Fazer alguns quilómetros para fora da zona comercial, o Dubai downtown que muitos de vós conhecem, veio a revelar-se interessante.
O objectivo era tão só captar algumas imagens de uma realidade alternativa. E isso foi feito.
O que eu não sabia era daquilo que teria de passar para conseguir meia dúzia de imagens de qualidade duvidosa. Conto-vos porquê.
Saí com a minha família, eternamente desgraçada pelo facto de eu gostar de peixes, para o mercado árabe do Dubai, o Front Market de Darei.
Se o trajecto de carro nos traz uma imagem cosmopolita, de uma grande cidade dos Emirados, a um nível de investimento imobiliário que não temos em Portugal, o que poderíamos esperar de um mercado não seria algo menor, de um nível rasteiro.
Não, de todo, as instalações são perfeitas, vê-se que foram bem planeadas, concebidas para um nível de higiene irrepreensível.
Esqueçam o mercado de M’ Bour, no Senegal, que aqui vos trouxe. É comparar o incomparável.
A entrada conta com uma série de prestimosos guias, que nos recebem de braços abertos, ou não fossem exigir-nos um pagamento no fim.
Ainda assim, aconselho vivamente, já que por uma centena de dirhams, algo como 26 euros, temos uma proteção imediata contra todo o tipo de maleitas.
Ter alguém que nos “protege” ajuda muito.
Infelizmente isso não pode ultrapassar algo que é muito congénito nos árabes: a sua repulsa por direitos das mulheres.
Se os quiserem ver a preceito, é algo como isto: o pai, senhor todo poderoso e ultra respeitado, vai à frente.
A seguir, uns quantos metros atrás, segue a mulher, um ser obviamente menor, com menos direitos que o meu cão Scott, e atrás, sem muitos alaridos, as aias com as crianças.
Este é o figurino standard.
O que quer dizer que , à chegada ao mercado, as minhas meninas, e mulher incluída, foram barradas e não autorizadas a entrar.
O mercado de peixe é um assunto de homens! E isso já caça um fosso para a nossa realidade. Imaginem o que seria se as mulheres portuguesas fossem proibidas de entrar no mercado de Setúbal!...
Pois sim, que entrar era algo apenas reservado para mim, as minhas filhas e a minha indefectível companheira teriam de ficar cá fora à minha espera.
Não preciso de vos dizer que foi um choque, nós hesitámos muito entre vir embora de imediato, ou ceder às exigências dos árabes. O artigo não teria conteúdo, pelo que as raparigas aceitaram este “menina não entra” com alguma resignação.
A partir daí, o tempo passou a urgir, e tudo o que fiz foi condicionado ao facto de ter alguém cá fora a desesperar.
Mas de qualquer forma, não seria possível fazer ali nada de transcendente. Digo-vos porquê!
Se acham melhor a peixeiros e peixeiras do mercado “chatos” por nos sugerirem o seu peixe, então minhas amigas e meus amigos, aquilo a que assisti foi a um massacre ao vivo e a cores.
A cada passo uma chusma de árabes cerca-nos e tenta conduzir-nos à sua banca. Deve ser assim que se sentem as miúdas novas e giras, com pretendentes às centenas à sua roda.
Só vi algo parecido em paragens algo longínquas, em Agadir, Marrocos. Também aí me senti importunado por pessoas que eu não queria mesmo ter à minha frente. Vendedores aborrecidos e inoportunos.
Se a qualidade daquilo que vendiam era evidente, de uma frescura extrema, irrepreensível, e a apresentação das bancas um verdadeiro luxo, já o restante, ou seja, as pessoas que as operavam, eram um pandemónio.
De pouco adianta explicar a um deles que estamos ali, não para comprar peixe ou mariscos, mas para fazer algumas fotos. Não o entendem. Para eles, não faz sentido que alguém se desloque ao mercado sem ser para adquirir algo.
E se nos enchemos de paciência e informamos um sobre as nossas intenções, a seguir chegam mais doze a reclamar atenção sobre as duas bancas. Ao mesmo tempo.
Não adianta. Ao fim de dez minutos estamos esgotados de agradecer, de pedir desculpa, e fazemos aquilo que nos pode livrar daquela pressão: sair dali.
E perde-se uma excelente oportunidade de conseguir informação e algumas fotos de qualidade.
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A disposição dos produtos é irrepreensível, sem dúvida. E posso garantir que são frescos, pescados localmente. |
Para além de tudo, os árabes são por definição, por características genéticas, negociantes, mercadores. Eles adoram discutir preços.
Ficam chocados e desiludidos se o potencial cliente aceita o primeiro preço, porque isso é desistir às primeiras de uma luta que deve ser longa, dura e argumentada.
A capacidade de negociação eleva cada um dos contendores a um nível superlativo, e torna a “luta” interessante.
Por mim, a vontade de os convencer a baixar preços era nula, porque também a vontade de comprar peixes era abaixo de zero. Mas gostava de ter feito algumas perguntas que não fiz.
Ficará para a próxima... vou tentar fazer os possíveis por conseguir as informações que desta vez não consegui.
Posso garantir-vos que à hora a que visitei este espaço de venda de peixe fresco, haveria muito mais vendedores que compradores.
Não deixa de ser estranho o silêncio que encontramos, uma voz aqui e outra ali, a contrastar com o ruído de fundo que sempre existe nos nossos mercados tradicionais.
O peixe e os mariscos são apresentados sobre gelo, mas o seu aspecto é absolutamente irrepreensível. Um dado curioso é o de quase sempre eles exibirem os opérculos sempre abertos, para provar a frescura.
Algumas das espécies são coincidentes com as nossas, mas inevitavelmente haveria muitas outras que não param pelas nossas zonas de pesca.
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Esta gente que aqui vive precisa de alimentos todos os dias. O mercado está apto a responder positivamente, para milhões de pessoas. Qualidade existe. |
Foi uma pena que eu não tenha conseguido fazer as coisas com tempo, por recear que algo de ruim pudesse acontecer às minhas raparigas.
Por súbita inspiração árabe, ocorre-me determinar que a partir de agora as minhas meninas e esposa terão de deixar crescer barba e bigode.
Vítor Ganchinho
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