O primeiro contacto que tive com os nossos “anjos da guarda” aconteceu há uns anos, a norte do Cabo Espichel.
Estava na altura a fazer um trabalho MT com uma equipa de pescadores estrangeiros, penso que holandeses, numa das embarcações Rodman que a GO Fishing tinha na altura.
A dado momento, e estando eu fundeado sobre umas pedras a 90 mts, com muito peixe, dei por um helicóptero militar a sobrevoar algo que, dada a distância, não percebi o que poderia ser.
Recordo-me de olhar à minha volta e ver os turistas numa azáfama de puxar peixe para cima a cada lance.
A boa disposição deles terminou quando me viram francamente apreensivo, com cara de poucos amigos.
Lembro-me do ar interrogativo deles perante a minha testa franzida, enrugada: algo ruim estava a acontecer.
Aquilo que me ocorreu foi de que alguém, por qualquer motivo que não descortinava, teria caído à água, ou estava pelo menos numa declarada situação de perigo.
Com as águas frias de inverno, geladas a pouco mais de 12ºC, o corpo humano sofre e pode colapsar em pouco tempo por hipotermia.
Para mim não havia dúvidas, alguém estava no mar, alguém precisava de socorro imediato.
Os holandeses perceberam que algo de grave se passava quando dei instruções para levantarem todas as canas rapidamente.
O facto de serem clientes e terem pago a sua saída de pesca não poderia de forma alguma sobrepor-se a uma situação de emergência. Tudo o que possa implicar a perda de uma vida humana tem sempre prioridade sobre qualquer outra razão, pelo que nem hesitei em levantar ferro.
As pessoas entenderam o meu dilema, o qual não terá durado mais que breves segundos, e quando lhes expliquei que achava que poderia haver alguém em perigo a sua reacção foi de imediata concordância.
Dirigimo-nos ao local, com os dois motores Honda de 200 HP no máximo da potência e a estranharem tanto rebuliço. Não havia mais embarcações na zona.
Cada segundo conta quando se trata de acudir a alguém que estará debilitado, sem forças, e em risco de afundar e perder a vida.
A distância de cerca de duas milhas à costa não fazia adivinhar nada de bom.
O silêncio que reinava a bordo contrastava com o ruído exterior. Motores marítimos espremidos ao seu limite, vagas que batiam nas amuras e sobretudo o trabalhar das pás do helicóptero, essas sim absolutamente ensurdecedoras.
Tudo se conjugava para um clima de alta tensão, de ansiedade, o contrário daquilo que as pessoas que estavam comigo procuravam: um pacífico dia de pesca.
Ao chegar ao local, percebi então que se tratavam de exercícios de treino, o “boneco” que estava dentro de água não passava disso mesmo.
Todos respirámos fundo, aliviados por não ter acontecido o pior.
Fiz sinal ao helicóptero de que me iria afastar de imediato, e deixei-os a cumprir com os seus procedimentos daquele simulacro de salvamento.
Melhor assim.
O trabalho que estas unidades de salvamento fazem é algo de surreal em termos de dificuldade.
As tragédias acontecem sobretudo em más condições de mar, com vento, com ondas, e não escolhem dias de água fria ou água quente.
A rapidez de resposta tem de ser imediata sob pena de chegarem, …mas tarde. A cada instante, a qualquer hora do dia ou da noite existe uma exigência absoluta de prontidão.
Ver alguém na água a arriscar a sua vida para valer a um acidentado fez-me pensar.
O esforço que esta gente faz para salvar vidas humanas deveria fazer-nos corar de vergonha quando pensamos que enfrentamos dificuldades com os pés em terra firme.
O risco de vida de toda a tripulação é sempre crítico e imediato, porquanto as condições em que atuam são absolutamente extremas.
Refiro-vos apenas isto: descer um cabo de aço do qual pende o corpo do Recuperador-Salvador é em si uma tarefa árdua, o vento das pás do helicóptero agita o cabo e torna muito difícil o controle da descida e eles estão a descer sobre mastros, sobre velas, sobre estruturas fixas as quais podem numa situação ou outra prender o cabo de aço que liga à aeronave.
Em caso de acidente, são todas as vidas que podem perder-se, todas, e não apenas a daquele que pressupostamente deveria ser salvo.
Digo-vos mais: se estas operações de resgate se saldam normalmente por finais felizes, isso deve-se em grande parte ao treino intensivo em más condições de mar, mas também à coragem que esta gente demonstra em situações de perigo.
Não sei se têm a noção de que este tipo de actividade é toda ela em si, para além de executada por gente muito profissional, capaz de prestar ainda a bordo os primeiros cuidados de saúde, coordenada pelo Centro de Coordenação de Busca e Salvamento de Lisboa (RCC Lisboa), após solicitação do Centro de Coordenação de Busca e Salvamento Marítimo de Lisboa (MRCC Lisboa), da Marinha Portuguesa.
É impressionante, a Força Aérea Portuguesa tem atribuída uma área de busca e salvamento de 5.816.562 km², o equivalente a mais de metade do território europeu.
É sua responsabilidade responder de imediato a ocorrências que lhes cheguem quer de Portugal continental, quer dos Açores e Madeira. Imaginem a área marítima que está compreendida neste espaço.
Para isso contam com cerca de 100 militares em alerta permanente, os quais compõem a Esquadra 751 e trabalham para que a mesma esteja activa 24 horas por dia, 365 dias por ano.
Uma tripulação de alerta permanente na Base Aérea N.º 6, Montijo, uma tripulação e aeronave no AM3 Porto Santo e duas tripulações e duas aeronaves na Base Aérea N.º 4, Lajes.
Os procedimentos numa destas missões de salvamento estarão exaustivamente treinados, e obedecem seguramente a um protocolo de segurança, mas em acção real de trabalho, qualquer mínimo imponderável pode levar a uma tragédia.
É dever de cada um de nós, gente que anda no mar, ajudar em tudo aquilo que nos seja possível.
Neste caso, e felizmente para todos, eu apenas cheguei ao local e perturbei o normal desenrolar dos trabalhos de treino.
À Força Aérea peço as minhas desculpas pela intromissão no seu treino mas a intenção era a melhor, era ajudar a fazer aquilo que me parecia ser mais fácil para mim.
Estou certo de que eles terão entendido a minha intenção e o esforço.
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Estas são as condições em que trabalham os nossos homens da unidade de salvamento: stress puro! |
Espero que tenham gostado deste artigo, ele aparentemente pouco terá a ver com pesca, mas se pensarem bem, tem até muito.
Que nunca necessitemos deles, mas se isso acontecer, ficam a saber que temos gente com coragem que zela por nós.
Deixo-vos com a máxima da Unidade: A voar, protegemos!
Vítor Ganchinho
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