Penadas porque …com penas.
Estava a observar estes dois corvos marinhos e a pensar que a diferença entre aquilo que eu faço no barco com o meu amigo Carlos Campos e o que estas aves “não raras” fazem é sensivelmente o mesmo.
Os corvos marinos não libertam deliberadamente peixe, mas também não capturam para além daquilo que lhes é suficiente.
E isso já é defender o meio ambiente onde vivem.
Eles sabem bem que no dia seguinte vão querer peixe de novo, e de nada adianta pescar tudo o que puderem hoje.
Eu e o Carlos, em qualquer circunstância, libertamos peixes juvenis porque temos por eles pouco interesse, até culinário, a par do respeito que nos merecem aqueles que um dia serão oponentes adultos, sábios, fortes. Então sim, capazes de nos desafiar.
O que verdadeiramente me preocupa é ver como as traineiras deste país fazem lances após de lances, até encherem os porões.
É uma pesca cega, “ao que vier”, ao que estiver dentro do espaço cercado pela rede, e que só termina quando o barco consegue a cota que deseja.
O problema é a natureza não ser capaz de conseguir responder a isso.
Não há forma de a natureza criar peixes ao ritmo de um lance de rede.
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Quando se captura peixe para fazer rações para animais algo estará errado. |
Incomoda-me sobremaneira que as pessoas que não pescam me queiram enquadrar, enquanto pescador de linha, na mesma classe daqueles que lançam redes ou arrastam e destroem os fundos marinhos.
A pesca profissional e a pesca lúdica não são apenas duas formas diferentes de pesca.
Convém fazer um ponto de ordem e esclarecer que não há, nem deveria haver nunca, qualquer ponto de contacto entre ambas.
Não me revejo nos métodos extractivos de uma pesca que não zela pelo amanhã.
Até ver, e salvo melhor opinião, há mesmo um horror de espaço entre ambas. Como que duas placas tectónicas que não encaixam, que resvalam uma sobre a outra, com os inevitáveis ruídos, terramotos, discussões, essas intermináveis lutas fratricidas entre quem só quer pescar alguns peixes para se divertir e quem quer pescar hoje todos os peixes que puder, para ganhar dinheiro.
Amanhã logo se vê…não pode ser o lema.
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Sem peixe, estes fundos são apenas pedra e água, sem qualquer tipo de sentido. |
Eu, e o meu colega de pesca Carlos, estamos mais do lado dos…corvos marinhos.
Sabemos que a preservação dos nossos spots de pesca, o que fazemos hoje por eles, ainda que sendo só a nossa singela e pequena parte, é a garantia de termos peixes no futuro.
Libertamos por convicção.
E isso resulta de informação, conhecimento, e …consciência.
A construção de um pescador é um processo moroso, um lego que pacientemente se monta devagar, peça a peça.
Da componente técnica ao conhecimento das espécies, da relação com os outros pescadores aos cuidados com a imagem dada a quem não pesca, tudo isso tem de ser aprendido.
A todos aqueles que começam a pescar, a par dos rudimentos técnicos, também deveriam ser ministradas noções de ecologia, de preservação, para que entendam qual o seu lugar nesta actividade.
Podemos desfrutar sem destruir. Sem comprometer o futuro.
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Num dia pescamos pouco, mas no outro a seguir corre bem... |
E sim, podemos e devemos inovar, inventar diferentes maneiras de fazer. Todas as técnicas que utilizamos hoje, foram um dia inventadas por alguém e nisso a espécie humana tem créditos firmados. Aquilo que podemos tomar como garantido é que haverá sempre alguém com mais uma ideia, uma nova forma de pesca, um influenciador de todos os outros.
Nesse aspecto, e enquanto depender da imaginação humana, o mar ganha, mas nunca ganhará por muito tempo.
É desta “alternância de poder” que se faz a vida, aos dias bons sucedem-se inevitavelmente dias maus, e é neste pingue-pongue de experiências vividas que se avança na fina arte de bem pescar.
À fuga inesperada de um peixe sucede-se uma captura miraculosa de um monstro num dos últimos lançamentos, e é neste carrossel de sentimentos que navegamos.
Sabemos que se um dia é do pescador o próximo terá forçosamente de ser do peixe. Respeito e admiração por esses incríveis seres que lutam no mar pela sua sobrevivência.
Sabendo de antemão que a sorte de uns será sempre o azar de outros e se hoje está ruim então amanhã só pode ser melhor. Temos de saber ganhar e perder, e entender isso enquanto essência da própria vida.
Como dizia Voltaire, “Houve um horrível terramoto ontem em Lisboa mas ao mesmo tempo dançava-se valsa num salão em Paris”.
Vítor Ganchinho
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