A DOLOROSA VERDADE...

Estava um dia de mar frisado, com um pequeno toque de vento.
O período da onda era curto, por força daquela mareta que nos abanava sem cessar.
Isso iria contribuir decisivamente para o desenlace que vos contar hoje, uma inusitada pesca que muitos de nós já fizemos e na verdade poucos ou nenhum de nós deveria poder fazer.
Conto-vos a história:

As conchas de chocos degradam-se, originando micropartículas que apenas aumentam o teor de sais minerais da água.

Saí de manhã bem cedo, com um amigo cujo nome irei propositadamente omitir, por ser a vítima desta pescaria, (chamemos-lhe Paulo...) e mais um casal de alemães que adorou a sua primeira experiência de mar em Portugal. É incrível como eles valorizam aquilo a que nós chamamos de “um dia de pesca normal”...

A dada altura, o meu amigo ferrou algo que lhe pareceu ser grande!
Cana dobrada, alguma linha a sair, muitas rugas na testa e ainda mais receio de que a linha pudesse não aguentar a pressão.
Pescador recém chegado ao mundo da pesca vertical, pouco habituado a distinguir a diferença das picadas e da forma como cada espécie faz vibrar a cana, o Paulo garantia que era o peixe do dia. A dada altura afiançou que afinal era um polvo:
_ Tenho a certeza absoluta de que é um polvo! Estou a sentir os impulsos que dá com os tentáculos! Tem de ser um bicho enorme, muito grande. Vamos ver se não o deixo agarrar ao fundo outra vez....
Eu olhava pelo canto do olho e não via nada disso.
Perguntei-lhe: Mas ...Paulo, não está no fundo, certo?....
_ Não, já o subi uns 30 metros!! De vez em quando faz pressão para voltar ao fundo e a seguir deixa-se vir. Mas o peso é brutal! Temos bicho!

Muito abaixo dos nossos pés, há estruturas onde se fixam objectos humanos que representam poluição. As correntes empurram para estes locais toda a sorte de lixos.

Havia ali alguma coisa que não batia certo.
Dei por ele a controlar o drag do carreto, a querer garantir que nada de ruim iria impedir aquela captura.
Dizia-me: “seria bom teres o enxalavar à mão, não podemos perder este bicho!”....
Aproximei-me e sugeri que podia ser algo diferente. Os momentos em que o dito “polvo” puxava mais correspondiam à passagem das vagas.
O barco sobe, estica a linha, faz pressão, e a seguir folga, dando a possibilidade de recuperar mais alguns metros de trançado.
Na verdade, ele recolhia linha. Não era mais um clássico de “fundo preso”, como acontece tantas vezes a quem está pouco prático nestas andanças.
_ Tenho a certeza de que este será sempre o meu recorde de polvo!
Ou não, pensei eu para mim mesmo...

Os fundos estão cheios de coisas bonitas, que devem ficar por lá...

Daí a breves instantes, o culpado de tanto esforço mostrou-se à superfície.
Fui guardar o enxalavar, sem deixar de esboçar um sorriso.
O Paulo tinha ferrado ...uma rede plástica de gaiola.
Li a decepção no rosto que aquele “peso” lhe provocou. A pesca também tem disto, a criação de expectativas e a desilusão de descobrir a verdade.
Recordo-me do filme Matrix, onde é dado a fazer uma opção: um comprimido vermelho e um comprimido azul representam a escolha entre a verdade dolorosa e a ignorância abençoada.
Por vezes mais vale que a linha ceda, que rompa e deixe ao imaginário de cada um a possibilidade de adivinhar o que poderia ter sido, a certeza de ter anzolado algo muito grande.
São essas coisas que nos motivam a ir vezes sem conta ao mar, a tentar uma vez mais.

O polvo, o tal que abria e fechava os tentáculos...

A rede de plástico, há muito no mar, estava plena de vida. Por fim colocou-se a questão: mandar de novo para o fundo para poupar a vida àqueles corais e demais seres vivos que colonizavam a estrutura, ou... retirar aquele produtor de microplásticos do fundo do mar.
Ganhou a segunda possibilidade. Certamente o fundo estaria bem fornecido daquele tipo de vida, mas o plástico estava realmente a mais.

Ao fim de alguns meses/anos, estas estruturas artificiais estarão cobertas de vida, mas ao mesmo tempo libertam partículas de plástico e isso é altamente nocivo para o ambiente.

No meu caso, a opção vai sempre no sentido de trazer para terra tudo aquilo que é lixo humano e os microplásticos são isso mesmo. E muito perigosos para a saúde de todos nós.
Já foram detectados casos de existência de microplásticos em suspensão no...leite materno, por consumo de peixe.
Assim sendo, e sem dúvida nenhuma, a opção correcta será sempre a remoção daqueles objectos do fundo do mar. Façam isso.
A natureza tratará a seguir de criar mais vida.


Vítor Ganchinho


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