior, a meio de uma experiência de pesca feita em ambiente controlado, com peixes marcados, individualmente identificados, e que pretendia saber da disponibilidade de um peixe voltar a repetir sucessivas vezes um “mau encontro” com anzóis.
Concretamente pretendia saber-se se o processo de captura e solta deixaria traumas aos peixes os quais, numa situação de stress máximo, se sentem presos, agarrados, sofrem a remoção do anzol, e por isso mesmo, ficam fisicamente feridos.
Surpreendentemente, alguns repetiram o contacto, morderam as amostras várias vezes, enquanto que outros peixes do mesmo lago, tentados nas mesmas condições, nunca foram pescados.
Registou-se pois que pese a negatividade da situação, alguns exemplares repetiam os ataques, voltavam a ser capturados de novo, enquanto que outros nem tanto, demonstraram desconfiança permanente e por isso as suas marcas numéricas de identificação nunca foram à lista de capturas.
Esta variação não podia pois ser explicada simplesmente pela experiência ou esforço negativo anterior. Na verdade, os dados sugeriram que poderia haver alguma característica subjacente, alguma diferença fundamental entre esses dois tipos de peixes.
Esta espécie é, em termos genéricos, muito fácil de capturar. |
Poderia dar-se o caso de haver diferenças genéticas entre eles, pese serem todos da mesma espécie?! Porque razão uns atacavam as amostras e outros nunca o faziam?
Nesse caso, isso significaria que a característica de “desconfiança” poderia ser selecionada por meio de segregação e reprodução cuidadosas.
Por outras palavras, poderá então ser possível criar uma linha de peixes altamente vulneráveis, crentes, fáceis de pescar, e uma linha de exemplares diferentes, peixes relativamente imunes à pesca?
Para um pescador, a diferença entre fazer pesca à linha a peixes fáceis ou peixes difíceis de capturar é clara. Quanto mais baixo o nível técnico do pescador mais necessidade terá de se concentrar em peixes mais acessíveis.
Foi isso que os cientistas se propuseram fazer, entender se haveria forma de manipular esse tipo de comportamento.
Os grandes exemplares também podem ser vencidos com equipamentos ligeiros. |
Para efectuar o estudo acima, os biólogos pegaram em achigãs com duas características de base: os que nunca haviam sido capturados e também naqueles que haviam sido capturados quatro vezes ou mais.
Separaram cada grupo nos seus próprios lagos, permitiram que eles se reproduzissem, deixaram a descendência crescer por três anos e moveram os novos peixes para outros lagos contíguos, onde ficaram isolados.
Seguidamente, pescaram-nos e registaram os exemplares capturados e quantas vezes. Após drenarem as lagoas, separaram novamente os peixes por frequência de captura e repetiram todo o processo mais duas vezes.
Ao fim de alguns anos, os necessários para que tivessem os resultados de três gerações de achigã, o resultado foi tão claro quanto aquilo que eles poderiam desejar.
Ao longo das gerações selecionadas, os descendentes de achigãs que raramente eram capturados eram ainda mais difíceis de capturar do que os seus pais. Por outro lado, os descendentes de achigãs que foram capturados várias vezes eram ainda mais fáceis de capturar do que seus pais.
Esta foi uma demonstração clara de que não só existe uma variação inicial na resposta de um peixe à pesca, mas também que a variação pode ser selecionada para aumentar ou diminuir a sua permissividade.
O que estaria então causando essa diferença?
Um jig artesanal, feito à mão, da marca Namu, deu-me esta garoupa. |
Para uma mesma espécie, o comportamento alimentar era radicalmente diferente.
O grupo de maior vulnerabilidade sentia-se estimulado a atacar as presas da forma desabrida, a forma que associamos ao carácter desta espécie. Os outros, os mais difíceis, optavam por ser menos fogosos, analisavam durante mais tempo aquilo que iriam comer.
Acontece que as duas linhas de peixes diferiam marcadamente no seu “ritmo de vida”. Fisicamente os peixes mais difíceis de capturar tinham taxas metabólicas mais baixas em comparação com aqueles que eram fáceis de capturar.
O sector dos achigãs mais difíceis de capturar também apresentava maior eficiência de conversão alimentar: a maior parte do que comiam era usada para crescimento.
Como resultado, eles cresceram mais rapidamente: para a mesma idade, os seus corpos apresentavam tamanhos maiores.
Algo que foi também notado foi o facto de este grupo dos mais “difíceis” não mostrar a clássica resposta de ataque rápido (natação vertiginosa que os peixes usam para escapar de predadores ou atacar presas), algo que esperaríamos ver de um predador confirmado.
Isso contrastava fortemente com os achigãs do grupo fácil de capturar, que disparava em rápidas explosões energéticas em resposta a cada estimulo alimentar. Fisiologicamente teriam um desgaste maior e provavelmente daí a razão para um ciclo de vida mais curto.
Os biólogos chegaram pois à conclusão que os achigãs facilmente capturáveis vivem de forma muito rápida e morrem jovens. Todavia revelaram-se melhores pais do que o grupo “difícil”.
Permaneceram no ninho com os óvulos e os alevins por mais tempo, foram mais vigilantes e atacaram e expulsaram os intrusos mais agressivamente.
A natureza tem razões que a razão desconhece…
Estes jigs Konoha Second Stage são um forte pesadelo para os peixes. Não porque sejam muito pesados, a GO Fishing Portugal tem em stock versões de 130 e 160 gramas, mas porque pescam a valer. Têm a acção certa para peixes que se passeiam pelo fundo, os nossos pargos capatões, por exemplo. |
Embora estes estudos tenham abordado o achigã, um peixe de água doce, os resultados são aplicáveis a diferentes espécies, uma vez que a mesma variação no ritmo de vida foi demonstrada para uma série de outros peixes.
No final, o facto de existir claramente uma base para uma susceptibilidade diferente ao acto de pesca à linha na ausência de experiência prévia do peixe é bastante claro.
E fornece uma possível explicação para a nossa sensação muitas vezes apenas suspeita de que existem peixes “fáceis” e “difíceis” nas nossas águas, mesmo dentro da mesma espécie.
O que resulta deste processo é que os peixes fáceis terão tendência para ser cada vez menos, e aqueles que ficam, conseguem-no porque são mais ariscos, menos voluntariosos, menos” crentes”.
Garoupa capturada a jig pelo Luís Ramos em Angola. |
Na verdade, nós que amamos a pesca acabamos por passar horas e horas a tentar imaginar de que forma podemos ser melhor sucedidos. Imagino que a atitude dos milhares de pescadores que existem no nosso país não seja muito diferente da minha.
Aquilo que nos importa é mesmo a captura do tal peixe grande, o peixe "tchanan!", o concretizar de muitos sonhos e noites mal dormidas.
Raramente confessamos e expressamos este facto de forma tão crua, mas de facto somos capazes de perder tempo infinito a preparar a mochila da pesca no sentido de garantir que nada vai faltar, a analisar as condições do tempo, o vento, a ondulação, e iremos sem dúvida tentar fazer um paralelismo com pescas feitas anteriormente em condições iguais. Preparamos tudo ao detalhe! Temos de memória a forma como os peixes se comportaram na mesma época do ano, com ondulação idêntica, com temperatura idêntica, e projectamos a pesca ainda antes de sairmos de casa. Imaginamo-la!
A isso chama-se experiência de pesca. É dessa forma que estabelecemos tácticas, é dessa forma que decidimos ir a este ou àquele peixe.
Há apenas um pequeno detalhe que normalmente nos falha: o peixe.
Se da nossa parte somos capazes de prever uma geleira cheia antes de sairmos de casa, falta apenas saber de que forma o peixe irá reagir nesse dia. E às vezes corre…mal.
Para muitos de nós, o peixe não passa de uma massa amorfa, de igual e padronizado comportamento, com tendência para aceitar as nossas amostras porque sim, porque não pode ser de outra forma. Esta forma antropocêntrica de ver a pesca predispõe-nos a inúmeros fracassos.
Vamos para o mar e queremos que os peixes, e sobretudo aqueles que são grandes e correspondem ao que ambicionamos trazer na geleira, se comportem em termos gerais como nós queremos. Como sabemos que eles podem comportar-se.
Se nós queremos que façam isto, têm de fazer. Englobamos todos os peixes de uma espécie num só tipo de comportamento, não admitindo diferenças entre peixes. O nosso esforço mental é direcionado não a um único peixe, não a um indivíduo, mas ao corpo coletivo de peixes que nadam na zona de água escolhida.
O meu amigo Luís Ramos faz pesca especifica a um só peixe. Ele detecta e persegue os peixes um a um, se sentir que vale a pena. Tem um toque de um peixe e se não consegue o resultado pretendido, a sua captura, ele volta no dia seguinte para o conseguir. Mas ele é profissional de pesca, tem tempo e faz isso a peixes de 50 kgs…
Esta é a introdução para o próximo artigo, que vai versar precisamente este tema.
Vítor Ganchinho
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