Muitos dos nossos pescadores interrogam-se sobre a interpretação que devem dar aos vários elementos constantes de uma carta de previsões de mar.
Aquilo que lhes salta à vista são normalmente dois factores a que atribuem muita importância: o vento e a ondulação.
Ignoram tudo o resto, como se isso não pudesse fazer qualquer diferença. E todavia faz, e muita.
Aquilo que vamos começar a ver aqui no blog hoje é a diferença que faz termos vento oeste, de fora para dentro, vento norte ou sul, e o vento offshore, o vento de terra para fora, ou lestada.
Vamos também perceber o que é isso de período da onda, e de que forma este dado pode indicar-nos boas ou más proas.
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Para quem sai ao mar, saber interpretar as previsões é fundamental para evitar complicações. |
Talvez seja conveniente começarmos por ver o que é isso das ondas.
Sendo o movimento mais comum e evidente da superfície do mar, receio que muitos não o saibam sequer descrever. Não serão todos os que irão além do “acho que é aquilo do sobe e desce…”
O que é isso de “processo ondulatório”?
Falamos sempre de transmissão de energia. A água levanta, baixa ou gira sobre si própria, no caso dos remoinhos, e isso é feito através da transmissão de energia entre partículas.
Também não há muitos movimentos possíveis, se repararem bem, no mar as partículas de água apenas giram, ou oscilam, para trás, para a frente, para baixo ou para cima, e isso é tudo o que podem fazer.
Há sempre uma força que passa de um lado para o outro.
Quando estamos fundeados no nosso barco, sentimos na perfeição o movimento da onda que chega, levanta o casco, e passa. O barco fica no mesmo sítio.
Aquilo que pode ser diferente é a altura a que o barco sobe, a velocidade a que sobe, a que desce, e a frequência com que outra onda o fará subir de novo.
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Fiz esta foto num dia de aguaceiros, e captei uma zona com chuva, perto da Arrábida. |
Considerando que a onda tem partes altas, as cristas, que tem partes baixas, as cavas, então podemos calcular a medida entre estes dois pontos e ficar a saber a altura das ondas.
Também podemos tentar calcular o tempo que demora a passar uma onda completa, e ainda o tempo que medeia a passagem de cada crista de onda, e assim passarmos a saber qual o período da onda.
Não conheço nenhum site de previsões que não indique este valor, o período da onda. Deveriam atribuir-lhe muito mais importância já que é ele que irá determinar se vamos ter, por exemplo, o dito “mar de senhoras”, uma conjugação de factores tais como a ausência de vento, alguma altura relativa de onda, e uma frequência de onda muito baixa.
Ou, no caso de termos um período muito curto, se vamos ter a dita “malhoca”, um mar que incomoda pela grande frequência de ondas que chega ao casco, e que o abana, que o faz tornar-se muito instável.
O período da onda é muito importante para aquilatarmos da qualidade do mar para o nosso dia de pesca. As ondas deslocam-se a velocidades muito maiores que aquilo que pensam...
Podemos mostrar uma exemplo da relação entre comprimento de onda, período e velocidade das ondas quando em águas profundas: uma onda com um período de 8 segundos terá um comprimento de onda de 100m e uma frequência de 7,5/minuto.
A velocidade será 100X7,5, isto é: 750m por minuto ou 12,5 m por segundo.
A questão da profundidade altera, e muito, a velocidade de uma onda. Sem querer complicar muito, diremos que a velocidade de passagem de uma onda depende bastante da distância a que a superfície se encontra do fundo.
No caso de ondas que se propagam em fundos oceânicos, elas não são afectadas na sua marcha de forma alguma. Para quem pesca, estas ondas não são problemáticas já que apenas significam um movimento vertical do barco, previsível, e por isso…”deixam pescar”.
Porém, quando tratamos de ondas que se deslocam em fundos baixos, isso muda de figura. Os marinheiros que pescam o robalo na rebentação sabem-no bem, e sabem também que estar a baixa profundidade com ondulação alta significa arriscar a pele.
São ondas geradas por vento, eventualmente até produzidas muito longe do local, as quais, ao aproximarem-se de terra irão entrar em colapso, aquilo a que chamamos de “rebentar”. A onda desfaz-se, libertando toda a sua energia.
Então e por que razão existem as ondas?
As diferenças de temperaturas e pressões criam instabilidade no ar. O vento é uma resultante disso mesmo e assim sendo, as tensões por ele criadas deformam a superfície lisa do mar, criando ondas.
A princípio apenas pequenas ondas com cristas arredondadas e cavas em forma de "V" e com comprimentos de onda muito curtos, inferiores a 1,74 cm. Quando ainda são muito pequenas, a tendência é para que sejam absorvidas, para que esta tensão superficial seja eliminada, restaurando a superfície de mar lisa.
Porém, à medida que o vento sopra mais forte, e que as ondas se desenvolvem em altura, passamos a ter mar com aspecto irregular, com …”picos”. Isso permite uma maior exposição ao vento e uma maior transferência da energia do vento para as águas.
Quando essa energia aumenta desenvolvem-se ondas com força, as ditas “ondas de gravidade”. Se a energia do vento que lhes é fornecida aumentar, a altura da onda aumenta mais do que o comprimento. Assim, as cristas tornam-se pontiagudas e as cavas arredondadas.
É a energia do vento que faz aumentar a altura, o comprimento de onda e a velocidade das ondas. Há necessariamente limites e esses prendem-se com a velocidade do vento.
Em conversa com um velho lobo do mar, o Comandante Vieira Amândio, pessoa a quem a náutica portuguesa tanto deve, dizia-me ele: “Vitor, em relação a isso não tenho dúvidas: normalmente as nossas vagas têm uma velocidade máxima de 12 nós, o que quer dizer que barco com um motor de cavalagem fraca, algo que não permita fazer um pouco mais que esses 12 nós mínimos, não tem qualquer possibilidade se apanhado numa tempestade com vento. Vai sempre ao fundo!”
Mas quando a velocidade das ondas iguala a dos ventos, já não é adicionada mais energia à onda, que atinge então a sua maior dimensão para essa força de vento.
Podem existir variantes, nem sempre os ventos são certos, podem soprar de vários quadrantes, e aí as ondas movem-se em várias direcções, e por isso com diferentes comprimentos de onda. A dita “malhoca de vento”, aquilo que faz o nosso barco balançar de tal maneira que por vezes quase não temos condições de pescar.
Isto acontece sempre que há uma acentuada variação da direcção e velocidade do vento.
Já estão a entender que aquilo que condiciona a energia das ondas que seguem fixas numa determinada direcção é a duração do impulso do vento numa dada direcção, a sua constância, a sua persistência.
Quanto mais tempo soprar num determinado sentido, mais fixa estará a ondulação, mais previsíveis serão os movimentos do barco.
Isso, para quem pesca ao sentir, por exemplo na pesca “pica-pica”, é fundamental.
Para não tornar demasiado extenso este texto, no próximo número concluímos esta série.
Espero que tenha interesse para vós.
Vítor Ganchinho
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