SER UM BOM PESCADOR - DEFINIÇÃO

A quantidade de desaires e falhanços rotundos que acumulo na minha vida de pescador supera em muito os meus ralos êxitos.
Quando falo com outros pescadores, parece-me que para eles não existe o fracasso, as perdas de peixes, os desapontamentos. Apenas falam de capturas bem sucedidas, dando-me a ideia de que nunca falham. Pescam sempre, acertam sempre.
Será que é mesmo assim? Talvez seja, talvez seja eu que sou menos bom….porque continuo a perder peixes que me pareciam garantidos.
De vez em quando há um que se desferra e vai embora, deixando-me numa pilha de nervos...

Magnífica garoupa de 38 kgs. Inspira força e agressividade...

Se quisermos ser sinceros, não há quem apenas tenha situações em que ganha, não há quem pesque sempre e muito. Por vezes perdemos, ou se quiserem, perdemos mais vezes que ganhamos.
Para mim, por definição, um bom pescador não é mais que um colecionador de tempo e dos seus raros fragmentos de sucesso.
Ao longo de uma vida empilha mais situações de êxito, mais pesca e mais peixes que a maior parte dos outros pescadores e por isso cria um histórico. Uma imagem.
O dito bom pescador apenas é mais insistente, mais resiliente e por isso consegue mais sucessos.
O tempo não é neste caso indiferente porque é ele o catalisador dos momentos de brilho, o garante da existência de muitos casos que acabaram bem.
E se temos muitos casos de sucesso acumulados, dizem que somos bons pescadores.
E a partir daí podemos passar a ensinar os outros. Mas o que é isso de ser “bom pescador”, que linha divisória é essa que separa as águas entre os bons e os outros?

Uma linha de água. Muitas vezes indica separação de densidades, salinidades, e até temperaturas. Foto Luís Ramos, a quem agradeço o seu envio. 

Há pessoas que têm da pesca uma visão panorâmica, a 360º, que os torna mais sábios. Vivem a pesca e da pesca e isso faz deles enciclopédias vivas de conhecimento.
O Luís Ramos é uma dessas pessoas. 
Quando pesco com ele em Angola sinto que estou em boas mãos.
No caso do Luís, ele já passou tantas vezes pelas situações que antes delas começarem já sabe o seu fim. “Experiência de pesca” é um nome aceitável para isto, podemos usar.
Por isso mesmo, e porque quer sempre que nós consigamos os melhores resultados ao lado dele, é lesto a dar instruções. São curtas, precisas, e sentimo-las muito experimentadas.
Não nos deixa sem controlo, (porque a perda do peixe não nos irá deixar felizes a nós), mas dá-nos todas as condições para sermos bem sucedidos. Ensina-nos.
Com ele, vamos pela violência da espada e pela benzedura da evangelização, algo assim.
Manda e inspira.
Digamos que tudo funciona com uma pequena percentagem de autonomia nossa, mas sempre controlada por ele, se me faço entender.

Sei que participou nesta competição e ganhou. Para que o torneio fosse justo para com todos os outros participantes, na minha opinião o Luís deveria ter ido pescar vendado e algemado…

Imagino o quanto se diverte, ele que pesca como profissional naquelas águas todos os dias, com as nossas teorias e inusitadas experiências.
Somos livres de tentar, até ao limite em que ele vê que estamos a ir por um beco sem saída. Aí, estala o chicote e muda-nos de rumo. Obriga-nos a encontrar um novo equilíbrio entre emoção e razão.
Na verdade nós não somos, por nós próprios, capazes de entender se estamos no caminho errado. Sonhamos teorias de pesca que funcionam em sistema de espiral crescente.
A ideia de quem vai a Angola é partir à exploração de águas virgens, presumivelmente nunca pescadas, algo que funciona bem no imaginário de toda a gente, de todos nós que pescamos.
Menos na ideia dele, que prefere gastar o seu tempo onde sabe que resulta porque já conhece os terrenos.
As águas que controla são seguras e não conduzem a decepções, isso é certo.

Um barco, uma pessoa, uma cana. E muito peixe….toneladas de peixe.

Como podemos fazer comparações entre pescadores? Como se define…”melhor”?
As técnicas e os níveis técnicos de cada um são tão diferenciados e dispares que qualquer semelhança e proximidade será pura coincidência.
Por outras palavras, o que é um bom pescador? Esta é uma questão de difícil resposta. Pode até nem ter uma resposta directa, aceitável, consensual.

O que define o pescador de linha “consagrado”? Serão os resultados diários obtidos ou a capacidade intelectual de os entender?
Um pescador veterano e conhecedor até pode conseguir menos peixe mas sabe entender o porquê do seu menor desempenho nesse dia.
A dada altura damos por nós a pensar que mais que apenas a quantidade média de peixe pescado, aquilo que separa um pescador digamos mais “profissional” de um amador não será apenas a definição do nome em si, o puro e duro da categoria de profissional enquanto emprego.
Da necessidade de viver daquilo que se faz.
Mais que tudo, mais até do que agrupar as pessoas pelas semelhanças entre pares, aquilo que conta são as diferenças para com todos os outros.
Em termos de definição de “bom pescador”, devemos procurar entender não o que os une à classe de pescadores comuns, mas sim os outros detalhes, aquilo que os separa.
O Luís tem um entendimento do mar que escapa completamente a um pescador normal. 
A leitura que faz de cada detalhe de mar excede em muito aquilo que um pescador comum consegue entender.

Dourado. Por cá estes peixes seriam muito bem recebidos por qualquer pescador, até porque são deliciosos para comer. Passou um encostado ao nosso barco e a reacção dele foi: “deixa-o ir, saltam muito, são perigosos quando os tentamos desferrar”…

Bem sei que terá os seus detractores, aqueles que mesmo assim não gostam dele ou não estão convencidos dos seus méritos.
Quando falamos de bom ou mau, melhor ou pior, entramos no campo do subjectivo e isso só pode ser detectado por alguém que saiba muito do assunto, alguém que saiba analisar o que vê.
E poupem-me a comparações. A maior parte dos pseudo grandes pescadores que por aí andam e enchem ecrãs de autoelogios, que nunca tiveram na ponta da linha um peixe a fazer força a sério. Gente que acha que por pescar meia dúzia de sargos já pode ombrear com ele.
Na realidade são pintos de aviário. São auto proclamados bons, mas não passam de “artistas” da pesca, com currículos que resultam de inusitados tempos de antena nas redes sociais, de uma resma de comentários circulares e sempre chegados de forma favorável, oriundos dos seus amigos mais próximos. Ou até de verdadeiros disparates aspiracionais dos próprios.
À quase totalidade desses pândegos falta-lhes mar. E disso o Luís tem que chegue…para lhes dar.

Em termos de possibilidades figurativas, podemos ser pescadores diferentes, ter opções quase antagónicas, do surfcasting ao spinning, do jigging à pesca vertical, mas por mais divergentes que possam ser as opiniões não deixaremos nunca de poder e dever prestar a nossa homenagem a quem é grande. A quem é bom. 
Repito, podemos ser apologistas de quadrados, de círculos ou triângulos, ser de base e formação muito diferentes entre nós mas isso não nos pode nem deve impedir de ter o discernimento intelectual de saber admirar quem é melhor e está num patamar acima.
Quando encontramos um de nós, portugueses, num tão restrito patamar superior e de excelência da pesca global, devemos agradecer podermos estar representados por ele.
As maiores marcas mundiais conhecem-no, sabem quem ele é e o que faz no seu dia a dia e querem estar ligados a ele.

Cana Zenaq, carreto Studio Ocean Mark, SOM, e jig CB One. Que mais?...

Porque é então tão difícil assumir que há alguém tão melhor que nós?!
Se alguém está numa galáxia diferente da nossa porquê insistir em puxá-lo para um nível mais baixo? 
E se em vez de o querermos acorrentar ao chão para que não voe, o deixarmos ir bem longe na sua capacidade de pescador?
E que nos represente a todos nós na sua essência de emérito pescador português? Vem mal ao mundo por isso?
Porquê insistir à força em o obrigar a ser mais um de nós, e não em o admirar naquilo que ele tem de diferente?! Porque não dar-lhe apoio?
Temos um português no topo do mundo da pesca. Que bom para todos nós!!


Vítor Ganchinho


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2 Comentários

  1. Fico sem palavras meu grande amigo, e só tenho agradecer por o ter como amigo e ter o prazer da sua companhia a bordo do incrível uma vez ao ano. Pode ser que um dia os voos sejam directos e possamos pescar mais vezes juntos. Um abraço forte e até já 😃💪

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    Respostas
    1. Luis, eu nunca vou desistir de bater o recorde de Angola de garoupa!

      Um dia aquela malandra que me rompeu uma linha Dyneema com 49kgs de resistência irá
      ter menos sorte.
      Desistir nunca!

      Até lá, espero que o "Incrível" se mantenha à tona de água e que a Carla continue a mandar ananás e papaia com fartura.

      Convém dar uma pintura de fundo no "Desincrível", just in case....podemos vir a ter de sair nele.


      Grande abraço
      Vitor

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