Se há quem não se lembre daquilo que pescou ontem, muito menos se lembrará daquilo que pescou há quatro anos atrás.
Deixar ao acaso a memorização de factos concretos que induziram a uma pescaria de excepção é cuidar pouco de a podermos voltar a repetir por convicção.
Vai acontecer, mas nunca saberemos quando, como e onde.
Bem sei que cada vez há menos tempo disponível, as pessoas vivem a um ritmo alucinante, pouco dado a pausas e meditação.
Se até em termos de leitura isso se verifica, já não há tempo para folhear um livro, como podem as pessoas disponibilizar tempo para registar dados no seu computador pessoal?
E todavia há registos de condições de mar em que fizemos boas pescarias que eventualmente nos poderiam ser muito úteis no futuro.
O estado do mar, que efectivamente altera todos os dias em função da meteorologia, das estações do ano, dos ventos, das correntes, das marés, etc, importa aos peixes, à sua vida.
É o mar que os obriga a mudar de posicionamento, que os afasta da costa, que os faz afundar, que os traz à superfície, que os coloca mais ou menos a jeito perante as nossas amostras.
As boas condições em que conseguimos ferrar uns peixes grandes hoje, serão as mesmas que iremos encontrar daqui a muitos meses, o mar repete-se.
Mas teremos nós memória suficiente para guardar todos os detalhes?
Com base no nosso registo de memória, sabemos onde temos de ir quando sopra este vento, quando temos aquela maré. Assim tenhamos memória… |
Se pensarmos em fazer um mapa de pesca com tudo aquilo que nos ocorra registar, estaremos a jogar pelo seguro.
As condições de hoje não serão difíceis de reproduzir algum tempo mais tarde. Com ou sem vento, com ou sem nebulosidade, águas mais ou menos quentes, etc, etc. É por aí.
Sabemos que perante estas ou aquelas condições, o comportamento do peixe será este ou aquele.
Manter activo um ficheiro no qual depositamos os dados de pesca do dia pode de facto ser interessante.
Há empresas que investem o seu tempo e saber em pequenos aparelhos que registam as picadas e capturas de peixes. São dispositivos que serão úteis numa situação real de pesca, fazem-nos um mapa cartográfico ao qual temos acesso quando estivermos na zona. Ajuda sabermos que naquele pesqueiro conseguimos alguns peixes e as cruzes a vermelho indicam exactamente onde. Mas continuam a não nos dar muito mais que isso, em termos de meteorologia, por exemplo. Nem do equipamento utilizado.
A cada um a noção daquilo que lhe pode ser útil quando se trata de guardar informação para tempos vindouros. Há quem tenha o cuidado de registar até o tipo de jig/ amostra utilizado.
A espécie de peixe procurado, a qualidade das águas e a meteorologia determinam a cor, peso, forma dos jigs a utilizar. |
Quando somos meticulosos e nos damos ao trabalho de registar uma série de dados, mais dia menos dia isso poderá recordar-nos das condições em que pescámos.
Ao fim de algum tempo já teremos um padrão de dados que nos permite adivinhar se podemos ou não conseguir capturas nas condições que temos nesses dias.
Tudo aquilo que nos pode ajudar a entender previamente qual o comportamento que o peixe irá ter perante determinadas condições.
Falo-vos de temperatura de água, de vento, de nebulosidade, de existência ou não de comedia, de visibilidade à superfície e nas camadas inferiores de água, espaçamento entre picadas, distância a que ocorreram, tipos de amostras utilizadas, linhas, etc, etc….
Ao fim de alguns anos, quando tiverem um mapa bem feito da zona onde pescam, serão capazes de prever quando é que existem, ou não, boas condições para pescar.
No fundo é ir por uma regra de estatística, de probabilidades máximas de sucesso.
Algumas pessoas começaram a fazer isso há muitos anos e hoje têm um mapa de locais e de condições de pesca nesses locais que são verdadeiros tesouros.
Muitos deles quando começaram não esperavam que os resultados pudessem ser tão conclusivos.
Embora com variações de produtividade, com mais ou menos peixe disponível, já que temos de considerar anos bons e alguns anos menos bem sucedidos em termos de reprodução, ainda assim existe um padrão, uma época disto e outra daquilo.
Um pouco como adivinhar a época das uvas e da laranja, o Setembro e o Janeiro da pesca, se me faço entender...
Com esse padrão em mãos, já podem sair de casa a saber que naquele período do ano, com aquela temperatura, aquele vento, aquela maré, etc, irão muito provavelmente encontrar os peixes a fazer isto ou aquilo.
Bem sei que a maior parte dos pescadores acredita que há uma época de douradas, mas tem dificuldade em extrapolar esse facto para a época da pesca ao robalo, por exemplo.
Mas existem de facto condicionantes que levam a que de X a Y semanas, seja mais fácil encontrar os robalos grandes junto à costa.
E a partir daí, apenas temos de esperar pela maré certa, com o vento certo, à hora certa. Eles irão lá estar...
Isto tem muito pouco ou nada de sobrenatural, pese as crenças de muitos. Não há milagres quando falamos de haver ou não haver condições para que os robalos encostem aqui ou ali.
Por exemplo: com muito frio, com a superfície da água gelada, em princípio não haverá predadores activos nos baixios. A estarem alguns, teremos de pescar de forma muito lenta, a dar tempo, a tentar conseguir que um peixe saia da sua pasmaceira e aceite fazer um esforço de captura. Não está nos livros mas é um clássico: recuperações lentas e constantes funcionam melhor quando a água está fria e turva.
Isto ocorre porque os peixes usam a sua linha lateral para localizar presas debilitadas e, ao desacelerar a recuperação, aumentamos as nossas possibilidades de eles encontrarem a amostra, de terem tempo de a ver, ou sentir.
Já no caso contrário, se a água está quente e limpa, recuperações rápidas e irregulares estimulam muito mais aqueles que procuram presas vivas.
E são esses detalhes que determinam o tipo de acção que podemos desenvolver.
Temos em nós uma incrível capacidade de raciocínio, de planeamento, de manuseamento de equipamentos de pesca. Só temos de utilizar isso em função das dificuldades criadas por este ou aquele peixe.
Se mantivermos registos dos dias bons, podemos evitar os dias maus.
Em poucos minutos seremos capazes de escrever umas linhas com a data, a hora, e aquilo que aconteceu. Se o peixe encostou no final do dia, e se activo desta ou daquela forma, é deixar isso no computador, ou na agenda.
E lá estaremos quando as condições forem idênticas. Com o equipamento que resultou, ou outro que nos afigure indicado.
É claro que vamos continuar a cometer asneiras, a comprar equipamentos que não são exactamente aquilo de que necessitamos.
Os erros de casting custam-nos dinheiro, e quantas vezes a soma de todos esses erros seria o suficiente para adquirirmos material topo de gama, aquela cana especial que nos poderia dar uns quantos peixes a mais, o carreto com que tanto sonhamos.
Adquire-se muito material de pesca perfeitamente desnecessário, desadequado, pouco produtivo, e que pouco ou nada adianta a quem o tem.
O caso das amostras é emblemático: quando abrimos uma caixa e olhamos para dento percebemos que daquela tralha toda, apenas meia dúzia é efectivamente necessária.
Há que ser racional, há que ter critério na compra, e isso só se consegue quando temos a perfeita noção da forma como iremos utilizar essas peças.
Conheço muita gente que compra por comprar, para compensar a impossibilidade de poder sair à pesca. Erro crasso.
Não se vai ao supermercado sem tomar o pequeno almoço antes…sob pena de comprarmos um carrinho de comida.
Com as amostras, idem. Corremos o risco de comprarmos amostras novas porque sim, porque fazem falta, ainda que saibamos que jamais serão utilizadas.
Registar as pescarias, e inclusive as amostras utilizadas nestas ou naquelas circunstâncias, pode ajudar-nos a poupar dinheiro, a ter o essencial, e a pescar melhor.
Pensem nisto.
Vítor Ganchinho
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