MATARAM OS NOSSOS PAMPOS...

Longe vão os tempos em que os considerávamos um peixe inferior. Eram peixes menos considerados pelos pescadores, pela sua facilidade de captura, por não aportarem nada de difícil à sua pesca e por ninguém se conseguir valorizar por fazer alguns quilos deste tipo de peixe.
O “Balistes carolinensis”, era há uns anos algo que ninguém pescava, pelo menos propositadamente.
E isso fazia deles um “entry-fish”, uma espécie que podíamos reservar para ensinar os miúdos a ter gosto pela pesca. Ou para pessoas mais idosas, ou para senhoras, em suma, para quem nunca tinha pescado, e da pesca teria apenas a velha e estafada imagem de alguém que pesca uma bota velha.


Este local, onde já vi concentrações de pampos inclusive superiores à da foto acima, está hoje quase deserto de peixe.


Há quem não goste, e há quem goste apenas um pouco. E há ainda que se pele por eles, ao ponto de os comprar na Praça de Setúbal a 11 euros o quilo.
E foi isso que fez perder um peixe que já foi tão desprezado. A ânsia do lucro bateu forte nos barcos profissionais, e aquilo que vejo hoje é uma procura incessante por um peixe que merecia melhores tratos. O pampo faz milhares de quilómetros para chegar à nossa costa. Trata-se de um pelágico que pode atingir os 4 kgs de peso, sendo os exemplares a avizinhar o peso de 1 kg o mais corrente.
Os primeiros começam a surgir na costa em Maio, Junho, depois de uma longa viagem, dos Açores, de Marrocos, da Mauritânia, Chegam debaixo dos tufos de sargaços., ou ainda debaixo de objectos flutuantes.
Trata-se de um peixe que tem poucos inimigos naturais, pois está armado com dentes fortes e sobretudo com uma pele rija e dois espinhos particularmente agressivos. A alcunha de peixe-gatilho, “trigger fish” não lhes surgiu por acaso.
Uma vez armado o primeiro e mais longo espinho dorsal, é impossível baixá-lo, a não ser actuando sobre o mais pequeno, alguns centímetros atrás. Trata-se de um mecanismo de defesa, e serve-lhe na perfeição.
Apenas tenho conhecimento de ser atacado regularmente pelos marlins.




Estes exemplares adultos, são capturados em locais muito específicos da nossa costa, locais que visitam com regularidade, e que, ano após ano, lhes servem de abrigo, de ponto de encontro e de alimentação. É um peixe não muito inteligente, mas um peixe coriáceo, forte, robusto, que faz as delicias dos mais jovens. Tem a força e o peso certo, a facilidade de captura e a falta de “neurónios” certas para que os miúdos possam vibrar com as suas capturas.
Não é de deitar fora. Porque se alimenta sobretudo de crustáceos, e porque as santolas, navalheiras e lagostas também fazem parte do seu menu, acaba por ter uma carne firme e saborosa.
O pampo é, indiscutivelmente, o “rei-do-filete”, a seguir ao peixe galo. Temperados com tempo, algumas horas antes de cozinhar, com um pouco de sal, pimenta, louro, e deixados a marinar em muito sumo de limão, estes peixes acabam por brilhar à mesa. E é exactamente isso que os tem vindo a perder. As pessoas adoptaram o hábito de comprar pampo para fritar, para fazer massada de peixe, e os dias de acalmia e “desprezo”, …acabaram.
Já são procurados por quem conhece, e isso veio a tornar uma espécie desconhecida, ignorada, num peixe que é especificamente procurado pelos profissionais.




A sua captura com redes de cerco é algo de bastante fácil, já que têm por hábito mostrar-se aos barcos, aproximando-se deles.
Tenho visto autênticos massacres, perpectuados por profissionais que, na mira de um lucro fácil os dizimam por completo, não deixando um para amostra.
O barco principal chega à sua zona de permanência, deixa sair um pequeno bote a motor que pega numa rede de cerco, e com ela dá uma volta larga ao local. Tratam-se de redes com uma altura que vai do fundo até á superfície, é impossível a um peixe escapar dela. O bote fecha o circulo, é fechado o copo por baixo através de uma cabo corrediço, e depois de puxado para cima, todos os peixes que estavam nessas dezenas de metros de diâmetro, ficam irremediavelmente dentro da rede. A seguir, o peixe é acondicionado e logo ao lado, é de novo lançada a rede.
Na zona em que me movimento habitualmente, Setúbal, Sines, Sesimbra, há diversos barcos a não fazer mais nada. Vejo-os a encher caixas e caixas, e no dia seguinte, voltam a procurar os poucos sobreviventes.
Quando já não há, ou seja, quando as capturas já não pagam as despesas de combustível, param por alguns dias. E a seguir, voltam…. até não haver mesmo mais.




Quantas vezes já estive a ensinar a pescar crianças e vejo vir para junto de mim uma inenarrável traineira de Sines, que me lança as redes a menos de 10 metros de distância. Estando eu no local, fundeado, há algumas horas.
A educação e respeito, (não levando em linha de conta as leis marítimas da República Portuguesa…) dessas pessoas roça os mínimos possíveis. O mar merece melhor gente, mais polida, mais conhecedora do impacto dos seus actos nas populações de peixes, e na sua preservação. Mas tudo isso é nulo, tudo isso não vale, quando aquilo que se pretende é apenas ganhar dinheiro. Ao menor esboço de reclamação, a resposta célere é sempre a mesma:
_ “ Nós somos profissionais”….!!



Vítor Ganchinho



8 Comentários

  1. Bom dia Vitor,

    É com grande tristeza e angustia que leio este post.
    De facto vamos ter o que tanto procuramos e também não merecemos nada melhor que isso!!!
    Felizmente e com as devidas exceções, fomos em grande proporção uns seres verdadeiramente execráveis, a nossa gama de pescadores é fraca em toda a linha!

    Deixo as minhas desculpas pelo desabafo, mas pouco mais há a dizer...

    Abraço Vitor,
    A. Duarte

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    1. Boa tarde António Duarte De facto, existem "artes" de pesca que mais não são do que sistemas de extermínio de peixe. Este de que vos dei conta é de tal forma que as possibilidades que um peixe tem de escapar são absolutamente nulas. Com redes finas, tudo o que estiver no raio de acção daquela rede fica lá dentro. A rede vem do fundo até à superfície, e para qualquer tipo de peixe, se for apanhado numa zona que não tenha buracos, pedra partida, não há hipóteses nenhumas. A rede é lançada por um barco auxiliar que faz um circulo largo, e vem fechar junto ao barco principal. A partir daí, o cabo de aço do fundo é recolhido e com ele fecha o copo. De cada lance são milhares de peixes que ficam dentro. Uns terão interesse comercial, os outros, bogas, bodeões, etc, devem deitar fora, ...mortos. A quem serve isto? Esta gente intitula-se de...profissional, mas estão a matar os peixes todos, os dos profissionais e os dos pescadores de linha. Não fica nada vivo à passagem deles. No dia seguinte, ...voltam.

      Abraço
      Vitor

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  2. Este verão, vi com os meus proprios olhos, um cerco feito à tona de agua. Usam boias com isca feita de restos de peixes que apanham nas redes, juntam lingueirao...tudo dentro de uma rede a 1 metro de profundidade para manter o cardume na zona. Depiis é só cercar e puxar... encontrava-me na zona para fzer pesca submarina, e pude ver ckmi funciona.

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    1. Boa tarde Paulo Bruno Anda um barco vermelho, de Setúbal, a fazer isto em plena luz do dia. Eu estava a pescar com um grupo de amigos. Chegaram, e sem dizer uma palavra, começaram a lançar as redes a menos de 10 metros de nós. Parámos de pescar. Fizeram o lançamento e a recolha das redes, e enquanto isso, para nós ouvirmos, diziam uns para os outros: "...eles que esperem. Daqui a umas horas já aqui têm outros peixes para pescar"....

      Evidentemente fomos embora para outro lado. E eles foram fazendo mais círculos, e matando mais peixe. Duvido da legalidade desta prática, e tenho a certeza de que não o podem fazer encostando a embarcação deles à nossa, que estava fundeada.

      Abraço
      Vitor

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  3. Infelizmente é o que temos,seja no mar ou estuários bem grave o que se tem feito as corvinas no Tejo ...nem com denúncias a coisa vai lá ,fotos,filmagens e nada se faz , não há agentes,não há gasolina nos barcos enfim .
    Depois essa conversa do serem profissionais e que estamos a tirar o pão dos filhos é o prato do dia em épocas específicas

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    1. Bom dia Gomes Não há limites para a ganância humana, e não será através de palavras que o podemos evitar. É forçoso que se crie um sistema de informação/ detecção/ penalização para estes casos. No fim, não ficará um único peixe para amostra, porque esta gente não tem limites. O mar não tem qualquer capacidade de resposta a um extermínio absoluto. Esta gente estaria a defender bem melhor os seus postos de trabalho capturando peixe de forma regrada, sem exceder os limites. Chama-se a isso pesca sustentável. De que serve pescar tudo num dia, se os preços vêm por aí abaixo, e se não se consegue vender todo o peixe e metade vai fora, para o lixo?
      No dia seguinte, não há nada para vender....



      Abraço
      Vitor

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    2. Boa tarde Vitor,

      O nosso Governo e suas respetivas organizações de controlo e monitorização, deveriam atuar em várias frentes.
      Primeiro deveriam legislar (e bem) para o propósito aqui em questão, depois instruir, explicar e demonstrar com dados e factos e por último agir em conformidade e a doer para quem não cumprisse com as leis.

      Abraço,
      A. Duarte

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  4. É de facto lamentável tudo isto a que assistimos e nada podemos fazer... aí de nós se nos falta um penso rápido na palamenta. Agora impedir actuações dessas está quieto.... muito triste

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