ATLÂNTICO - ONDE TUDO COMEÇA... MAS NÃO ONDE TUDO ACABA

Alargar horizontes, viajar, permite-nos entender melhor o mundo em que vivemos.
Sair para outros países, outros mares, comparar aquilo que fazemos aqui com outras práticas de outras gentes, faz-nos saber se o que fazemos é correcto e tem de facto algum valor.
Não temos de ter medo de enfrentar a realidade, não devemos recear perceber se outros são melhores que nós. Temos sim de aprender com eles, somar essas valências e conhecimentos aos nossos e assim passar a ser mais eficazes.
Ao fim de 56 anos de experiência de pesca, nunca, em nenhum dos muitos países onde já pesquei me foi recusada uma explicação sobre um qualquer detalhe técnico. Por ninguém.
Devemos sempre perguntar com a humildade de quem não sabe e quer passar a saber. E a explicação chega-nos de imediato, embrulhada num sorriso amigo.
O povo português é exímio na fina arte de bem receber, e os pescadores portugueses, na sua esmagadora maioria, são um bom exemplo de cortesia e educação se devidamente abordados.
Nós não negamos a ninguém uma informação, qualquer tipo de ajuda técnica se quem a pede for para nós polido e educado.
Está-nos no sangue ajudar os outros! Recebemos os estrangeiros de braços abertos!

Quem chega de longe e quer lançar umas linhas pode sempre contar com a nossa habitual forma calorosa de receber.

Na pesca, de resto como em tudo na vida, é importante ter uma perspectiva alargada daquilo que nos rodeia, ser crítico, saber entender e valorizar aquilo que de facto tem importância.
Ocorre-me isto a propósito da limitação a que se sujeitam inúmeros pescadores portugueses os quais, durante toda a sua vida, apenas pescam de uma só forma, uma só técnica.
Encontramos isso em lugares remotos, ilhas perdidas, países em guerra ou fora dos circuitos normais, onde, sobretudo por falta de meios financeiros, as populações não podem adquirir equipamentos de pesca modernos, actualizados.
Nem sequer fazer opções por diferentes técnicas pois estão limitados ao que encontram localmente. Que é pouco.
As pessoas tentam fazer muito com quase nada. Isso é corrente em África, continente por onde tenho viajado e registado com os meus olhos as maiores proezas de adaptação à escassêz de recursos materiais.
Não há dinheiro para comprar e por consequência também não há lugares onde comprar.
Porque só há vendedores se existirem potenciais clientes.

Canas rudimentares são utilizadas por estes pescadores para capturar o seu peixe do dia. Aqui, a alimentação da família depende de conseguir enganar alguns peixes com o pouco equipamento que está disponível...

Não é o caso do nosso país. Felizmente temos oferta comercial e não falta informação sobre como fazer diferente. Não se faz mais por inércia, por rotina.
Parece-me a mim que dominar várias técnicas de pesca pode dar a cada um de nós uma noção mais clara daquilo que é a pesca na sua globalidade.
Há uma recusa sistemática em aceitar fazer experiências com outros métodos.
É sempre mais fácil atribuir a um dia mau, o célebre “hoje não estão a dar”…, e fica por aí.
Não devia ser assim. Por vezes estamos a ver com os nossos olhos que aquilo que fazemos não resulta e ficamos estáticos, como que banhados a formol, sem reacção.
Muitas pessoas deixam mesmo de pescar nos meses em que as águas estão mais frias, porque na sua óptica não vale a pena.
Mas vale! Temos é de fazer de forma diferente porque o peixe mudou os seus hábitos, o seu posicionamento, a sua hora e forma de comer. Águas quentes não são águas frias e eles vivem lá, estão lá a toda a hora, logo têm de reagir às adversidades.
Podemos aprender a fazer de forma a dar continuidade à acção de pesca, ajustando os nossos métodos. Podemos pelo menos tentar adaptar-nos a esta nova realidade que vamos ter durante os próximos três meses.
Não pode fazer-nos mal perceber se resulta. Mais que isso, uma nova experiência só irá contribuir para a consolidação dos nossos conhecimentos gerais sobre pesca.

Vivemos num país onde, a par de um certo tradicionalismo de métodos, também é possível encontrar equipamentos de pesca topo de gama.

Aquilo que vos passo aqui é que é possível pescar, (não como habitualmente, porque essa solução tradicional não resulta, os resultados serão penosos porque o peixe não está lá), certamente não será necessário abandonar a pesca até que de novo essas condições se cumpram. Há sim que adaptar novos/outros métodos a uma nova realidade.
A reflexão de hoje vai exactamente neste sentido.
Sabemos que as condições de mar mudam a cada instante, e se num determinado momento conseguimos resultados, se conseguimos alguns peixes, forçosamente logo a seguir, e porque as premissas alteraram, esses mesmos resultados ficarão comprometidos. Nada resulta sempre.
Estamos a chegar a um ciclo de três meses em que as pescarias de quem pesca vertical irão ressentir-se da escassêz de peixe disponível. As águas já estão a arrefecer, os peixes são forçados a abandonar os seus postos de outono e a afundar várias dezenas de metros.
Irão procurar as termoclinas, muitas vezes bem abaixo da primeira centena de metros, procurando dessa forma evitar o desgaste que as gélidas águas do Inverno lhes provocam. E dessa forma ficarão fora do alcance de quem pesca à mão, a enrolar linha com um carreto manual.
É tempo para os carretos eléctricos, para ir procurar os peixes a pesqueiros fundos, a cotas que esgotam rapidamente a coragem dos mais entusiasmados pescadores de pica-pica.

Fiz esta foto ao raiar do dia, a sobrevoar o Polo Norte.

Pese embora a elevada altitude a que voam os aviões comerciais, quando os pilotos sobrevoam o Ártico eles descem a altitudes de cerca de 10.000 pés, cerca de 3050 metros, para evitar que o combustível congele.
Isso, combinado com uma poluição apenas residual, resulta em paisagens brancas muito límpidas, afinal de contas “vistas de perto” de uma área do globo que a maioria das pessoas nunca veria de outra forma.
Enquanto europeus e latinos, custa-nos pensar que um ser humano pode viver ali. Não será fácil…e seguramente não o seria para mim.
Esta zona do nosso planeta não é isenta de riscos. A par das baixas temperaturas e ventos persistentes, e da inexistência de aeroportos que permitam uma aterragem em caso de eventual avaria, a navegação polar implica uma exposição perigosa à radiação solar.
Posso dizer-vos algo sobre isto: a maior parte da radiação solar é refletida pelo campo magnético da Terra. Nos polos, porém, o campo converge para a Terra, permitindo que a radiação solar se abra para a atmosfera.
Nenhum voo polar excede em tempo e intensidade os níveis seguros de radiação, portanto a maioria dos passageiros está segura mas as exposições repetidas da tripulação de voo podem constituir um risco.
Na verdade, os pilotos de avião estão expostos a mais radiação do que a maioria dos trabalhadores das centrais nucleares.

Estas paisagens árticas são de cortar a respiração...

Sempre me interroguei sobre as possibilidades de pesca em regiões remotas, porventura nunca antes pescadas.
Não deixa de ser curioso que ainda hoje, depois de tanto tráfego marítimo, tantas viagens de exploração, não deixamos de ter gente capaz de pensar que existem ainda lugares recônditos onde nunca foi lançada uma linha e um anzol.
Queremos acreditar que sim, que esses lugares existem, precisamos de acreditar que existem.
Está-nos no sangue acreditar que continuam a existir lugares cheios de peixe, onde a pesca é aquilo que nos aparece em sonhos.
Parar de explorar nunca, devemos sempre acreditar que vale a pena embora a realidade seja bem menos risonha que isso.
Ver com os próprios olhos o local onde começa o oceano Atlântico é um momento bom, algo que guardamos eternamente na memória.
Passo-vos abaixo uma foto desse ponto preciso, o metro onde a terra acaba e começa o oceano.

Não me perguntem se é possível pescar aqui, …não sei.

Para alguém que neste momento pesca chocos dentro do rio Sado, deve parecer-lhe estranho que o mar que está lá fora tem um princípio e um fim.
Pensem na imensidão de água que separa estes dois pontos, e imaginem tudo aquilo que cabe dentro, quantas espécies de peixes, mamíferos marinhos, aves.
Queremos sempre acreditar que na imensidão do mar existe algo mais que nada. Que existem os peixes que queremos muito pescar.
A nossa essência de pescadores leva-nos, e obriga-nos, a acreditar que sim, que há sempre muito mais que aquilo que nos aparece à vista.
É bom que assim seja.
Saint Exupéry escreveu no seu livro O Principezinho algo como isto: “só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos”.
Como nós pescadores precisamos de acreditar nisso...

Se deixarmos de pescar, se desistirmos, a alternativa será a de ficarmos em terra, esperando melhores dias…

Volto ao assunto aflorado acima: é importante abrir o espírito a outras formas de fazer pesca. Ao sairmos do nosso país devemos ter os olhos bem abertos para ver como os outros fazem.
E perguntar sempre, porque um pescador fica sempre feliz por mostrar como se faz. Como ele faz.
Também por cá devemos prestar atenção aos estrangeiros que nos visitam para pescar. Trazem com eles outras técnicas, outros saberes, outros equipamentos, e podemos aprender bastante.
E porque não, ensinar-lhes também um pouco do muito que os nossos pescadores portugueses sabem fazer?
Saint Exupéry disse: “Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós”.


Vítor Ganchinho


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