Eu, aluno, queria ser melhor que o Luís Ramos, mestre.
Queria pescar mais e melhores peixes que ele.
Qual lutador de sumo, resolvi desafiá-lo batendo com os dois pés no chão, à vez, para um choque frontal.
Esqueci por breves instantes, num momentâneo e perfeito lapso de razão, que estava a fazer uma pesca profunda que não é a minha, com linhas grossas e jigs pesados que raramente utilizo, num ambiente que não é o meu, a peixes que não são os meus.
E que estava com alguém que faz aquela pesca como profissional, naquela zona, naquele ambiente, àqueles peixes, …todos os dias.
Repito: …profissional…todos os dias.
Até comecei bem!
Logo no primeiro dia de pesca e num curto espaço de tempo consegui concretizar todos os meus objectivos para a viagem: um mero dentão com 29,180 kgs, uma garoupa preta com 14,100 kgs e uma corvina, essa sim mais modesta, de 6,200 kgs. Em três peixes, cinquenta quilos de peso.
Fora isso, uma resma de peixes bonitos, o habitual by-catch que, garanto-vos, só por si seria uma pescaria de estalo nas nossas águas.
Como ele não pescou, apenas andou comigo a passear-me ao colo pelos seus melhores sítios de pesca, as coisas correram bem para o meu lado. Nitidamente eu estava a ganhar.
Vantagem de cá.
Relatei-vos aqui no último número do blog a minha captura de um peixe grande, concretamente um mero dentão de bom porte.
Durante o combate, apliquei-me a sério, fiz força, mas senti o corpo a reagir bem. Estava bem treinado e até muito longe do esgotamento físico total, só que aquele era apenas o primeiro de muitos dias de esforço. No fim da semana confesso que já não tinha a mesma frescura. Levantar dos fundos longínquos adversários daquele calibre deixa-nos exaustos.
Durante a noite, quando seria pressuposto estarmos a descansar, acordamos sobressaltados porque os ossos do corpo estalam!
No último dia de pesca estava física e mentalmente arrasado, mas já tinha comigo fotos comprovativas do êxito da viagem. O peixe de bandeira fora conseguido e para mim isso era importante. Primeiro porque queria muito um mero dentão daqueles, segundo porque não tinha dúvidas de que a captura daquela garoupa me daria assento nas reuniões do Conselho de Estado, à direita de Sua Excelência o sr. Presidente da República.
E a chave da cidade de Lisboa. E presença garantida em todos os outdoors do país.
Deste tipo:
![]() |
Que peixe! A sua captura foi uma coisa tão estranha que Cristo não hesitou, desceu à Terra e veio ver com os seus próprios olhos. |
Estas coisas, quando resultam bem, fazem-nos pensar que somos capazes de fazer tudo. Que somos imbatíveis. E daí até levarmos uma sova a sério é um passo curto. O Luís, logo no dia seguinte, suavemente, com a sua pesca pausada, aparentemente sem esforço, mostrou que ainda há quem mande ali.
Fez uma sequência de peixes de faltar o ar…
Vantagem de lá. Senti que me faltava um pouco de peso para me poder bater de igual para igual...
![]() |
Não devemos comprar lutas que não podemos vencer. Neste caso, eu atrever-me a desafiar o campeão de pesca foi um erro clamoroso… |
O desgaste de tentarmos copiar o que ele faz, da forma como o faz, é tremendo. Pagamos a ousadia com músculos cansados, esgotados, a pedir clemência pelo atrevimento.
Quando se tenta competir sem que o oponente sequer o perceba, a ressaca ainda é pior. Perdemos de forma inglória e sentimo-nos desolados por dentro.
Ficamos a precisar de muitas caixas de chocolates, uma massagem a duas mãos suaves e delicadas, e um divã macio onde, deitados de costas, queremos falar horas e horas sobre os nossos traumas.
![]() |
A minha versão de garoupa….por cá seria um bom peixe, de Matosinhos a Sagres. Mas ali, não. |
Vocês já viram isto nos filmes de poker: o jogador está convicto de que tem a jogada perfeita e é imbatível. Enche o peito de ar, abre um sorriso largo e lança as cartas sobre o pano verde para que todos vejam o seu Full House.
A seguir, lentamente, sem esboçar qualquer emoção, o outro jogador estende o braço e da sua mão calma e experiente saltam quatro cartas com um Royal Straight Flush, a jogada máxima. E ganha.
Ele trouxe do fundo várias garoupas bonitas, eu nem por isso, andei enrolado com as “iscas” que as garoupas dele comem. Apareceram-me apenas peixes “miúdos” considerando o potencial da zona.
Assunto arrumado, de momento.
Na verdade, apenas por esse dia, …o espírito competitivo leva-nos de novo ao tapete de luta e lançamos mais sal no ringue, a desafiar o mestre.
Assim que recuperamos o fôlego, estamos prontos para outro combate de sumo. A sorte muda sempre no dia seguinte.
Isto naquelas águas é andar de “missanga em missanga”. |
Sabendo da minha vontade de conseguir uma corvina, levou-me a um dos spots onde elas costumam aparecer. Ele controla a sua movimentação de acordo com a hora do dia e da maré e só passa na zona se as condições estiverem perfeitas.
O conhecimento vai ao ponto de poder definir locais de permanência em função da época do ano. Na verdade, sabe sempre que cartas temos na mão porque está a vê-las, joga com o baralho todo… é tudo dele.
Aqueles que acham que podem fazer o mesmo que ele levantem o braço. Estou seguro que a maior parte daqueles que me leem estão seguros e convictos de que o poderiam fazer. Talvez não.
Estar no mesmo local, com o mesmo equipamento de pesca, a dois metros dele, não significa necessariamente obter os mesmos resultados.
A distância que vai de um amador para um profissional não é só a medida em centímetros que os separa no barco. A quantidade de detalhes que ele controla ao mesmo tempo é um absurdo, e muitos deles, para alguém menos observador, podem até ser invisíveis.
A começar por ser capaz de posicionar o barco sobre o pesqueiro da forma que mais lhe convém. Foca a sua atenção na deriva do jig, muito mais que na corrente ou no vento. Parece estranho, mas na verdade ele não considera mais que o posicionamento do peixe e a descida do jig. Marca o peixe na sonda, (chegou-me a mostrar o peixe encostado ao fundo a 140 metros, e a nuvem de comedia fina que estava sobre ele, a rodeá-lo…), e manobra de forma a ter o barco na melhor posição para o jig descer exactamente sobre a sua cabeça.
Se muitos de nós somos capazes de garantir a colocação do barco sobre um ponto, a nossa margem de tolerância relativamente a esse ponto poderá ser de “uns metros”. A dele é de “uns centímetros”. Poucos.
Haverá muitos de vós que acham que seriam capazes …porque sim. Parece-vos que aos comandos do barco dele, naquele sítio, fariam igual, ou melhor. Pois, …talvez não.
Não basta querer porque isso querem todos. Não basta saber algo sobre coordenadas e manobras de barcos. E ser bom a lançar jigs. Ainda não é isso, é muito mais….
Há todo um processo de aprendizagem, de aperfeiçoamento, que leva anos.
E se um pescador quiser queimar etapas, o resultado final não será diferente de alguém que acaba de tirar a carta de condução e quer arrancar …em quinta.
O que nos mata nem são os peixes, muitas vezes com muito mais força que nós. Esses são o motivo que nos leva a ir lá, a aguentar firme quando o mais fácil seria desistir. Esses são a parte boa da questão.
Não é isso. São os pequenos detalhes, quase sempre invisíveis, que nos matam. Um deles é perfeitamente insuspeito: a humidade.
Transpiramos em abundância, continuamente, e isso enfraquece-nos, deixa-nos sem forças. A solução é hidratar, ingerindo muitos líquidos, tentando assim perder o mínimo possível de energias.
Em terra, quando se diz que estamos perto de um sítio, a não mais de quinze minutos a pé, isso quer dizer que a distância pode fazer-se em cinco minutos mas que devemos ir devagar….
O problema é que quando pescamos muito facilmente olvidamos a água, a comida. São as temperaturas altas, o sol directo, a humidade, o peso dos jigs, as correntes, a quase abstinência de água e comida. Nem nos lembramos de comer!
Os nossos anseios são direcionados para uma picada de um daqueles monstros, e pouco mais.
A quantidade de informação que ele nos passa é de tal ordem que olvidamos coisas “mundanas” como…alimentos.
É outro o tipo de alimento que procuramos...
Vítor Ganchinho
😀 A sua opinião conta! Clique abaixo se gostou (ou não) deste artigo e deixe o seu comentário.
Espectáculo grande Vitor. Não imagina o quanto eu me rio com as analogias que faz ao longo dos capítulos..kkk...genial. Muito obrigado e os parabéns pelos capítulo e venha os próximos. Grande abraço
ResponderEliminarOi Luís! Não vai ser fácil estar desse lado na próxima semana.
EliminarAcho que tirei uns dias só para dizer mal.
Aconselho a compra de umas quantas caixas de Xanax, e umas garrafas de vinho tinto.
Para anestesiar...
Abraço
Vitor
Que texto maravilhoso.... ir lá e pescar com o Luis é sem duvida tudo isso e muito mais!
ResponderEliminarMuito obrigado por este momento que me levou a viajar até ao Lobito.
Abraço
Emanuel Fernandes
Tudo nos parece fácil quando pescamos com ele.
EliminarE a capacidade que ele tem de controlar a embarcação?!
Recordo-me de um dos dias termos saído e de não estar vento nenhum.
O mar estava calmo, a água azul e lisa à superfície. Um dia bom para as mulheres casarem de vestido branco com cauda comprida. Saímos da Marina bem cedo e nada fazia prever o vento que se levantou, e a vaga que iria surgir a meio da manhã. Aumentava mais e mais, e a dada altura já as ondas formadas não convidavam a nada mais que uma retirada estratégica. Ele fazia um esforço enorme em conseguir controlar o barco, que saltava de pico em pico de onda.
Para lhe fazer saltar a tampa, eu ainda mudei para um jig de 160 gramas, mais leve que os anteriores, e obviamente esse jig levava mais tempo a chegar ao fundo.
Pois mesmo assim, e enquanto eu quis pescar, ele aguentou o "Incrível" em cima dos pontos.
Eu estive a pescar como se estivesse num lago, sempre na vertical. Como se nada se passasse.
Da parte dele não há um queixume, não há uma reclamação, o que há é uma capacidade de trabalho absurda, um acreditar até ao último lance.
Chegámos a estar meio dia sem fazer um peixe e ele apenas olhava para a carta e conduzia o barco. A dada altura entendeu qual o padrão para esse dia e a partir daí fizemos uma série de peixes bonitos.
Vamos ver se vocês gostam dos próximos artigos, um pouco mais ligeiros. Espero que sim.
Abraço
Vitor