Cada vez me sinto menos tentado a sair ao mar com gente que quer ir pescar comigo visando apenas dois objectivos: encher caixas de peixe e marcar os sítios onde pesco.
Por todas as razões e mais alguma sinto-me desconfortável.
Se me maça fazer a procura incessante de peixe para comer, o dito “muito peixe para comer”, como se isso pudesse ser em si justificativo suficiente para ir ao mar, anulando por completo a procura da beleza de um lance, a subtiliza de uma técnica, um detalhe, também por outro lado me sinto incomodado com as pessoas que não largam os telemóveis de cada vez que chegamos a qualquer lado.
Há sempre um telefonema a fazer, uma rede social a consultar, verificar se a esposa ligou...tudo o que possa fazer com que o telemóvel esteja permanentemente na mão.
Nem seria necessário, com a possibilidade de seguir a rota através da aplicação de GPS, tudo pode ser monitorizado em casa, no remanso do lar...em sossego.
Hoje em dia marcar pontos GPS já nem obriga a uma marcação directa no local, por tão visível, tão descarada.
Confesso que as restrições que me imponho a mim mesmo são cada vez maiores e ...mais justificadas.
Pedras que estavam há meia dúzia de anos absolutamente carregadas de peixe grosso, com impressionantes stocks de pargos, robalos, sargos, douradas, etc, são hoje autênticos desertos.
Os barcos daqueles que comigo saíram uma vez continuam a ir lá, inquietos, esperançosos, mas a verdade é que já não resta nada. Já levaram tudo.
Massacraram os pesqueiros até os deixarem exauridos, secos.
Se passo de barco na zona, fazem-me sinal para eu ir ter com eles.
A conversa é a do costume: _”isto aqui não tem nada! Seria possível dar-nos outras marcas aqui na zona para safarmos o dia”?
Eu faço o que me é possível fazer: aceno e sorrio.
E passo...
Os meus colegas de pesca habituais sabem bem o que me custa passar por estes “náufragos à deriva” e não lhes dar uma mão. Por vezes estão a menos de cem metros de uma outra zona boa, mas eu não posso condenar aqueles ecossistemas a uma morte anunciada.
Porque a seguir será outra e outra...e os peixes nunca serão suficientes. Há pessoas para quem todo o peixe do mar não é suficiente.
Deixo que entendam por si a necessidade de uma gestão cuidada dos pesqueiros, da necessidade de nunca se retirar tudo aquilo que podem dar.
Os peixes precisam de outros peixes, de peixe miúdo, de comida, ou não se fixam, saem para outras paragens.
Uma politica de "terra queimada" só serve a quem não precisa de mar para viver, para respirar, para se sentir em harmonia consigo próprio. Para mim, sair ao mar é muito mais que pescar peixes, mas gosto de saber que eles estão lá, onde devem estar.
Ocorre-me isto a propósito de uma técnica de pesca de mariscos que vai fazendo escola por Setúbal: a captura de lagostas a partir de redes velhas, perdidas.
Para mim, uma rede abandonada no fundo é um crime ecológico, algo que deve ser de imediato retirado porque representa um perigo para diversas espécies.
Para outras pessoas, representa uma forma de facturar, de fazer dinheiro.
O princípio é simples: uma rede estragada e obsoleta é lançada num ponto, e essa rede irá emalhar e capturar peixes, sem que o intuito seja o de os recuperar.
A seguir, atrás dos peixes mortos de cansaço de lutarem contra a prisão da rede, irão os necrófagos do mar. Sim, os búzios e ...as lagostas.
Quando tudo vem à tona, aproveita-se aquilo que é vendável e volta a largar-se a rede rasgada para o fundo.
Dias depois, volta a lançar-se uma fateixa, a recuperar a rede velha e o drama segue.
Vítor Ganchinho
😀 A sua opinião conta! Clique abaixo se gostou (ou não) deste artigo e deixe o seu comentário.
Concordo.
ResponderEliminarTodas as vezes que vou á pesca seja de kayak ou a pé, vejo "pescadores" a guardarem tudo que vem ao anzol...não interessa o tamanho ou quantidade...falta de respeito...ganância...muito triste...sem educação...
A quantidade de gente que faz isso é imensa, e beneficia da impunidade geral em que se encontram as nossas pescas.
EliminarOu alguém acredita que uma traineira que lança uma rede com 300/ 400/ 500 metros de cerco a sardinhas, ..apenas pesca sardinhas?
Então e os robalos não estão colados a elas?
Que hipóteses têm de escapar a uma rede com malha de 1 cm?
Para onde vão esses robalos? São libertados?
O tamanho mínimo dos peixes deveria ser revisto, e mais que isso, devia haver fiscalização regular, para que as pessoas pensassem duas vezes antes de aceitar trazer para terra exemplares imaturos.
Tem a ver com cultura ambiental, e tem a ver com tudo, com o facto de as pessoas não terem limites na sua ânsia de trazer coisas do mar, ainda que sejam baldes de robalos com um palmo.
Para que serve uma dourada de 15 cm?????
Abraço e obrigado pela sua participação.
Vitor
Já eu ... não me chateio.
ResponderEliminarJá me aconteceu durante (várias) pescarias, outras embarcações correrem para perto de mim depois de algumas boas capturas, ou meterem-se na minha rota (eu pesco de kayak) já aconteceu largarem os estralhos para dentro do meu kayak hahaha.
Depende de mim se me chateio ou não.
O que faço é escolher outra zona ... e continuar a pescar. A frustração dos outros é grande e não percebem que o kayak tem a vantagem grande de ser silencioso.
Se vou com alguém, não tenho problema (e compreendo) em deixar o telemovel em terra.
O que pretendo é adquirir conhecimento, tecnica.
Se o Vitor quiser honrar a promessa de há alguns anos (inicio do covid), insisto adotar essas condições!
abraço, paulo
Bom dia Paulo Fernandes
EliminarEu já tive situações em que "convido" as pessoas a virem pescar para dentro do meu barco!...
Sabe como é: uma pessoa está só e a puxar peixe para cima. E a seguir aparece um "paivante" que passa devagar, vê o que se está a fazer e pára.
A seguir, coloca o barco a favor da corrente e vai-se aproximando, a assobiar para o ar.
E vai daí, lança o ferro de forma a ficar colado.
E a seguir outro, que aparece por ver dois barcos juntos e pára. Dai a pouco está a impedir-nos de lançar porque se aproximou demais.
E o que se segue é eu sair da zona e ir para outro lado. Saturado.
Gente para sair comigo eu tenho às centenas, e toda a gente me diz que é mesmo para ver as técnicas.
Nunca me apareceu ninguém a dizer que queria sair comigo só para ficar com as marcas dos meus locais de pesca.
Por uns acabam por pagar todos.
Já aumentei os preços das saídas para 600 euros por dia, (de uma a quatro pessoas o mesmo valor), e mesmo assim aparecem às dúzias.
Há gente que me diz que nunca pescou, que é só para perceber como se faz, e a seguir eu venho a saber que tem um barco nesta ou naquela Marina ( por vezes na mesma que eu....) há mais de dez anos. E que sai à pesca regularmente....
Ou pessoas que se juntam para pagar uma saída, vai um que tira os pontos e a seguir vão todos pescar para onde eu levei essa pessoa.
Depois de ver os meus pontos de pesca à venda no OLX, já credito em tudo.
Estou saturado!
A única forma é mesmo eu ir ter com a pessoa e pescar na zona dela. Isso sim, faz sentido.
Pesco aquilo que há na zona e faço aquilo que sei fazer, mas fora dos meus locais de pesca pessoais.
Sentiria o mesmo se visse a destruição que se pode fazer a um local caso aconteça a pesca intensiva, dia sim dia não....a pescar tudo, de grande e de pequeno.
Abraço
Vitor