Tenho a certeza de que muitos de nós estariam disponíveis para fazer um mergulho profundo num submarino e ir ver com os próprios olhos aquilo que existe no fundo do mar.
Mais ainda se esse mergulho acontecer em Benguela, Angola.
As imagens que nos chegam de garoupas gigantes enviadas pelo Luís Ramos são impressionantes e não deixam margem para dúvidas: o sitio é aquele, os fundos são aqueles.
Se é fácil conseguir um troféu desses? Não, não é fácil….
A ser fácil muitos teriam no seu portfólio peixes de 70 kgs, arrancados de profundidades de mais de 150 metros, com lutas violentas do primeiro ao último segundo.
Mas apenas uma elite consegue obter esses resultados, os outros apenas tentam.
Eu, porque queria muito ser dos que conseguem, fui equipado com uma linha super forte, um Dyneema da Berkley no diâmetro de 0.28mm, um PE4 com resistência de 44.9 kgs.
Uma "linha Dyneema" (também chamada de linha UHMPE - Ultra-High Molecular Weight Polyethylene) é uma corda trançada de alta resistência, feita de uma fibra sintética muito forte, mesmo muito forte, e na qual eu confiava para trazer um daqueles mastodontes para cima. Até ver, não conheço nada acima em termos de resistência.
Este ano fui ter com o Luís na esperança de conseguir ferrar uma garoupa acima dos 40 kgs.
O objectivo era tão só dar uma dessas garoupas à luz. Leia-se trazê-la à superfície...
Bem sei o que é necessário fazer para a subir, da luta titânica que estes peixes oferecem mas ainda assim, a perspectiva era animadora: ele tinha perdido um peixe grande por diversas vezes, segundo o Luís com um mínimo de 50 kgs.
Por cinco vezes lhe tinha rebentado a linha, sendo que da última, o fio do leader utilizado era algo como ….100 libras.
Identificado o local como um lajão de pedra profundo, com difíceis condições de captura, eventualmente uma gruta com rocha cortante no topo, aquela garoupa era já proprietária de 5 jigs que pertenciam ao meu anfitrião.
Sei que as garoupas acabam por se libertar daqueles incómodos apêndices, sei que algumas delas apenas os mantêm por alguns dias, mas ainda assim o desafio era tremendo. Assusta pensar na força descomunal que vamos ter de fazer para arrancar o peixe do seu buraco.
À chegada à marca, ao ansiado ponto de GPS, o Luís deu-me a deferência de lançar em primeiro. Nada.
Era pressuposto que o peixe, já “descrente” em jigs brilhantes, fosse mais receptivo a um peixe vivo, capturado no local. Isso faz-se exibindo o jig alguns metros acima, tentando as “grelhas” um lindíssimo peixe vermelho que vos mostro a seguir:
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O lance é composto de duas fases: a captura da “grelha” no local e a imediata descida ao fundo, onde as grandes garoupas patrulham à procura destes peixes feridos ou debilitados. |
Mas a escassez de isca era evidente, o peixe miúdo não estava lá.
A ausência de peixe forragem obrigou à utilização de uma carnada de atum, capturado a alguma distância. Mesmo assim, o resultado foi zero.
Não havia maneira de convencer a garoupa a morder.
Dada a diferença de temperaturas da água, podemos equacionar se o peixe se manteve por ali, ou se terá “emigrado” para outra paragem, eventualmente mais para o largo, para os fundos dos 200 / 300 metros.
A verdade é que a resposta foi negativa, a garoupa gigante não deu sinal de si. E isso condenou-me a mim e a ela a viver …”vidas separadas”.
De resto, nenhum peixe de bom tamanho foi capturado durante uma semana de trabalho, por duas pessoas, o que diz bem da ausência de peixe naqueles locais. Ou da sua indisponibilidade para comer…o que não me surpreenderia dadas as péssimas condições que tivemos de enfrentar, com correntes fortes e águas frias.
Uma coisa posso garantir: não poderia ter melhor guia de pesca, alguém com melhores conhecimentos do que a pessoa que ali trabalha como profissional de pesca há doze anos….
Em três dias fizemos mais de 210 milhas de mar, seguimos rotas com resultados comprovados, lançámos em marcações seguras, obituários assinalados com cruzes no GPS do Luís, os quais atestam bem a qualidade daqueles fundos.
Mas o peixe não estava lá, ou não teria condições de se alimentar.
As fortes correntes, por vezes cruzadas, com um sentido à superfície e outro no fundo, o vento inclemente que se fez sentir, tudo isso nos prejudicou imenso.
Não obstante todos os esforços do Luís, e sei que ele deu o seu melhor, não foi possível conseguir resultados.
Acho estes peixes lindíssimos. Trata-se de uma espécie muito abundante, objecto de caça das grandes garoupas angolanas. |
Pescar àquele nível não é infelizmente para todos.
Exige capacidade física extrema, força e resistência, destreza técnica, conhecimento do meio e alguma coragem.
Eu sei que isto vos é difícil de entender, mas a maior parte das pessoas que pesca não consegue fazer aquilo. Não conseguem mesmo!
Vou procurar dar-vos uma imagem que vos ajude: imaginem que alguém é lançador de dardos.
Caso esteja em frente ao alvo e a uma distância de meio metro, pode esticar o braço e cravar a seta exactamente onde quer, no centro do centro. Mérito zero mas pontuação máxima.
Isso é o que fazem aqueles que pescam com iscos orgânicos, a peixes que comem aquelas coisas todos os dias. É fácil.
Agora vamos colocar alguma dificuldade na operação: vamos aumentar a distância para 30 metros! Tenho a certeza de que apenas uma ínfima parte dos lançadores de dardos poderá sequer conseguir atingir todo o alvo, e quanto a colocar uma seta no centro,…. esqueçam.
Em termos de pesca seria algo como alguém que faz pica-pica por rotina ser capaz de pegar numa cana de jigging pela primeira vez e pescar uma dúzia de pargos de 8 kgs.
Lamento desapontar-vos …aquilo que o Luís faz ainda não é isso. É muito mais.
Ele é capaz de espetar o dardo no centro do centro do alvo lançando a 120 metros, e com esse alvo aos saltos, em movimento frenético. E se o desafiam a fazer isso com os olhos vendados …ele faz.
E se o irritam, se apertam com ele, em caso extremo ele ainda é capaz de acertar no centro do centro do alvo lançando o dardo a 120 metros ….de costas.
Só se entende vendo-o pescar...
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Reparem nas águas que apanhámos... |
Por outras palavras, não obstante o vento forte e a corrente inaudita que se fazia sentir, eu tive a oportunidade de fazer jigging vertical, sem qualquer constrangimento, a pescar a 130 metros e a deixar cair o jig exactamente sobre peixe que ele marcava no fundo.
Trabalha em função do peixe que detecta colado ao fundo, e não em função da pedra ou da marca GPS. Aproa o barco não ao vento e não à corrente mas sim ao jig e à sua descida, calculando a deriva que esse vento e corrente lhe irão provocar até chegar lá abaixo.
Com ondulação e vento forte, com duas correntes cruzadas, uma de superfície e outra de fundo, ele trabalhou os comandos do barco durante uma semana de forma a que eu pudesse pescar em cima dos peixes. Confortavelmente.
Ou seja, ele sabe o peso do meu jig, sabe o diâmetro da minha linha, tem em conta a profundidade, (sempre superior a 120 /130 metros), analisa a corrente, fixa o ponto em que está o peixe no fundo, calcula os metros de deslocação do barco em função das rajadas de vento e diz-me: “podes lançar”!
Sabem o que é que faço entretanto? Como quilos de papaia madura que a incansável Carla, sua mulher, me manda dentro de uma caixa. Eu só pesco…
E ele continua a sua incessante busca, sem tirar os olhos do monitor da sonda.
Na verdade ele renova a sua confiança no sucesso a cada instante.
Num mundo implacável e duro como a pesca, ser capaz de fazer o luto das situações negativas e partir daí para uma nova batalha é muito importante.
Ele, aparentemente imune à incerteza, não desiste, não verga, e mesmo quando a ausência de peixe é geral, quando não há uma escama em lado nenhum, mantém a calma e continua a procurar.
Isso requer muita força emocional.
Quero crer que este homem se trata de um dos últimos exemplares de uma espécie em vias de extinção.
As novas gerações nasceram em berços demasiado dourados para se sacrificarem física e mentalmente ao nível de um Luís Ramos.
Vem aí uma verdadeira ruína física e anímica, as gentes dos Tik-Toks.
Um dia dirão que os telemóveis são demasiado pesados...
Vítor Ganchinho
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Foi de facto uma semana de mar muito difícil,seja pelas condições como pela ausência total de peixe durante quase 3 mêses.
ResponderEliminarQuando a natureza sofre uma alteração como a falta de chuva, é inevitável que todo um ecossistema sofra com essas alterações.
Em 13 anos acredito que foi o pior ano de seca em toda a Angola. Mas vamos a ver se para o ano não vamos ter dilúvios uns atrás dos outros e voltamos a ter um verão atípico.
Mas aconteça o que acontecer, lá estaremos os dois para ir à luta em busca do monstro do lobito!!
Um grande abraço e até já grande amigo
Luis, essa garoupa de 40 kgs está-me prometida tanto quanto as filhas dos ciganos o estão logo que nascem para os filhos dos amigos.
EliminarÉ garantido!
E já agora aproveito para dizer que comprei dois carretos de jigging Daiwa Saltiga 35 HL para a trazer para cima.
Vou finalmente poder pescar com a maquina certa no sitio certo.
A operação "Garoupa 2026" já começou...
Abraço
Vitor
E o prometido é o devido, não falha. Nem que tenhamos que vestir o escafandro e ir até lá abaixo e dar dois pares de chapadas nela para ver se ela desperta e vê o que está a perder ao não morder no seu jig Namu!!
ResponderEliminarVenham de lá os novos 35 para ajudar na luta que ela nessa altura já deve ter 100 kg..kkk
Até já e boas proas
A minha garoupa está a banhos e massagens.
EliminarÉ deixar estar o bicho e não incomodar o seu crescimento.
Nada de lhe mandar jigs ...."indigestos".
Eu trato do assunto.
Abraço
Vitor