Grutas da Arrábida - Muito mais que buracos escuros

Confesso que é um tema que quando pensei nele, me colocou muito mais dúvidas que certezas, mas ainda assim, e porque acho que muitos dos que lêem o blog não conhecem tudo sobre estas grutas marítimas, (nomeadamente a muito visitada Lapa de Sta. Margarida, junto ao Portinho da Arrábida), resolvi avançar para este desafio de vos mostrar algo de diferente.

Sei de quem dirá que isto nada tem a ver com pesca. Mas algumas dessas pessoas passam ao lado destas grutas quando vão pescar, e não sabem que existem.
Muitos de vós não sabem que a Arrábida, na vertente oeste, junto ao Cabo Espichel, é oca e tem redes de grutas com centenas de metros de extensão.
De resto, toda a serra esconde muito bem segredos apenas conhecidos de alguns, que têm o seu quê de misterioso, de sinistro, e com muitas histórias antigas para contar.
São conhecidas algumas, acredito que nem todas. Não vou referir localizações precisas por uma razão simples: a natureza humana nem sempre sabe estar à altura da força criativa da outra natureza…




As grutas do Zambujal, na Freguesia do Castelo, com estatuto de protecção do Parque Natural da Arrábida, foram descobertas em 1978, e são consideradas Imóvel de Interesse Público.
Falamos de uma gruta que tem de comprimento cerca de 108 metros, disposta na horizontal, com interessantes formações minerais. Os morcegos hibernam ali dentro nos meses frios e em que não há insectos no ar para se alimentarem, de Novembro a Fevereiro.
O seu acesso, por razões de preservação do seu estado natural, é interdito.




A Arrábida, concretamente o Cabo Espichel e toda a sua zona envolvente são zonas que nos revelam imagens como esta. Fabuloso.
A gruta do Frade, situada na Serra dos Pinheirinhos, é algo de espantoso. Um grupo de espeleólogos de Sesimbra, o NECA- Núcleo de Espeleologia da Costa Azul, descobriu-a em Maio de 1996, na enseada do Frade. Eventualmente será a mais bonita gruta do nosso país, exigindo um isolamento absoluto, de forma a preservar este tesouro. Das fotos que vi, recordo formações rochosas absolutamente únicas. A sua entrada é feita por mar, na maré vazia, o seu acesso é restrito a quem vai de barco, e dizem os especialistas que pode ter origens no Jurássico Médio, de 160 a 180 milhões de anos. A entrada em si é ampla, com cerca de 5 metros de altura por 4 metros de largura, com um pequeno rasgo na parte superior que serve de abertura para o interior de uma sala com 20 metros, escorada em várias colunas. Os espeleologistas detectaram uma corrente de ar, sinal de que havia algo mais por ali. Este é um sinal evidente de que havia uma ligação a algo mais. De facto, há pelo menos mais 300 metros de túneis e camaras, cerca de vinte salas, algumas delas com água doce. Esta água será resultado de infiltrações da chuva pelo tecto.




Aquilo que é o primeiro instinto de pessoas que conhecem estes lugares é o de fazerem dinheiro com eles e concretamente com a venda de peças recolhidas no local. Por esse motivo, não divulgar entradas é um bom primeiro passo para evitar intrusos indesejados. Sabemos que a capacidade de fiscalização é diminuta, e por isso, não se referem neste espaço os pontos de entrada. Estas catedrais merecem o respeito de todos, mas sabemos que a natureza humana leva a atitudes que não servem a ninguém. Para esculpir um lugar destes, a natureza usou de uma ferramenta que hoje em dia pouco se houve falar: de paciência e tempo.
São necessários milhões de anos para construir um espaço destes, são necessárias apenas algumas horas para o destruir.

Pode acontecer que todas as grutas já conhecidas se interliguem de alguma forma. Da mesma maneira que se crê ser verdadeira a “lenda” de que existe um túnel feito por mão humana entre o castelo de Palmela, o Forte de S. Filipe e o castelo de Sesimbra.
Um desses tuneis diz-se ter a altura necessária para a passagem de um cavalo e cavaleiro montado.
Até hoje, conhecem-se as grutas do Zambujal, do Frade, da Utopia, do Fumo, da Furada, e gruta do Coelho.
A revista National Geographic mostrou partes deste “sub-mundo” na edição de Junho de 2002. Explicavam na altura que a formação destas estalactites e estalagmites se devia à passagem de água doce, água da chuva, pelos minerais do solo. Esta água, à medida que avança terra abaixo, ganha uma taxa superior de gás carbónico, e com isso a possibilidade de dissolver a rocha que na zona em questão é calcária. As formas que vemos penduradas no tecto, são a resultante deste escorrimento líquido. Este gotejamento sofre um aumento de teor em bicarbonato de cálcio, e, ao chegar a um espaço vazio, com ar, evapora e liberta o dióxido de carbono. O que fica são estruturas rígidas das mais variadas formas, edificadas ao longo de milhões de anos, e que assentam a sua concepção na estabilidade de temperatura e humidade. A história das alterações climáticas está ali contada em detalhe.

Temos grutas ao nível do mar, e outras em plataformas mais acima, como a gruta do Zambujal e a gruta do Fumo, a 200 mts de altura. Para que entendam a grande possibilidade de haver ligações entre grutas, conto-vos um episódio passado quando os espeleólogos estavam dentro da gruta do Frade: a dada altura houve um pequeno incêndio à superfície. O fumo desse incêndio chegou ao nível do mar, centenas de metros abaixo, dificultando a respiração aos que se encontravam dentro. Isso mostra à evidência que há passagens até à superfície que são ainda desconhecidas. Também as ossadas de animais indicam que haverá um labirinto que é transitável. O ar de algumas grutas é por vezes sugado, e em outros locais são detectadas correntes de ar. Há muito a descobrir…


As gaivotas pousam sobre pedras e não têm a menor ideia de como elas se formaram. Nem precisam...




Haverá ainda muitas grutas por descobrir no maciço da Arrábida. Na encosta sul do Cabo Espichel existem inúmeros rasgos onde mergulhei durante anos.
São grutas escuras onde o mar penetra, e têm dentro os habituais moradores: abróteas, safios, robalos, bodiões, etc. Os robalos são muito querençudos destes espaços, que lhes permitem descansar das correrias atrás das bogas, cavalas, carapaus, que estão no exterior. São normalmente bichos grandes, com peso.


Praia da Adraga, em Sintra. Chama-se a este buraco o “Fojo dos Morcegos” e é mais uma das muitas grutas que existem nas falésias da nossa costa.


Vamos ver agora uma que é sobejamente conhecida, por ser acessível a pé, para quem está no Portinho da Arrábida, em Setúbal.
Para quem a quer visitar, tem um trilho que começa na estrada que nos conduz ao Portinho.
Em frente ao lar de férias da Casa do Gaiato, encontra um caminho particular e ao lado esquerdo existe um trilho na mata. É aí que começa.
O mar surge-nos em frente, e está já muito próximo de nós quando o trilho acaba. Aí, na falésia com muito mato, tem uma abertura. Já chegou.
Desça os degraus com algum cuidado, o lugar é escuro e vai ter de habituar os olhos a essa escuridão. Aos poucos, consegue ver uma capela.
Tem história: foi construída no século dezoito e já teve imagens religiosas, algumas entretanto roubadas.

É conhecida a lenda que diz que a tripulação de um barco cristão se refugiou nesta gruta, a fugir a um barco de piratas, na altura muito habituais por estas paragens.
A embarcação destes terá encalhado nas rochas, o seu barco destruído, possibilitando assim a sobrevivência dos perseguidos. Como forma de agradecimento, os cristãos mandaram edificar esta pequena capela.
Num dos lados existe uma abertura que dá vista para o mar. Numa outra zona da gruta, existe uma entrada sobre a qual é corrente ouvir dizer que liga ao Convento da Arrábida. Lembro que em tempos idos, os frades deste convento recebiam ofertas de peixe fresco todos os dias. Existia a crença popular que uma embarcação de pesca que não deixasse alguns peixes numa canasta, da próxima vez que voltasse ao mar iria naufragar. Os monges tratavam bem da sua saúde e exploravam a religiosidade da gente simples em proveito próprio….

Na Lapa de Sta Margarida foi rodado um filme chamado de “O Convento”, em 1995, rodado pelo saudoso Manoel de Oliveira, e cujos actores principais eram nem mais nem menos que…Catherine Deneuve e John Malkovich.


Estes são os degraus que levam à gruta. Deve avançar com alguma precaução, mas a descida não é de todo difícil.


A entrada da gruta. O espaço tem hoje alguns grafitis, algum lixo, e isso mais não é do que a prova da impreparação das nossas gentes para este tipo de monumentos nacionais.


Dentro da gruta.


Aspecto da janela com vista para o mar. Em dias de temporal, com vento sul, a água pode entrar por este espaço pelo que não se aconselha a sua visita.


Aqui uma ideia mais concreta da curta distância a que os barcos podem passar da gruta.


Aspecto da capela, vista do lado do mar.


Por aqui podem ter uma ideia daquilo que é possível ver. A capela ao lado direito. É comum que as pessoas deixem velas acesas em alguns lugares, contribuindo dessa forma para criar algum do misticismo que este local indiscutivelmente tem.


Nem sempre limpa, nem sempre respeitada, mas sempre interessante de visitar. Grafitis de tinta no altar provam que por vezes espaços como estes devem ser guardados em segredo. Nem todas as pessoas sabem estar num espaço destes.


As imagens originais foram roubadas. Existe uma imagem de Sta. Margarida guardada no Convento da Arrábida. 


Há muita coisa que não conhecemos nestes labirintos subterrâneos. Seguramente o tempo irá encarregar-se de dar ferramentas que permitam descobri-los, sendo que importante mesmo é que permaneçam inalterados, sem marcas da presença humana. Preservar algo que é de todos é a tarefa de cada um de nós.



Vítor Ganchinho



2 Comentários

  1. É de facto fabuloso, a nossa serra esconde segredos e misticismos de que talvez maior parte de nós não sonha. É imperativo que se respeite estas obras da natureza que são também históricas e importantes quanto ao seu passado. Falando do que é pesca, por curiosidade, este local para mim é dos meus pesqueiros preferidos e sempre que posso é lá que gosto de pescar. Pela proximidade à natureza, pela calma e serenidade que é estar rodeado pela serra e principalmente pela biodiversidade de peixe que podemos por lá encontrar. Nos dias certos, é possível lá fazer pescas memoráveis, não sei se o Sr. Vítor tem historial de pesca por aqueles lados mas pra mim é um pesqueiro sensacional. Este último ano foi engraçado, entraram em força as mal aclamadas, mas para mim saborosas, rainhas e alguns robalos jeitosos...! Agora tamos no tempo do sargo mas infelizmente o confinamento não nos permite lá ir atrás deles!

    Um abraço

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    1. Boa tarde Rodrigo Embora seja um assunto relativamente colateral em relação à pesca pura e dura, entendi que poderia ser interessante para alguns dos pescadores que passam ao largo nestes lugares, de barco, e que não têm a menor ideia do que existe escondido pela serra. Claro que tenho as localizações de GPS das entradas, mas seria uma asneira tremenda publicá-las, até porque desde logo há duas razões muito fortes:
      1- Nem toda a gente está preparada para disfrutar destes espaços. Basta ver como está a Lapa de Sta Margarida...a mais visitada. O que pode passar pela cabeça de alguém para levar um spray de tinta e estragar um lugar daqueles?!...
      2- Há que respeitar o enorme e excelente trabalho feito pelas pessoas que descobriram e deram a conhecer a existência das grutas. O esforço foi deles, e deveria ser enaltecido por todos nós.

      Digo-lhe também que eu fiz caça submarina em toda a Arrábida, durante algumas dezenas de anos. Acredito que conheço cada palmo de pedra, diria cada centímetro, desde Alpertuche ao Meco. Eu saía do trabalho a meio da tarde, pelas 4/ 5 h da tarde, pegava no barco e ia fazer três horas de mergulho. Fazia isto pelo menos 5 dias por semana, a maior parte das vezes para fotografar. Trazia 1 peixe para o jantar, dos 100 peixes que tinha à disposição. Embora haja muitos anos que não vou lá, concretamente desde a formação da reserva, creio que consigo fazer um mapa mental de cada recanto, cada fresta de sargos, cada gruta com robalos, cada buraco de safio ou abrótea. Devo ter, só em abróteas, uns 50 buracos diferentes, e em safios, pelo menos uns 100. Vão morrer comigo.

      A maior parte das vezes, eu ia lá dar-lhes comida, ...não ia para os trazer.
      Cheguei a ter um lavagante domesticado, e também algumas moreias.
      Por isso, acredito cada vez mais que o papel do mar nas nossas vidas pode ser o de disfrutarmos dele, sem estragar.
      Neste caso das grutas, é evidente que quem conhece deve permanecer de boca...fechada.

      Um abraço!
      Vitor

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