O CORPO DOS PEIXES FACE À TEMPERATURA DAS ÁGUAS - CAP I

Neste momento as nossas águas estão frias.
Diga-se em abono da verdade que “frias” para nós, para o nosso padrão, e presumivelmente frias para os nossos peixes, que não para outras pessoas e outros peixes de outras latitudes.
Se ter temperaturas negativas a -3ºC são um gelo para nós, pois sim, tenho uma amiga finlandesa, a Tuula Hartmann, que por vezes me liga e comenta que -30ºC são comuns na Lapónia, a terra dela.
E que por vezes, nas poucas horas de luz diurna que tem disponíveis, não mais de quatro, sai de casa para dar um passeio e espairecer, caminhando sobre o gelo grosso do lago que tem em frente a sua casa.
Aí sim, está mesmo frio e os peixes de lá, pelos vistos, não se queixam de estarem por baixo de uma placa de gelo com 50 a 60 centímetros de espessura.
Tudo neste mundo é relativo e o frio também. Como sobrevivem os peixes a temperaturas baixas? E o oposto? Como podem eles suportar águas demasiado quentes? Será que podem?
Esse é o desafio dos próximos números aqui no blog peixepelobeicinho, vão ficar a saber coisas de que nem suspeitam...

O goraz, um peixe que vive nas profundezas, longe das grandes variações de temperatura.

Nem tudo é ruim. É um facto que, se a água fria causa um enorme desgaste nas reservas de energia/gorduras dos peixes, também tem a capacidade de reter mais oxigénio dissolvido do que a água quente.
Para nós pescadores isso pouco dirá, mas para quem depende disso para viver, os peixes, a questão não é tão de somenos quanto isso.
Os peixes são criaturas de sangue frio, por isso o seu metabolismo aumenta com a temperatura. Um metabolismo mais elevado significa mais actividade e mais procura/ necessidade de oxigénio.
Em águas quentes, os níveis de oxigénio tendem a diminuir bastante, o que pode representar para os peixes um desafio à sua sobrevivência. A água quente mata-os!
Já vimos fotos e relatos suficientes de milhares de peixes mortos por golpes de calor para sabermos que as temperaturas elevadas roubam o oxigénio da água.
Para explicar as razões, precisamos de saber um pouco de química e saber relacionar essa trilogia de oxigénio, peixes e plantas. Vamos ver:


Sabemos que um dos subproductos da fotossíntese das plantas é o oxigénio, ou seja há “fabricantes” activos, mas estas “fábricas” não trabalham as 24 horas do dia, e nem sequer o fazem a qualquer hora, fazem-no na presença de luz solar.
No verão, temos muito sol e por isso, durante o dia, as plantas colocam mais oxigénio na água, logo deveria haver abundância. Repito: deveria haver.
E até temos aqui um aparente contrassenso: no verão há mais horas de sol e no entanto é aí que os problemas de oxigénio mais se colocam.
Não há muito porque quando a noite chega as plantas e peixes não ficam sem respirar, continuam a utilizar esse oxigénio produzido durante o dia. E todos eles consomem bastante oxigénio.
Com efeito, o potencial máximo de oxigénio dissolvido na água do mar é muito menor durante o verão do que em outras épocas do ano. Há um período crítico e ele ocorre quando menos se esperaria, na estação do sol por excelência.
A razão é explicada da seguinte forma: em águas mais quentes, as plantas, fitoplâncton e zooplâncton desenvolvem-se muito mais rapidamente, a sua biomassa aumenta em flecha.
Ao aumentarem os consumidores, aumenta também o débito exponencial deste gás, gasta-se mais.
De notar que os níveis de oxigénio dissolvido são mais altos à tarde e mais baixos logo antes do amanhecer.
Sobretudo quando tratamos de água doce, é comum que, logo pela manhã, ao raiar do dia, se vejam peixes à superfície a executar um movimento que nos lembra engolir ar. Esse é um sinal de baixos níveis de oxigénio dissolvido na água.
Passadas algumas horas, e já com o processo de fotossíntese a funcionar, os peixes deixam de o fazer.
Logo, o período crítico é a noite. Se as plantas e os peixes utilizarem mais oxigénio durante a noite do que o disponível, ocorre a morte de peixes, e acontecem as marés de peixes mortos que costumamos ver.


Podemos ir um pouco mais longe nesta explicação.
As moléculas de oxigênio são solúveis na água da mesma forma que o açúcar é solúvel em água. Depois de dissolvido está lá mas não conseguimos vê-lo.
A quantidade máxima de oxigênio que é possível dissolver na água está dependente de vários fatores, tais como a temperatura da água, a pressão do ar ambiente e a salinidade.
Mas, grosso modo, a quantidade máxima de oxigénio solúvel, conhecida como “concentração de saturação”, é normalmente em torno de 7 a 10 miligramas de oxigênio por litro de água (7 a 10 mg/L).
Esse oxigénio dissolvido é aquele que, por padrão, os peixes usam para respirar.
O processo é de tal forma conhecido que nem vale a pena ir por ele. Os peixes absorvem água pela boca e forçam-na através das passagens branquiais. As brânquias, assim como nossos pulmões, estão cheias de vasos sanguíneos.
À medida que a água passa pelas paredes finas das guelras, o oxigénio dissolvido é transferido para o sangue e depois transportado para as células dos peixes.
Quanto maior a concentração de oxigênio na água, mais fácil será fazer essa transferência ocorrer.
Uma vez nas células, as moléculas de oxigénio desempenham um papel fundamental no processo de “respiração aeróbica”. O oxigénio reage com substâncias orgânicas ricas em energia, como açúcares, carboidratos e gorduras, para libertar energia para as células.
O principal produto residual deste processo é o dióxido de carbono (CO₂). É por isso que todos nós, peixes e homens, inspiramos oxigénio e expiramos dióxido de carbono.


Assim como os peixes e as pessoas, muitas bactérias obtêm energia a partir de processos de respiração aeróbica.
Portanto, se houver substâncias orgânicas num curso de água, as bactérias que vivem nesse curso de água podem e vão consumi-las.
Este é um importante processo de “biodegradação” e é a razão pela qual o nosso planeta não está repleto de carcaças de animais e peixes que morreram ao longo de milhares de anos.
Mas esta forma de biodegradação também consome oxigénio, o qual existe dissolvido nas massas de água.
Onde é que começam os problemas?
É o que vamos ver no próximo número.


Vítor Ganchinho


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