Diz-me o Raúl Gil que, na óptica dele, uma das razões de conseguir regularmente peixes acima da média, quer em quantidade quer em qualidade, prende-se com a sua capacidade de deslocação silenciosa.
Utiliza um kayak a pedais, e com isso, consegue chegar às pedras que lhe interessam sem dar demasiado nas vistas. Encontra-os com a sonda, e tenta-os. Mas em silêncio tão absoluto quanto possível.
Eu faço-o há muito. Há dezenas de anos que entendi que bons resultados e pesca optimista, “à vara larga”, não rima.
Porque, paralelamente a pescar à linha, fiz assiduamente caça submarina durante muitos anos. E, por centenas de vezes, ambos os tipos de pesca no mesmo dia. Por isso tive a oportunidade de perceber o quanto é importante não produzir os sons errados.
Ruídos metálicos, chumbadas a bater no interior do barco, canas que batem nas amuras, caixas que arrastam e batem, em suma, ruídos não naturais, não são de todo apreciados e são sempre entendidos pelo peixe como motivo de preocupação acrescida.
Os peixes não chegam a velhos por acaso. Os barulhos naturais, que tenham a ver com ondas a rebentar, com peixes a saltar na água, com cardumes que se deslocam, golfinhos que passam, pássaros que mergulham, o vento, a chuva, isso faz parte do seu ecossistema.
Se os sons dos gritos a bordo são virtualmente inaudíveis a alguns metros de profundidade, (o ar é um mau condutor de sons, ao invés da água/ líquidos e sobretudo dos sólidos), pelo contrário, uma garrafa que cai, um carreto que bate na amura levanta interrogações a tudo o que seja peixe com algum peso.
Em Portugal não temos muito a cultura de pesca discreta. Pelo contrário, fazemos tudo aquilo que não se deve fazer, muito e com fartura.
Tudo o que tenha a ver com discrição é ignorado. Lançamos a âncora com alma até Almeida, longe, e se não fizer cachão não vale. Chega ao fundo com o estrondo próprio de um pé-de-galo de cimento. E parece-nos bem.
Se podemos proteger os primeiros metros de cabo de ancora, os que ficam hipoteticamente a roçar na pedra, com uma mangueira de cobertura, aquilo que fazemos é colocar uma corrente. Se estiver um pouco de ondulação, os elos da corrente ficam a produzir ruído durante toda a nossa sessão de pesca. Pensem comigo: Quando o barco sobe com a onda, estica o cabo, logo …os elos esticam. Mas a onda passa pelo barco, segue o seu caminho e a seguir, o barco baixa.
Os elos, que estavam retesados pela tensão do cabo, de repente deixam de o estar, e ….afrouxam. São metálicos. Adivinhem vocês o resto.
Magnífico mero capturado com um vinil e uma cana de LRF, Light Rock Fishing. Para fazer isto não basta querer. |
Fazer ruídos não afasta de nós todo o peixe. Afasta só o peixe maior, mais velho, o de melhor qualidade.
Isso parece não incomodar minimamente os nossos pescadores, porque os níveis de preocupação a esse nível são nulos. Fazer barulho não é um problema.
Até porque o peixe que está perto do barco e vai embora não se vê, não chega nunca a ver-se. Logo, …não existe. Os que ficam são os pequenos, os inocentes, aqueles que afinal de contas são mesmo os que são pescados.
São esses os que alegremente colecionam dentro de um balde. Os outros não, os outros são fantasmas que …não existem.
Quando o peixe está descansado, acontece disto: num mesmo jig, aparecem dois que competiram entre si pela presa, ficando ambos presos nos anzóis. |
Sou cada vez mais cauteloso, e exigente com os níveis de ruídos que aqueles que me acompanham a pescar produzem. Estou cá de passagem, tenho uma vida limitada, e quero aproveitá-la bem.
E gosto de pescar. Quando alguém arrasta uma geleira no fundo do barco pela primeira vez eu aviso de que não se deve fazer. Se isso sucede com frequência, essa pessoa deixa de conseguir sair comigo.
Porque eu já tive centenas de oportunidades de estar a 20/25 metros de profundidade, parado, encostado a uma pedra a esperar um peixe, e consigo, pese tenha os ouvidos tapados pelo capuz da fato de mergulho, ouvir perfeitamente, nitidamente, os passos das pessoas que estão acima no barco de apoio.
Todos os ruídos contam! Um peixe adulto chegou a essa idade porque soube afastar-se subtilmente quando entendeu que havia algo nas imediações que não era do seu meio natural.
Penso que deveriam voltar atrás, e reler aquilo que o blog publicou sobre a forma como os peixes percebem os sons. A diferença entre ruído e barulho.
A 21 de Abril de 2020 foi publicado um artigo em que a questão da audição dos peixes foi o tema do dia. Vale a pena reler (ler aqui).
Vítor Ganchinho