A força do vento e a nossa força de vontade

Para quem pesca durante toda a semana, é fácil escolher os dias bons, e ficar em casa naqueles que se prevêem menos bons, ou mesmo maus.
Infelizmente, nem todas as pessoas têm como opção ir trabalhar, ou ir à pesca. As responsabilidades de garantir o sustento da família e a manutenção do cumprimento das obrigações impera sobre toda e qualquer veleidade de sair a pescar, mesmo que o tempo esteja muito bom. O que significa exactamente que se lança para o fim-de-semana a possibilidade de sair ou não sair.
A meteorologia é o primeiro factor a atender quando decidimos fazer uma sessão de pesca. Vento forte inviabiliza e deixa-nos deprimidos, vento fraco faz-nos saltar da cama e pegar nas canas, e vento médio deixa-nos na dúvida.
E é isso que vamos ver hoje, os dias que não são nem brancos nem pretos, antes primam por um cinzentismo carregado de pontos de interrogação.
Vento é algo que nunca apreciamos, por sabermos que nos torna a navegação mais difícil, por tornar a pesca tecnicamente muito menos fácil.




Vimos anteriormente neste blog o quanto os temporais são bem-vindos pelos peixes. As mexidas de tempo motivam o peixe a procurar, a estar activo, a sair da sua letargia.
E muitos destes dias de vento são de facto muito produtivos, não obstante as paupérrimas condições em que nos obrigam a pescar.


Quando a ondulação se torna forte na costa, as condições para pescarmos mais próximo de terra podem ser reduzidas, ou nulas. Todavia, é aí que andam os robalos a caçar. O peixe não tem medo da água.


Nos primeiros momentos de instabilidade, a água, embora já agitada, ainda guarda uma visibilidade muito boa. A pesca com amostras é normalmente muito eficaz, sobretudo em pesqueiros baixos.


O primeiro ponto a ter em consideração é o seguinte: temos ou não, objectivamente, condições para navegar, para executar acções de pesca, em segurança?! Estamos a pescar, ou estamos a arriscar a vida?
Nenhum peixe merece sequer o estado de alma de interrogação. Não há dúvidas de que a segurança terá de, forçosamente, ser prioritária em relação a qualquer outra decisão.
Um pescador consciente vai ao mar quando tem condições para isso. Não tem, …não vai.


A formação da mareta em Setúbal. Normalmente com vento sul, e algumas nuvens cinzentas no horizonte.


Na zona onde pesco, Setúbal, Sesimbra, Sines, temos a possibilidade de aproveitar parte da protecção oferecida pelo Cabo Espichel. Todos concordaremos que visitar um pesqueiro a norte, ou a sul do Cabo, não é igual, não é a mesma coisa.
Ao abrigo da serra, o mar fica liso, porque o vento passa por cima, bem acima do nosso barco, e só irá começar a incomodar bem longe, e sobretudo ao largo. Por outras palavras, poder pescar, podemos quase todos os dias do ano. Mas à medida que as condições pioram, também as possibilidades de conseguirmos algo com nosso esforço de pesca vão reduzindo, tendendo para zero. A norte do Espichel, uma zona muito exposta ao vento dominante de noroeste, e que junta a esse factor a ressaca da onda que embate contra as paredes do Cabo, dificilmente poderá ser pescada em dias duros de vento. O Cabo de Sines sofre do mesmo mal.


O momento em que o peixe sente a chegada da instabilidade é altamente motivador. A procura de comida passa a ser feita com muito menos cautelas, e os resultados são bem melhores.


Em certos dias, temos de lutar contra a força do vento, a sua velocidade de deslocação, e contra a direcção do vento.
Ter um vento forte de terra, leste, dá-nos todas as possibilidades de pescar porque alisa o mar, trava a onda, mas no sentido oposto, levanta vagas e massacra-nos todo o santo dia com uma mareta que embate contra o casco, que nos destabiliza, que torna os nossos movimentos mais difíceis, em suma, não nos dá um segundo de descanso. As mudanças de maré, por ser um momento de instabilidade acrescida, tornam-se ainda mais penosas. Há que juntar à onda regular que chega à costa, a vaga provocada pelo vento, e ainda a instabilidade provocada pela mudança de sentido da corrente.
Também as horas mais fortes de maré, quer vazante quer enchente, sempre que a corrente é contrária ao sentido do vento, podem trazer-nos dificuldades acrescidas.
É muito comum para quem sobe de Sines direito a Setúbal, que a ondulação lhe apareça de oeste, e que a vaga surja de noroeste, provocando um ligeiro desencontro que nos obriga a corrigir o leme vezes sem conta.
Para quem tem experiência, é mais simples. O paço da onda determina a velocidade a que se pode navegar, e se não vale a pena nem vir devagar demais, também a velocidade exagerada pode obrigar a uns litros de água dentro do barco, sem necessidade. Apontar à serra da Arrábida é obrigatório, sendo que há que contar com os baixios de areia de Tróia, que nos obrigam a cortar um pouco a bombordo, sob pena de nos vermos sem água debaixo do barco.


Para quem pesca sempre vertical, com uma chumbada e dois anzóis iscados, é natural que não note diferença nenhuma. Mas os pescadores de spinning sabem bem a diferença de lançar com condições de instabilidade….tudo melhora! Quando falamos de mar agitado, falamos inevitavelmente de caixas de robalos.


Dissemos acima que não devemos forçar situações que só nos podem trazer problemas. Todavia, desde que com uma embarcação com motor eficaz, há um espaço, um meio-termo, em que podemos efectivamente pescar.
Nestes momentos, e desde que as condições ainda sejam aceitáveis, eu pesco com um utensílio que se tem revelado precioso: o pára-quedas, ou âncora de superfície. Porque já aqui falámos dele, vou passar à frente.
Não adianta pescar ”à rola”, solto, porque o barco irá deslocar-se muito rapidamente no sentido da resultante entre o vento e a corrente. Nestes dias, fazer jigging é um suplício. Mas pode pescar-se utilizando equipamentos para tenya, por exemplo.
Esta técnica implica deslocação, e desde que o pescador consiga atingir o fundo e obter alguma verticalidade, …funciona. Os pargos, as bicas, os sargos, são clientes habituais dos nossos anzóis.
Caso não consigamos de forma nenhuma pescar desta forma, mesmo que recorrendo a um pouco mais de peso, temos ainda a possibilidade de tentar fazer um pouco de spinning, lançando ao través da embarcação, e procurando o peixe em pesqueiros não demasiado profundos.


O peixe miúdo sofre imenso com as correntes e ondulação. O seu pequeno e frágil corpo fica nesses momentos muito mais exposto aos ataques dos caçadores da espuma.


A agitação marítima ajuda-nos. O peixe aproveita esses momentos para se acercar de cardumes de peixe miúdo, sem a mesma mobilidade que os peixes já adultos, com maior peso, maior experiência, e com outras condições de se manterem em ambiente difícil.
A corrente é um aliado do peixe, e pode ser por nós explorada de forma a irmos ao encontro daquilo que ele procura. É tempo para lançar as nossas amostras, para provocar as picadas que tanto nos motivam.
Na verdade, mau tempo não quer dizer má pesca, pelo contrário. Mas repito: o pescador tem de ser responsável e saber até que limites pode levar a sua embarcação.



Vítor Ganchinho



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