O tempo passa e o mar muda.
Para aqueles que seguem de perto a evolução da nossa costa ao longo das estações do ano é fácil perceber como qualquer dado novo altera por completo a realidade da nossa pesca.
Bastam alguns graus a mais ou a menos na temperatura da água para que as espécies presentes sejam outras.
Uns entram e outros saem, em função das suas conveniências térmicas.
Mais que isso, as migrações anuais estão encadeadas umas nas outras, num ciclo perfeito, como que obedecendo a um tic-tac de um relógio perpétuo que já existia antes de nascermos e continuará a sua marcha muito depois de cada um de nós pescadores cumprir o seu ciclo de vida.
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Grande Túlio! E o medo que ele tem de safios?... |
O final do mês de Setembro vai trazer-nos câmbios de estado do mar, eventualmente irão aparecer os primeiros ventos fortes e alguns sinais de ondulação mais alta.
As pedras estão a necessitar disso para a sua esperada lavagem.
Milhões de micro-organismos a que os peixes chamam de alimento estão agora enterrados no poalho, debaixo das algas, na areia envolvente aos afloramentos rochosos, minúsculos seres protegidos por uma suposta camuflagem de sedimentos pousados sobre o fundo.
Mas isso vai acabar com a chegada dos primeiros temporais, aqueles que irão revolver a areia e a matéria morta e assim revelar os segredos escondidos.
O tempo de comer até rebentar está aí.
Os peixes programam as suas migrações para estarem presentes no local certo na altura certa.
As abróteas estão agora a engordar, a formar as gónadas, e irão “dar à luz” para o final de Setembro, princípio de Outubro.
Os carapaus negrões estão “quadrados” de gordos e preparam a sua desova para o fim de Agosto. Os polvos estão a chegar dos fundões, de profundidades que ultrapassam a duas ou três centenas de metros e visam as pedras baixas junto à costa. E quem é que os antecede? Sim, os safios, os grandes safios das profundidades estão a chegar agora, antecipando um festim de arromba.
Muitas outras coisas irão acontecer entretanto, a passagem dos atuns de retorna, magros depois da sua desova por latitudes mediterrânicas, a querer comer este mundo e o outro.
É um período em que as cavalas e carapaus vão sofrer perseguições que nem Jesus Cristo sofreu, e muitas toneladas irão desaparecer dentro de goelas abertas de cardumes de atuns famintos.
Mas o tema de hoje são os safios e é deles que vamos tratar.
Por esta altura do ano, essas grandes cobras das funduras sobem, na mira de estarem posicionadas em lugares estratégicos.
Vi isto dezenas de vezes e sei que a chegada dos polvos é um momento alto para eles. Pedras na casa dos 15 a 30 metros de profundidade são locais disputados à força de muita luta e persistência, por serem as que melhores resultados irão proporcionar.
As grandes fêmeas polvo, aquelas cujo peso ultrapassa os 5 kgs, estarão um pouco mais a salvo da pressão predatória destas bestas dos mares. Pessoalmente nunca vi um safio a raiar sequer os
tamanhos máximos anunciados, cerca de 3 metros para um peso de 110 kgs. Sei que vão aos aparelhos dos pescadores açorianos safios acima dos 50kgs, mas na Europa, segundo creio, são os ingleses quem os tem de melhor estampa, acima dos 100 kgs.
Tenho um amigo irlandês, Roger Cunningham, que pertence a um clube de pesca dedicado em exclusivo à pesca do safio...
Ele há gostos...
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A pinça de controle é um acessório útil para evitar dentadas e ....azares. À venda na GO Fishing em Almada. |
Vejam as imagens do meu amigo Túlio Matos, com um safio digno de registo. Um bichinho de 2 metros...
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Aquilo que chega à nossa costa tem dimensões bem mais modestas, sendo que a quantidade de safios acima dos 40 kgs deverá contar-se pelos dedos de uma mão. Julgo eu, que mergulhei durante 35 anos e só muito raramente os encontrei a esse nível.
Mas posso assegurar que pequenos safios até aos 10 kgs existem aos milhares em toda a costa.
Assim de passagem recordo-me de um tubo de esgoto de uma marisqueira em Setúbal, por onde eram lançados ao estuário os restos de mariscos mortos, impróprios para consumo humano.
No seu interior esse tubo tinha sempre um safio, que, alimentado em quantidade e qualidade, crescia até ocupar a totalidade do diâmetro da tubagem.
Podem ser assustadores quando chegam a estes pesos, ficam disformes de gordos e extremamente perigosos para quem se atreva a colocar uma mão desprotegida à frente da sua mandíbula.
Um amigo que me acompanhou numa das minhas saídas de caça sub, atreveu-se a pôr a mão à frente da boca de um deles, nem por isso demasiado grande, cerca de 8 kgs, e foi a última vez que viu a sua mão com todos os dedos inteiros...
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Fiz-lhe o curativo possível, atendendo aos meios existentes e à minha habilidade de enfermeiro Não foi possível encontrar a ponta do dedo mordido, desapareceu.. |
Vamos continuar no próximo número.
Este artigo, por razões que se prendem com a sua extensão foi subdividido em três partes.
Vítor Ganchinho
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