TIRAR PONTOS DE GPS

Por vezes, nas minhas saídas de mar, acontece-me que alguns clientes mais “malandros” se atrevam a tirar uns pontos de GPS dos locais onde os levo.
É perfeitamente nítido quando o seu objectivo final é esse. Para quem está habituado a ter gente a bordo, e são sempre pessoas que saem pela primeira vez comigo, (e última…) os sinais são claros.
No fim de tudo, aquilo que mais ambicionam é mesmo saber ONDE É, mais até do que saber COMO É.
Não deixa de ser pena, porque alguém que coloca tanto entusiasmo a passar informação, a ensinar a fazer, acaba por chegar à conclusão de que não vale a pena. Tudo se resume ao ONDE É.


Quando um local passa a ser conhecido, a quantidade de embarcações sobre a pedra rapidamente acaba com os maiores exemplares. Em algumas semanas tudo fica limpo de vida.


O comandante de um barco entende esses sinais de uma forma muito precisa. São as perguntas sobre os nomes das pedras, são as necessidades de pegar no telemóvel sempre que chegamos a uma pedra nova, e são os olhos que observam a costa de um lado ao outro, à procura de pontos de referência. Há mesmo quem faça “panorâmicas”, uma forma mais simples de tirar pontos de terra.
Aconteceu-me que um deles andava com uma bolsa transparente ao peito, e virava-se a cada instante, para conseguir dessa forma captar cada detalhe da costa.
Um outro, depois de eu lhe falar sobre o alto potencial de um “cantinho” onde o estava a levar para a pesca de robalos grandes, chegou, e sem hesitações disse-me: “acho este sitio lindo! Mesmo agora vou fazer um filme da costa e marcar o ponto!”…
Mas bom mesmo é utilizar as potencialidades dos smartphones, e tirar pontos GPS. Ao fim de algumas paragens, e de uns quantos pontos tirados, as dúvidas para o capitão da embarcação já são poucas, e a partir daí, o dia está comprometido, acabou a pesca. Tudo o que se faz a partir desse momento, não passa de visitar locais que pouco mais são que areia e água. É dizer adeus às pedras boas, com peixe em cima, porque o itinerário passa a ser todo feito sobre minúsculos grãos de areia. Areia que raramente vê um peixe bom passar-lhe por cima.
Manda a boa ética que se continue a pescar, que pareça que está tudo bem, quando na verdade aquilo que se segue é apenas passar o tempo, esperar que a hora de voltar a terra aconteça.
E essa pessoa nunca mais consegue sair, porque nunca mais há espaço para ela.

Felizmente, nem sempre isso acontece, e quando temos segurança no carácter e seriedade da pessoa que sai connosco a pescar, podemos desvendar segredos, mostrar como se faz, revelar pedras menos conhecidas, e mostrar todo o potencial da nossa zona de pesca. Que é imenso.
A costa da Arrábida e sudoeste alentejano foi bafejada pela sorte, e continua a ter peixe. Muito peixe.
Terei cerca de 450 pontos de GPS marcados. As pedras não são minhas, são de todos nós, de todos os que saem a pescar, mas quem pagou os milhares de euros em combustível para encontrar as minhas marcas fui eu. Logo, as minhas marcas pessoais não são propriamente as “nossas” marcas….


Encontrar e acompanhar a presença de peixe nos locais de pesca é um trabalho moroso, caro, e que implica alguma dose de sacrifício. Quando todos estão a pescar, alguém anda de um lado para o outro lentamente, a sondar, a queimar gasolina. E a pagar essa gasolina...


Seria bom que se tivesse a noção de que uma pedra que é gerida com cuidado, é uma pedra de onde nunca se tiram todos os peixes possíveis. Um habitat sem peixes é algo de vazio, sem interesse, não atrai outra vida. Os peixes não se fixam em zonas desertas. 
Ao longo dos anos, observei com atenção o resultado de ter mostrado pedras a este ou aquele, sem reservas. A evolução é assustadora, dá pena ver como está hoje.
Locais que estavam cheios de diferentes espécies, verdadeiros aquários de peixe diverso, com tamanho, passaram a ser autênticos desertos, sem qualquer interesse para peixes nobres. Onde havia enormes pargos, douradas, meros, não existe hoje um único.

A solução não pode ser a de “democratizar” a informação, de a espalhar pelas redes sociais, de a tornar pública. As coordenadas não podem ser espalhadas por Facebook! Porque isso é contribuir para a criação de mais desertos.
Uma pedra bem gerida é algo que é visitado esporadicamente, numa situação muito particular. Porque a nossa presença altera a ordem natural, o equilíbrio que existe entre as diversas espécies. 
Explicar isto a alguém que paga três tostões e entende que tem o direito a tirar todas as coordenadas, ….é difícil, ou impossível. E por isso mesmo, a solução, a única, é mesmo a de não levar ninguém ao mar, ou, pior que isso, levar todas as pessoas para locais ….”manhosos”..." pobrezinhos de vida". Um horror!...




Vítor Ganchinho



4 Comentários

  1. Fernando Santos22 novembro, 2021

    Olá Sr Vítor !

    No meio disso tudo se calhar até já deve existir quem venda e quem compre esses pontos de GPS, pode existir mercado para tal. Eu já acredito em tudo.
    A minha admiração é irem ao mar com uma pessoa experimentada, que anda nisso há anos, trabalha com vários tipos de pessoas, tanto nacionais como internacionais e mesmo assim achar que "ah e tal ele é tonto e nem dá por isso". Como assim ele não vai dar por isso ? Acho surreal.

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    1. Boa tarde Fernando. A verdade é que os sinais são por demais evidentes, ....essas pessoas fazem meia dúzia de peixes e a maior preocupação do dia é a de ficar com as marcas. Muitas delas não têm barcos e por isso passam-nas a amigos, que as divulgam a outros. Outras têm barco, mas andam " penando" por esse mar de Cristo, nunca pescam nada porque não sabem ..onde é nem como é. E assim, inscrevem-se numa saída, levam o telemóvel preparado, e vão...marcando. Dessa forma, poupam milhares de euros em prospeção, em horas de procura.
      Eu entendo-as, vão pelo caminho mais curto. Mas a seguir ficam privados de aprender a pescar. E é minha opinião que mais importante do que o ONDE, é o COMO. Quando se sabe pescar, pesca-se bem em quase todo o lado. Conheço pessoas que parece que inventam peixe. Pescam quando todos os outros não pescam.
      Isso deve-se a uma superior cultura de mar, a saberem entender os sinais, a terem muito mar nos olhos.
      Os pontos só por si não bastam, embora ajudem muito. O problema é a divulgação maciça que se faz, através das redes sociais. E sim há quem venda os meus pontos. Hoje, muitos deles são autênticos desertos e eu tive de procurar outros. Que guardo.


      Abraço
      VItor

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  2. Uma marca boa ajuda ,mas o que ajuda mais será conhecer mais a pedra em si , horas que temos de visitar , qual a maré, lua ,vento etc e o tal kit de unhas ... O que não vai havendo falta é de chicos espertos o que prejudica quem quer realmente aprender ...ok vamos lendo, tentando ,investindo,mas no terreno e com quem esta disponível a ensinar é outra coisa .

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    1. Bom dia Gomes Costumo dizer a quem sai comigo que mais vale um dia de mar que dez dias de terra. Aprende-se muito mais facilmente a fazer quando se está numa situação concreta, em que têm de se tomar decisões sobre o tipo de equipamento, o peso e cor das amostras, dos jigs, a forma de abordar a pedra, etc. Infelizmente há pessoas que não vão à pesca com o intuito de ficar a saber como se faz, o seu foco total é saber onde é que se faz. Muitas dessas pessoas têm embarcações próprias, e andam "penando" durante anos, e no fim decidem investir meia dúzia de euros para assim conseguirem perceber o que estão a fazer os outros, e sobretudo onde o fazem. Com as marcas, vão para lá e levam os amigos, para ajudar a pagar as despesas. Em pouco tempo aquilo que era uma pedra cheia de vida passa a ser um deserto.
      Não contem comigo para passar certidões de óbito a pedras que me levaram anos a encontrar...


      Abraço
      Vitor

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