E DE REPENTE, DO MEIO DO NEVOEIRO...

Saio com frequência com pessoas com pouca ou nenhuma experiência de pesca.
Isso não me incomoda nem um pouco já que faz parte do trabalho de um guia saber adaptar a pesca que pode fazer à realidade das pessoas que embarcam consigo.
Gordos e magros, altos e baixos, novos e velhos. Há de tudo e todos merecem uma oportunidade de conhecer o inacreditável mundo do mar português.
A diversidade de gente que me surge obriga-me a um exercício de escolha de locais e técnicas de pesca tão diferentes quanto essas pessoas são diferentes: pescadores veteranos e experimentados, gente que já lançou linhas por esse mundo fora e que aqui procura apenas um pouco de paz de espírito e ar puro, jovens que procuram dar os primeiros passos nesta fina arte da pesca, ávidos de informação, senhoras a pescar incrivelmente bem pela sensibilidade que revelam para os mais subtis detalhes, crianças que valorizam mais os golfinhos que voam ao lado do barco que os peixes pescados, enfim, ...de tudo um pouco.
É ter todas as Nações Unidas dentro de um barco de 8.10 mts.

Magnífico peixe-galo com cerca de 3 kgs de peso, feito com um jig Shimano de 35 gr.

Pode mesmo acontecer que um simpático brasileiro me contacte no sentido de alugar o barco em exclusividade para que eu o leve ao mar e....nem queira pescar!
Pessoas que têm vidas muito agitadas, quer em termos profissionais quer pessoais, muitas vezes apenas procuram um pouco de calma, de paz.
Vejam este cliente que apostou tudo em ir dormir umas horas para o largo:

Para esta pessoa, dormir profundamente era mesmo tudo o que queria do nosso mar...

Guia de pesca aguenta, conduz o barco e vai sondando e marcando novos pesqueiros enquanto espera que a pessoa acorde.
Mas nem sempre os dias são tão calmos. Felizmente, até porque eu gosto é de ver sair peixes bons.
A um grupo de quatro simpáticos holandeses propus uma saída de pesca diversificada, com duas técnicas diferentes, em dois locais distintos.
Um barco semirrígido ultrarrápido traz uma vantagem enorme quando se trata de mudar de cenário em curto espaço de tempo.

A ideia era começar por pescar iscas vivas, cavalas já se vê, e a seguir ir tentar os atuns num corredor de passagem habitual que tenho identificado já há alguns meses.
Há atuns grandes, há cavalas e a intenção era juntar estes dois dados e fazer acontecer uma pesca interessante.
Acontece que dois dos elementos eram jovens de 14 e 15 anos de idade.
Jovens ainda na fase de quererem ter uma caixa de peixe dedicada a cada um, para medirem no fim o seu desempenho individual, para entre eles encontrarem um vencedor.
Pois seja, nós também já fomos jovens e sabemos que aquilo que hoje não tem qualquer importância, já a teve no passado.
A verdade é que estavam a pescar alguns peixes, ainda que sem demasiado brilho. E por isso mesmo, porque estavam entretidos e a dar luta às “miudezas”, queriam ficar.
A juventude não aceita facilmente sair de uma zona onde está a pescar peixe de forma sistemática para ir para outro lado onde, na perspectiva deles, pode haver ou não haver...
E que não, que ali é que era bom porque ainda havia muita cavala e carapau para pescar, e não, não queriam mesmo sair. Bateram o pé!
E se os rapazes insistem... nós adultos ficamos. Mesmo sabendo que o valor de uma pescaria de cavalas e carapaus é nulo, e que outros horizontes se abriam com a captura de um atum.
E que atuns bonitos temos agora na nossa costa, senhores!!

Um peixe galo é sempre um troféu e um bom argumento para apresentar na mesa de refeições.

A dado momento, e no meio de uma resma de “bugigangas” pequenas que ainda assim faziam vibrar as pontas das canas, eis que do meio do nevoeiro de uma pescaria de inutilidades surge algo de mais pesado.
A primeira reacção do jovem pescador foi : “ ...o meu jig está preso no fundo”...
Percebi de imediato que não, os nossos fundos não fazem vibrar as canas, e muito menos levam linha. E este, embora timidamente, sempre levava alguma.
Debitei os habituais conselhos de cuidado e prudência a quem, por inerência da idade, tem demasiado sangue na guelra e num ápice pode estragar o que já estava feito.
Naquele momento, para ele, na sua óptica, conseguir pescar passava tão só por ser muito rápido a puxar aquele “peso” para cima. Enrolar linha e quanto mais depressa melhor!
Isso pode ser exactamente o contrário daquilo que há a fazer.
Nestes casos, uma mão amiga no ombro e uma palavra de calma do guia de pesca ajudam sobremaneira a conseguir um resultado final positivo.
Ciente de que um gesto irreflectido pode deitar tudo a perder, consegui que o meu jovem cliente fosse capaz de pôr um pouco de gelo no seu desmedido entusiasmo.
“E que tal se respirares fundo e descontraíres um pouco? Se não cometeres erros o peixe é teu”...
E o peixe subiu.

Para nós, aqui há apenas um peixe bom. Para um jovem de 15 anos, isto representa uma pescaria e peras...

Escusado será dizer que os atuns tiveram de esperar, não há quem arranque um miúdo de um sítio onde fez a captura da sua vida.
Tudo é possível, quem sabe até um atum mas para ele teria de ser noutra altura....”Capitão, deixamos para outro dia, pode ser? Hoje ficamos aqui!!”...
Pois seja.


Vítor Ganchinho


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