MAU TEMPO NO CANAL

Este é o título de uma obra de um grande escritor insular, Vitorino Nemésio de seu nome, um homem português de grande valor.
Algo publicado em 1944 e ainda falado aos dias de hoje só pode ser um bom livro e este é indiscutivelmente um bom livro.
O canal de mar a que se refere o “Mau tempo no canal” é o estreito de água que separa as ilhas do Faial e do Pico, espaço que conheço por nele ter pescado e mergulhado alguns anos.
O livro retrata as guerras entre famílias, mas também as descomunais ondas, os ventos, os medos, a melancolia e o isolamento a que as pessoas das ilhas são votadas.
Ninguém como Nemésio pintou essas gentes, ninguém nos trouxe às mãos de forma tão clara a lonjura dos Açores, os cinzentos da vida insular, o cheiro da maresia açoriana.
Ocorre-me isto após um encontro que preferia não ter tido...

Uma jovem gaivota de Setúbal e uma ilha...

Para uma tartaruga, mau tempo no canal não significa muito.
Nascem e criam-se com água revolta nos olhos e não é o sal nem a distância que as desmotiva de lutar e viver. Aprendem por si a encontrar comida, a navegar pelas correntes oceânicas, a ir e vir num longo trajecto marítimo, uma imensidão de água que mais não é que a expressão da sua ânsia de liberdade.
O isolamento a que se submetem é uma escolha de quem, com coragem, quer fazer do mar alto a sua casa.
Para uma gaivota, uma ilha não é mais que um espaço de terra onde pode descansar as asas por alguns momentos, antes de as voltar a abrir e enfrentar de novo os ventos de inverno.
As ilhas, para as gaivotas, podem ser maiores ou menores, mas nunca devem ser...tartarugas mortas.

Dermochelys coriacea, uma tartaruga vulgarmente conhecida por “tartaruga de couro”.
(Dermochelys coriacea, do latim, significa "Tartaruga de pele encouraçada"). 

Este exemplar que encontrei, um pouco a norte da Comporta, teria cerca de 50/ 60 kgs de peso.
Não é muito para esta espécie: os adultos têm, em média, 2,2 metros de comprimento total e entre 250 a 700 quilos de peso.
Encontrei-a a flutuar à superfície. Muito pouco para quem tem a sua capacidade fisica: as tartarugas-de-couro são um dos animais marinhos com mergulhos mais profundos.
Indivíduos foram registrados mergulhando a profundidades de 1.280 metros. Os mergulhos duram, geralmente, de três a oito minutos, mas já foram cronometrados mergulhos de 30 a 70 minutos.
Isso seria suficientemente bom para as deixar a salvo de qualquer má intenção humana. Mas não o foi, neste caso...

Alimentação de base: águas vivas.

É um animal estranho, este.
Mantém o calor do seu corpo acima do meio circundante através da sua actividade muscular, até um limite de 18ºC.
Esta endotermia chega-lhe por via de um alto nível de atividade fisica, (estudos feitos descobriram que alguns indivíduos podem passar apenas 0,1% do dia em repouso...), o que é um facto notável.
Foi encontrada uma tartaruga à procura de presas em águas geladas, a 0.4ºC...
Sabe-se que as tartarugas-de-couro perseguem presas a profundidades superiores a mil metros – muito além dos limites fisiológicos de quase todos os outros seres mergulhadores, só sendo superadas pelos campeões do mergulho profundo: os cachalotes.


Todas as tartarugas sofrem diversos momentos críticos nas suas vidas, desde o momento em que ainda estão no ovo, até serem adultas, mas provavelmente o mais drástico talvez seja a saída do ninho para o mar.
Aí, o pequeno e indefeso ser tem de ser bafejado pela sorte e não ser comido por ávidos predadores como caranguejos, aves marinhas ou peixes.
Já em adultos, as orcas e os grandes tubarões oceânicos também atentam contra a sua vida. Também os afiados hélices dos barcos são um problema de difícil resolução para estes simpáticos animais.
Não que o mereçam já que nos ajudam imenso ao reduzir a população de águas-vivas marinhas, (medusas que se alimentam de....alevins de peixes, os peixes que nós pescamos).


Por fim, somos nós, humanos, quem mais atenta contra a sua vida, ao deitarmos no mar sacos plásticos, os quais, ao serem confundidos com as suas presas naturais, as águas-vivas, acabam por provocar obstrução intestinal, e a sua ...morte.
Neste caso, e pelas marcas que consegui ver na sua carapaça, o culpado do crime terá sido ...uma rede.
Neste caso de crime ecológico há um pescador profissional que sabe mais que eu.


Vítor Ganchinho


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