De manhã bem cedo, saí no barco a partir do Clube Naval de Setúbal.
Ao sair da doca, pareceu-me ver algo a cair na água alguns metros à minha frente. Olhei para o ponto e vi que se tratava de uma borboleta negra, uma desafortunada borboleta nocturna que teve algum percalço e caiu ao mar. Batia as asas tentando libertar-se de uma morte anunciada.
Na circunstância não valorizei em demasia, afinal a vida e a morte estão coladas com cimento e desde sempre fazem parte uma da outra.
Porém, ao passar mais perto reparei que a borboleta ...já lá não estava. Havia sim um estranho desenho, curtos círculos concêntricos emanavam do ponto preciso onde ela tinha caído.
O meu companheiro desse dia, que viu o que eu vi, não perdeu um segundo a pensar no assunto e tratou de correr o fecho do casaco. A manhã estava fresca e a viagem prometia ser gélida.
Mas não era isso que me interessava naquele momento.
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Quando a água está lisa, sem vento, é muito fácil ver o que se passa à superfície. |
Eu sei que os círculos concêntricos na superfície da água ocorrem quando um objecto, ou uma força externa à água, atingem um ponto e lhe transferem a sua energia.
A perturbação vertical é transformada em ondulação horizontal, propaga-se perpendicularmente ao motivo que a origina.
Aquelas pequenas ondas concêntricas que se espalhavam para fora em todas as direcções, a partir do ponto do impacto, não foram criadas por acaso. A borboleta só por si não poderia ter feito aquilo, e ademais, as borboletas não afundam....flutuam.
Algo submerso teria tido peso e força suficientes para perturbar a superfície lisa do mar.
Parei o barco, peguei rapidamente na minha cana de spinning e instintivamente lancei naquela direcção.
No momento seguinte ao impacto da amostra algo rompeu a superfície e de repente o meu artificial desapareceu dentro de uma boca grande. Contacto.
Linha esticada, espuma e um bonito robalo a lutar pela sua vida.
Segundos depois, o peixe estava no barco. Ofereci o robalo ao meu sogro, mas pedi-lhe que me dissesse se teria algo no estômago.
Sim, a borboleta negra estava lá.
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Carlos Campos a preparar o Kraken Garmin 90”, para início da nossa pesca. |
A linha lateral é algo que permite a peixes carnívoros, muitos deles até especializados na captura de insectos, a possibilidade de determinarem o peso, a forma, e inclusive a distância a que esse ser/objecto caíram na água.
Muitos peixes predadores, o caso da truta, do achigã, do robalo, etc, conseguem fazê-lo e dessa forma selecionar as suas potenciais presas.
O mecanismo de detecção, extremamente preciso, está associado à distribuição das ondas superficiais concêntricas criadas pelo inseto e à capacidade do peixe de perceber e analisar essas oscilações.
Se leram o artigo anterior, repararam que eu escrevi algo sobre a frequência e deslocação da água. Eu repito:
“Um peixe nadando calmamente na coluna de água gera oscilações com frequências que variam de 1 a 10 Hz, mas paragens bruscas e mudanças repentinas de direção e velocidade induzem oscilações com frequências até 100 Hz”.
Vamos ver este detalhe: de forma geral, as ondas superficiais causadas pela queda de um insecto, são infinitamente menores que as provocadas pelos ventos. São ondas pequenas, por vezes quase imperceptíveis, que dificilmente penetram na coluna de água, e muito pontuais, muito localizadas.
Em peixes que se alimentam quase exclusivamente deste tipo de ocorrências, o caso das trutas, isso permite-lhes manter um foco total na película superficial da água. A sua concentração é máxima nesse plano e isso já é uma vantagem, ter um foco, não dispersar em demasia a atenção.
Não esqueçam nunca que a água transmite os sons de forma seis vezes superior quer o ar, o que quer dizer que tudo o que são barulhos naturais, ou ruídos, tem uma amplificação bastante superior ao que nós humanos conseguimos ouvir.
Ondas superficiais típicas geradas pelo vento contêm apenas componentes de frequência abaixo de 10 Hz. Em contraste, um inseto lutando na superfície cria ondas superficiais concêntricas com frequências de até 100 Hz.
Essa diferença permite que os peixes diferenciem a luta de um inseto do ruído da dinâmica de fundo, a areia que se move, as pedras que rolam, a água que corre, especialmente em condições de pouca luz.
Eles sabem que algo de imprevisto e excepcional ocorreu!
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Com pouca visibilidade, a linha lateral passa a ser o elemento preponderante na análise de oportunidades de alimentação. |
Quando algo de anormal acontece, os sentidos do peixe ficam activados no máximo da sua capacidade e a partir daí é procurada uma resposta. É de tal forma sensível o sistema nervoso que pode até acontecer que pequenas mudanças na frequência das ondas de pressão possam levar a que os peixes se assustem com a passagem de uma amostra.
O mesmo objecto que serve para os pescar, que já tantas vezes nos deu resultados positivos, pode ser o mesmo que provoca uma fuga desenfreada no peixe.
Por vezes isso tem mais a ver com a conjuntura, com aquilo que se está a passar no meio ambiente que circunda o predador, mas quase sempre a culpa é...do pescador.
Nós alteramos as amostras, gostamos de as “ajeitar” à nossa maneira, e isso é muitas vezes motivo para que a frequência de vibração passe a ser outra que não a que foi testada em fábrica.
Eu faço-o e por isso não me espanta que as outras pessoas o façam também. No fundo, aquilo que me motiva é tão só adaptar a amostra ao tipo de trabalho e peixe que pretendo pescar.
Não deixo nas mãos de um japonês as prescrições de uma amostra com que quero pescar peixes...portugueses.
Mas tenho o cuidado de ensaiar, de verificar se as alterações surtem efeito. Isso sim, sempre.
Vamos terminar no próximo número. Até lá!
Vítor Ganchinho
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Sr. Vitor, como tem sido a experiência de usar o motor elétrico de proa vs o drogue ? Suponho que seja uma nova aquisição.
ResponderEliminarSaúde,
Pedro Evangelista
Este barco que tenho agora, (pese o péssimo trabalho feito pela empresa Motolusa na sua instalação, facto que me obrigou a recorrer a uma outra empresa para corrigir tudo o que foi feito...), está equipado com uma série de "acessórios" que foram pensados para pescar melhor.
EliminarE pesco!
O motor de proa é algo que funciona bem, se devidamente instalado.
Não aconselho a marca Garmin (em termos de assistência técnica deve ser do pior do mundo), mas existem outras, americanas também.
Dá possibilidades diferentes de pesca, podemos fazer ...quase tudo.
Deixa de haver limitações de parar o barco devido a corrente, vento, etc.
É uma boa ideia.
Abraço
Vitor