Temos vindo a espiolhar alguns dados relativos ao safio/ congro, e a sua umbilical ligação com os polvos, sem dúvida um dos seus alimentos favoritos.
O seu corpo esguio, fusiforme, permite-lhe adentrar frestas estreitas, buracos impossíveis por onde apenas um polvo isento de esqueleto sólido pode entrar, e capturar aí polvos esquivos como Houdinis.
Numa pedra com meia dúzia de buracos, se quatro são habitação de polvos, os restantes dois são de safios.
Imaginem o que isso significa para os pobres dos polvos....vivem dia e noite com a cabeça no cepo.
A sua técnica de caça é assustadoramente eficaz: ou bem que os apanham a chegar à pedra, ainda no limpo, na areia, indefesos, fáceis, ou os procuram nas tocas de desova.
Aí, pese os polvos procurarem defender-se colocando pedras entre eles e os safios, segurando estas firmemente nos seus tentáculos, isso de pouco lhes vale.
Quase sempre um dos oito tentáculos fica mais vulnerável, mais desprotegido e é aí que as mandíbulas fortes do safio apertam para não mais largar.
O que se segue é digno de um filme de terror: girando vertiginosamente sobre si próprio, o safio (ou congro, designação dada a safios de grande porte) torce o tentáculo até o conseguir amputar por completo.
Caso não seja possível obter mais, ainda assim um tentáculo de polvo é uma refeição suficiente. No dia seguinte, a coberto da escuridão ou mesmo em plena luz do dia, o safio irá visitar de novo o inquilino do lado.
Mais uma vez irá cobrar a sua parte e se desta vez o conseguir na totalidade é certo e sabido que aquele buraco irá futuramente ser de novo ocupado por um outro polvo ...crente em Deus.
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As primeiras duas hora do dia são por norma frutuosas, revelam-nos momentos mágicos de pesca. O peixe tende sempre a mostrar grande actividade. |
Polvos pequenos, digamos que até aos 3kgs de peso, são vítimas de safios ou mesmo de....outros polvos. Trata-se de uma luta fratricida, em que cada um reclama para si um pouco mais do ser que vive ao lado.
Os tentáculos dos polvos regeneram, voltam a crescer, e daí não viria mal ao mundo, mas muitos deles, milhões deles ao longo de toda a costa portuguesa, irão perecer em nome da perpectuação da espécie.
É este o inevitável ciclo da vida, uns morrem para que outros vivam.
Durante o espaço de tempo da desova, as fêmeas irão tentar proteger as suas ninhadas, as quais pendem do tecto dos buracos como cachos de uvas.
Injectam água de forma a manterem limpas de algas, poalho e tudo o que possa prejudicar o normal desenvolvimento dos embriões. Um dia, já com os “filhotes” nascidos, irão sucumbir a toda a provação a que estão sujeitas.
E à falta de alimento, já que durante esse período não ingerem alimentos de nenhuma ordem. A sua única e exclusiva tarefa nas águas rasas da nossa costa é dar à luz e proteger as ninhadas. E morrer a seguir....
Os safios, esses, sabedores daquilo que irá acontecer, esperam pacientemente o seu momento, seguros de que os polvos não capturados irão morrer a seguir de exaustão. E ganham a contenda.
No ano seguinte, o ciclo irá repetir-se, os safios chegam, e os polvos ...a seguir.
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O safio, um peixe de fortes argumentos, quer físicos quer culinários. |
O ciclo de pesca que atravessamos agora corresponde à pré-chegada dos polvos, ou seja o momento em que os safios já se encontram à sua espera.
Garanto-vos a como é este o momento do ano em que as probabilidades de conseguirmos ferrar uns safios pesados, adultos, é máximo. Eles já estão aí.
Para quem tiver curiosidade em praticar este tipo de pesca, aquilo que posso aconselhar é que utilize material forte e feio, sobretudo forte, a tarefa não é mesmo para finuras.
Não é difícil ferrar safios grandes, é difícil sim arrancá-los do fundo com material demasiado ligeiro.
Eu, um acérrimo defensor de “ligeirezas”, um pescador que privilegia os conjuntos light acima de tudo, alguém que pode ir pescar pargos com cabelos fininhos, digo-vos que no caso dos safios não é isso que vale.
Esqueçam as montagens cuidadas, as pérolas e missangas, aquilo que resulta bem para eles é mesmo o zero grosso porque no momento da verdade, aquele que se sucede a uma ferragem firme, tudo se joga em função da robustez do vosso set de pesca.
Ou são ou não são capazes de o levantar da pedra! Enquanto estiver junto às estruturas do fundo está a tempo de se enroscar nelas, e mesmo quando já tiver perdido há muito o contacto visual com este, o safio irá tentar virar a cabeça e fazer desalmadamente força no sentido de chegar lá abaixo. Drag a preceito, nem muito cerrado nem demasiado solto, a permitir alguma saída de linha, mas...pouca.
Desde que estejamos num sítio bom, com buracos na rocha ou pedra partida, os safios aparecem sempre. E não se fazem demorar já que, independentemente da hora, eles têm sempre apetite para algo mais.
Por isso, podemos dar como concretizável esta pesca, desde o nascer ao pôr do sol, e ainda melhor durante a noite já que são bichos que saem das tocas à noite para caçar.
Dias nebulados, escuros, convêm sobremaneira. Mas se não for assim, é menos bem mas também funciona.
O ponto é mesmo que a linha de estralho seja grossa e resista à “raspagem”, que a vamos ter. Os dentes do safio são aquilo que pode retirar-nos o troféu.
Se tivesse de eleger um equipamento tipo para subir os grandes monstros que nesta época encostam a terra, seria algo como:
Cana convencional de 20 a 30 libras, com cerca de 2.10 a 2.40 mts.
Carreto tamanho 6.000, forte, robusto, munido com linha multi PE 4, baixada com dois metros em 0.70mm, estralho de 60 cm em fluorocarbono, (e só fluorocarbono!), anzol tamanho 6/0 que os bichos comem até uma âncora se tiver de ser.
A minha sugestão vai no sentido de um só anzol. Não vale a pena estar a querer safios “extreme” e a seguir colocar um segundo anzol destinado a miudezas...
A ideia é mesmo preparar o pós mordida, porque o antes é muito fácil, mandem sardinha, cavala, bucho de polvo, tira de choco, tentáculo de polvo, o que quiserem porque para eles é absolutamente indiferente.
Não se preocupem com delicadezas, preocupem-se em estar fortes. Eles picam na mesma, assim haja comida no anzol.
A linha fluorocarbono acaba por se impor por si dada a sua superior resistência à abrasão, e a consequente capacidade para sofrer o desgaste que os dentes do bicho lhe irão provocar. Falamos de autêntica lixa!
O nylon utilizado nas baixadas convencionais de “pica-pica” raramente suporta mais que alguns segundos os dentes abrasivos do safio. O normal é que se consigam levantar meia dúzia de metros e a seguir....poc!....rotura e safio perdido.
Sei de locais, alguns nem muito longe da costa, pesqueiros relativamente baixos com alguma pedra e as suas inevitáveis fracturas, os buracos, as lajes, em que um nylon 0.80mm pode não ser suficiente, pode não garantir a subida em segurança.
Mas um fluorocarbono 0.60mm bom faz isso, dá-nos o peixe.
Vamos concluir no próximo número do blog.
Vítor Ganchinho
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